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A Crise e o Ensino Superior

“Os dias da ajuda do Estado na educação superior estão a acabar. O sistema de procura e oferta, compra e venda, vai traduzir-se em mais universidades privadas e a obtenção de lucros vai ser o futuro.” (James Stanyer)

 

No âmbito do Seminário de Comunicação Política, o pólo de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto tem recebido as personalidades mais importantes da área. Cristian Vaccari e James Stanyer são professores e investigadores de créditos firmados e identificam vários problemas que a crise trouxe ao Ensino Superior. Os relatos são sobre as realidades italiana e inglesa, mas poderiam muito bem ser sobre a portuguesa: propinas elevadas, fuga de cérebros e falta de apoio à investigação, são as queixas principais.

“Os professores universitários estão a passar por uma série de reformas e de apertos no orçamento que estão a dificultar o seu trabalho, dispersando a sua atenção dos seus verdadeiros deveres: ensinar e investigar” – poderia ser, perfeitamente, uma frase de um qualquer professor de uma qualquer universidade do nosso Portugal, mas não. A afirmação é de Cristian Vaccari (em cima), da Universidade de Bolonha.

A crise que vem alastrando no espaço europeu, especificamente no espaço euro, teve impactos imediatos no “Estado social”, em sectores-chave como a educação. Em Inglaterra, a Universidade de Loughborough tem vivido o mesmo processo. “Em 2012, as propinas vão chegar às 9.000 libras/ano (aproximadamente 10.000€), o que transforma os alunos em consumidores. Isto leva a que o ensino se sobreponha à investigação, para que os professores possam fornecer o que o mercado está a pagar”. E esta não é a maior preocupação para James Stanyer (na página anterior). “Os dias da ajuda do Estado na educação superior estão a acabar, o sistema de procura e oferta, compra e venda, vai traduzir-se em mais universidades privadas e a obtenção de lucros vai ser o futuro”, afirma o universitário inglês, com pesar no olhar e desânimo por ver cada vez maiores dificuldades no caminho da investigação.

 

 

Caminho que parece estar obstruído também em Itália, onde o Governo efectuou cortes significativos (na educação e, especialmente, na investigação), acompanhados de congelamentos salariais que não correspondem com o ritmo da inflação. Esta conjuntura traz novidades no perfil do próprio estudante: “A maior parte dos meus alunos são estudantes-trabalhadores, o que, por um lado, permite que explorem o mercado de trabalho, e, por outro, retira-lhes tempo de estudo, e isso reflecte-se nas notas e na qualidade da investigação por eles produzida”, atesta Vaccari. “Isto leva a que muitos dos estudantes mais brilhantes fujam do país e procurem a sorte noutros locais”.

Qualquer destes discursos poderia ser de um académico português, espanhol, grego, irlandês, ou mesmo francês, mas, procurando bem, encontram-se diferenças. Se, para o britânico, a política ainda não consegue ter grande influência nas universidades, “porque a liberdade e independência académicas continuam a ser pontos claros e assentes”, em Itália não é bem assim: “Berlusconi prefere apoiar universidades privadas, onde estão os seus amigos e conhecidos, em vez das públicas, como seria seu dever e a sua responsabilidade. E é muito mais fácil obter fundos se formos conservadores, a estudar temas conservadores, do que ser progressista, especialmente pensadores de esquerda”.

A própria profissão e a postura dentro da sala de aula têm vindo a mudar com o passar do tempo, as reformas da educação e a exigência dos próprios alunos. “Hoje em dia, para além de ser um bom comunicador e um bom investigador, um professor deve desenvolver um sentido prático e ligar-se aos alunos num nível mais pessoal, para poder extrair deles todo o seu potencial. Para isso, tem de estar constantemente a actualizar-se, e não há melhor forma de o fazer do que produzir investigação. Para além disto o professor tem de saber bem quem está à sua frente”. Estes são os fundamentos, segundo Vaccari. Com os quais Stanyer concorda, acrescentando: “Tempo! Conseguir coordenar o tempo do ensino com o tempo da investigação, com o dinheiro disponível para fazer ambos, é o maior obstáculo para se ser um bom professor hoje em dia”.

E quanto ao futuro? O que fazer quando as ciências sociais recebem muito menos financiamento do que as engenharias e as ciências da saúde? Haverá solução para este velho modelo? Para Stanyer, a “luta vai ter de continuar a ser travada, porque realmente as ciências sociais são muito menos importantes para o Estado, porque não produzem dinheiro no imediato. Portanto, a solução seria começar a pensar nas aplicações directas das investigações que se fazem”. Já para Vaccari, é o poder político que tem a responsabilidade – “recentemente, o nosso ministro da educação pediu mais dinheiro e a resposta do secretário do Tesouro foi: nós não comemos cultura”.

João Pereira (texto)

Gonçalo Moreira da Silva (fotografia)


  
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