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“Não há nada que substitua as aulas presenciais”

A pandemia afetou o ensino, em todos os seus graus, levando-o a reinventar-se para fazer frente a estes tempos complicados. O Ensino à Distância foi a solução encontrada para que os alunos continuassem a ter aulas e as novidades foram muitas. A Página da Educação quis saber junto dos professores como foi a experiência de lecionar em casa, recorrendo aos meios digitais, que benefícios podem retirar deste método de ensino e quais as expetativas para o próximo ano letivo.

Esta semana, falamos com José Sá Reis, Professor Auxiliar (Ensino Superior).

 

Como decorreu o ensino à distância neste segundo semestre?

Globalmente, e tendo em conta a forma inesperada como teve de ser preparado metade do semestre, penso que posso dizer que o saldo foi bastante positivo. Na verdade (e dizer isto é obviamente um lugar comum), não há nada que substitua as aulas presenciais. Por muito empenho que tentemos colocar numa aula à distância, o nome não engana: é “à distância”. Neste semestre dei sobretudo aulas teóricas e, por isso, optei por gravá-las com antecedência, disponibilizando-as à hora marcada para a aula (e deixando-as disponíveis, se bem me lembro, durante duas semanas). Para aulas com um registo mais expositivo, penso que a diferença para as aulas presenciais – pelo menos no que toca à transmissão de conteúdos – praticamente não se fez notar. Até diria que, podendo os alunos “rebobinar” a aula e voltar a ouvir partes que por alguma razão não tenham percebido bem à primeira (porque a matéria é mais complicada, porque falei mais depressa, porque a exposição não saiu tão clara...), possivelmente terão condições para apreender melhor o que é transmitido. A grande diferença é nas aulas práticas, em que a interação, a discussão e o diálogo estão muito mais presentes. Falo, claro, pela minha experiência (dou aulas de Direito), em que passamos a maior parte das aulas práticas a resolver “casos” em que aplicamos a matéria que já foi lecionada nas aulas teóricas. Aí, realmente, nada substitui a sala de aula.

Quais as principais dificuldades e potencialidades desta modalidade de ensino?

A maior dificuldade, pelo menos num ensino com avaliação (e sobretudo quando conferente de grau), é garantir que a avaliação é feita com critério e com os cuidados necessários para evitar que haja fraude. Penso que nenhum professor gosta de se sentir na pele de um polícia, mas claro que se um exame escrito está a ser feito noutro local temos de tomar as medidas razoavelmente possíveis para garantir, por exemplo, que o exame está efetivamente a ser feito por aquele aluno e não por um colega que já passou àquela cadeira, e que ele o está a fazer sozinho. Na minha faculdade decidiu-se que os estudantes têm de estar com a câmara do computador ligada enquanto fazem o exame, e são “vigiados” à distância. Claro que isto não conseguirá evitar muitos esquemas, mas qualquer professor que em mais novo tenha visto ‘A turma dos repetentes’ sabe que é impossível evitar a 100% que um aluno decidido a copiar, de facto copie. Como costuma dizer um colega mais velho, “se for caso disso, a vida há de os castigar...” Quanto às potencialidades, são muitas: desde logo, percebermos que podemos criar cursos, com ou sem avaliação, em “mercados” fisicamente distantes – por exemplo, no Brasil ou nos Palop. Mas também o de podermos no futuro, eventualmente, encontrar fórmulas que nos permitam ir buscar o melhor dos dois mundos, garantindo aulas presenciais em que exista uma comunicação mais próxima e, quem sabe, optando em alguns casos por aulas teóricas parcialmente à distância. Isso poderia ser quase um 'ovo de Colombo' para resolver problemas relacionados com a gestão dos horários (dos docentes e dos estudantes) e com a falta de instalações. 

Considera que o ensino à distância foi a melhor solução face à emergência sanitária? Pode ou deve ser continuada ou retomada noutras circunstâncias?

Não percebo nada de epidemologia, portanto tenho de aceitar que os técnicos que entenderam ser esta a melhor solução, sabiam o que estavam a dizer. E, na verdade, durante os meses em que houve aulas os números em Portugal estiveram muitíssimo controlados. Claro que havendo razões sanitárias que imponham a necessidade de retomar a prática, não há muito a fazer senão retomá-la. E mesmo quando a vida regressar ao normal, como já referi, há lições que aprendemos e que nos podem ser úteis na modernização e flexibilização dos métodos de ensino.

A distância permite manter uma relação privilegiada com os alunos ou levanta muitas dificuldades?

Levanta muito mais dificuldades, claro! Mas foi muito gratificante, sobretudo durante o período de maior isolamento que atravessámos, perceber que os alunos entenderam muito bem as dificuldades que tivemos e que colaboraram ao máximo para que as coisas corressem bem. Por exemplo, enviando-nos feedback durante as primeiras semanas, quer com críticas construtivas a aspetos que poderiam ser melhorados, quer pura e simplesmente agradecendo-nos o esforço que percebiam da nossa parte. E de facto as aulas eram uma das coisas que nos prendia a todos, alunos e professores, ao “mundo real”. Foi mais ou menos essa a expressão que utilizou uma aluna, que pertence à comissão de curso de um dos anos, num email muito simpático que enviou aos professores no final das aulas.

Que benefícios retira desta experiência que, futuramente, possa aplicar nas aulas presenciais?

Eu diria, se calhar, que o maior benefício foi percebermos todos a falta que fazem as aulas presenciais. Às vezes queixamo-nos do excesso de aulas e de ter de ir falar para uma plateia que nem sempre é fácil, mas (e falo por mim e por alguns colegas com quem já comentei isto) a verdade é que foi a vida que escolhemos e é o que mais gostamos de fazer.

Que expectativas tem para o início do próximo ano letivo?

Ninguém sabe como é que as coisas vão estar em setembro, mas já temos preparado um ‘plano B’ para o caso de não ser possível retomar integralmente a normalidade letiva. E que passa, precisamente, por assegurar que quase todas as aulas práticas sejam presenciais, mantendo-se a maioria das aulas teóricas à distância. Seja como for, teremos sempre a vantagem de não sermos apanhados de surpresa, de não termos de aprender a meio de um semestre a utilizar ferramentas com que não estávamos minimamente familiarizados e, claro, de já termos passado por esta prova de fogo e sabermos que as dificuldades são quase todas, e quase sempre, superáveis.

Maria João Leite


  
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