Este é um tempo em que teremos de entender, definitivamente, que o rigor terá de ser assumido como instrumento estratégico de acção e de resistência política. Num tempo em que os governantes decidiram acabar com a Área de Projecto e com o Estudo Acompanhado, quais os argumentos que se invocam para justificar uma tal medida? Precisamente aqueles que os sucessivos ministérios da Educação recusavam por serem entendidos como pedagogicamente radicais e inconsequentes. Esperemos, por isso, mais uns tempos para ver como a mesma estratégia voltará a ser utilizada – de forma descarada – quando chegar a vez de acabar com as Actividades de Enriquecimento Curricular. Veremos, então, aqueles que usaram a Escola a Tempo Inteiro como instrumento de manipulação política a falarem dos malefícios da hiperescolarização da infância ou a esquecer rapidamente a importância estratégica da aprendizagem precoce do Inglês. É num tempo assim que temos de falar claro e reconhecer que, no campo da Educação, no país em que vivemos, há palavras tão perecíveis como liberdade e autonomia. Usam-se quando dá jeito e deitam-se fora quando incomodam, em nome das necessidades imediatas dos governos. Os mega-agrupamentos, e os problemas que irão introduzir no quotidiano das escolas, acabarão por demonstrar o quanto não valem aquelas expressões. Encontramos, também, as palavras astuciosas. Podem significar tudo o que quisermos que signifiquem – pedagogia, ensino, aprendizagem, cidadania e inclusão, são alguns exemplos de um universo de palavras que são esvaziadas do seu significado original para se fazer de conta que houve debates, interrogações, dúvidas e interpelações que efectivamente nunca chegaram a ocorrer. Num outro plano, temos palavras milagrosas como competitividade, autoridade e exigência, que se evocam como uma reza, de forma ritual e acrítica, para espantar, de forma gratuita e rápida, os demónios que nos atormentam. São palavras que nos desobrigam de reconhecer que nas escolas em que vivemos nem sempre temos de encontrar soluções indolores, eficazes e definitivas para os problemas que aí vivemos. São palavras cujo veneno reside no modo cómodo como muitos de nós as usamos, alegremente, tal como um bumerangue que traça uma curva no ar antes de embater na nossa cabeça e nos derrubar. É por isso que, em Educação, preferimos as palavras antipáticas, como por exemplo construtivismo ou Rousseau, que, independentemente de todos os pecados que possam albergar e suscitar, não admitem interpretações hipócritas, mesmo que possam alimentar propósitos ingénuos. São palavras que não rimam, também, com as falinhas mansas dos que anunciam a possibilidade de chegar a um paraíso que tanto pode ser equiparado ao Pai Natal das nossas infâncias como à linha do horizonte, que, na verdade, nunca alcançaremos. São palavras odiadas, incapazes de ser apropriadas pelo ”mainstream” do politicamente correcto, que não é tão inócuo como alguns afirmam que é, quanto mais não seja porque alimenta os lugares comuns que nos apaziguam, mas que impedem a possibilidade de nos defrontarmos, quer com as nossas dúvidas, quer com a nossa legítima incompetência profissional. São palavras que não se adequam às litanias optimistas das fugas para a frente de um Ministério da Educação que julga poder iludir a realidade com a definição de metas no Ensino Básico e no Ensino Secundário, com o lavar de mãos hipócrita face aos rankings das escolas, com a realização de testes intermédios que acentuam a tendência de as escolas estarem a transformar-se em contextos onde se passa mais tempo a certificar aprendizagens do que a trabalhar e a aprender, ou, finalmente, com a publicação do Despacho n.º 16.034/2010, de 22 de Outubro, onde se definem os padrões de desempenho docente, cuja arbitrariedade não está tanto na sua definição, mas no modo como permitem que uma tal arbitrariedade se possa instalar. Sabemos, é claro, que não são as palavras que incomodam, mas o seu uso abastardado. Uso, que hoje constitui um obstáculo educativo, imposto pelos governos e pelos seus comissários quando, por razões de popularidade política, são incapazes de produzir discursos honestos, ainda que possam ser produtores de discursos tão inadequados quanto brutais. Uso, ao qual, como professores, não somos imunes, sobretudo quando nos colocamos constantemente numa posição defensiva, à espera que a tempestade passe, como se de um pesadelo se tratasse.
Ariana Cosme e Rui Trindade
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