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Há vida depois da reforma

Licenciado em Psicologia e doutorado em Ciências Biomédicas pela Universidade do Porto, António Fonseca é professor e investigador na Universidade Católica (Centro Regional do Porto). Desenvolvimento e bem-estar psicológico, qualidade de vida, educação, orientação e formação ao longo da vida, são algumas das suas áreas de interesse científico, tal como o envelhecimento, que foi tema da tese de doutoramento [Uma abordagem psicológica da “passagem à reforma” – desenvolvimento, envelhecimento, transição e adaptação]. A par dos trabalhos de investigação e da colaboração com outras instituições de formação nas áreas de educação, saúde e serviço social, tem registadas diversas publicações, nomeadamente, «Reforma e Reformados» (Edições Almedina, 2011), «O Envelhecimento: uma abordagem psicológica» (UCP, 2006) e «Envelhecer em Portugal» (Climepsi Editores, 2005), este com Maria Constança Paúl. Em entrevista à PÁGINA, António Fonseca mostra-se preocupado com a solidão e pobreza que afectam os idosos portugueses e defende um envelhecimento mais activo. Sublinha ainda a necessidade de uma discussão mais ampla sobre as questões sociais e políticas ligadas aos mais velhos.

 

Li um trabalho onde o António Fonseca fala de inquietações em relação à questão do envelhecimento em Portugal... Que inquietações são essas? Ainda as mantém?

Mantenho, claro. Conto-lhe até uma história para explicar essas inquietações. Há dias participei, em Lisboa, num encontro de projectos sobre a Educação Intergeracional financiados pela Fundação Calouste Gulbenkian. Esteve cá um colega inglês, da Universidade de Oxford, e demos uma volta pelo país. Ele não conhecia a realidade portuguesa, por isso, visitámos a Mouraria e depois fomos a Bragança e Vila Nova de Foz Côa, para conhecer a realidade da vida dos idosos em meios muito mais pequenos. E de facto é muito constrangedor para mim, enquanto português em face de um estrangeiro, constatar a pobreza extrema em que vivem muitos idosos em Portugal. Isto acontece tanto numa cidade como Lisboa como numa pequena aldeia do concelho de Bragança. A minha inquietação prende-se sobretudo com isto: há muitos aspectos básicos daquilo que podem ser consideradas condições mínimas para ter uma boa qualidade de vida, bem-estar e por aí fora, que ainda não estão assegurados. Sobretudo na habitação: aquecimento, água canalizada... Muitos idosos vivem sem essas condições básicas. E estamos a falar de pessoas que já não vão ter capacidade de as conquistar: são reformados, muitos com rendimentos baixíssimos. A pobreza é a minha primeira inquietação.

 

Há mais questões que o preocupam, então.

A questão da solidão, sem dúvida. Em Portugal centramos muito a discussão na questão dos lares. Mas a questão dos lares não me preocupa muito, estamos a falar de apenas 5% ou 6% de idosos que vivem em lares. Há muitos idosos que vivem nas suas casas, ou com familiares, em condições de solidão e isolamento muito significativas. Quem está num lar, geralmente, tem um grau de dependência acentuado, precisa de cuidados; se estivessem em casa, sozinhos, acabariam por morrer. E se calhar ninguém notava, passavam 6 ou 7 anos e ninguém dava conta.

 

Houve um caso muito mediatizado de uma idosa que foi encontrada morta em casa apenas ao fim de 9 anos. Esse caso serviu para alertar e despertar consciências?

Chamou a atenção para uma coisa: há idosos que vivem muito sozinhos. Mas chamou também a atenção para a pobreza das relações sociais em que as pessoas idosas vivem. Viver sozinho, por si só, não é o problema. Um idoso pode viver sozinho e ter um leque de relações sociais que nota a sua ausência quando não aparece, quando não está nos sítios onde é suposto estar. Todos nós temos consciência da solidão, mas este caso exemplifica a escassez de relações sociais em que as pessoas vivem hoje. Alguns porque nunca as construíram, porque sempre foram pessoas introvertidas, ou então porque as foram perdendo ao longo da vida. Os amigos morrem, a família emigra, as pessoas afastam-se. Portanto, a questão central não é a solidão, é não ter relação com a comunidade. E estes casos vão ser mais frequentes, porque vamos empurrando as pessoas mais velhas para uma existência a prazo. As pessoas pensam “bem, ali está o avozinho, vamos ver quanto tempo mais vai durar”.

 

Na generalidade, podemos dizer que em Portugal não se envelhece com qualidade? E como se define um envelhecimento com qualidade?

O envelhecimento com qualidade precisa de três grandes condições: autonomia, saúde e relações sociais. Às vezes pergunta-se, e o dinheiro? Bem, o dinheiro não é essencial para um envelhecimento com qualidade. É essencial o dinheiro básico, mas não é por ter muito dinheiro que vou envelhecer com mais qualidade do que uma pessoa que tem menos meios. Pode faltar a saúde, podem faltar os afectos e as ligações sociais. Além disso, envelhecer com qualidade depende muito da perspectiva. A visão que temos com 30 anos é muito diferente da que temos quando fazemos 60. Há aspectos que os idosos valorizam e nós nem pensamos nisso. Por exemplo, a questão da autonomia. Quando acordamos, não nos preocupamos com a nossa deslocação. Vamos à casa de banho, vamos à cozinha, apanhamos o autocarro, vamos à rua. Com 80 anos, imaginar que vou ter que sair da cama e arrastar-me, que vai ser custoso deslocar-me, poderá significar quase que uma desmotivação para sair.

 

Isso leva a que os idosos não saiam de casa?

Claro, porque têm medo de não conseguir regressar. E este é um medo real. Nos prédios mais altos, ou em casas mais antigas, por exemplo, há pessoas que passam semanas inteiras sem sair de casa. Ficam em casa porque têm medo de descer as escadas e depois não as conseguir subir.

 

Por que é que essas situações ainda acontecem?

Não são só factores externos, também há factores internos. Além da saúde física, há a questão da saúde mental. Há maior ou menor optimismo, confiança, dependendo de pessoa para pessoa... Em estudos que temos feito ao longo do tempo, verificámos que os idosos tendem a desmotivar-se com muito mais facilidade. Naturalmente, qualquer pequeno acontecimento pode ser suficiente para desistir.

 

É a resignação, que aborda nas suas obras?

Exactamente. E é uma coisa difícil de ultrapassar. Para algumas pessoas é uma espécie de mecanismo de defesa: se não fossem resignadas, a vida seria quase insuportável. Resignar significa diminuir expectativas, o que significa contentar-me com menos. Isso é, obviamente, uma característica da personalidade, não se aplica a todos. Mas em Portugal é especialmente evidente e presente, porque a população mais velha viveu sempre a esperar pouco, a reclamar pouco. Não podemos esquecer que quem tem hoje 80 anos nasceu em 1930. Com 20 anos estavam nos anos 50. Imagine como era o nosso país nessa década... Era uma vida condenada à pobreza, com perspectivas de futuro pouco animadoras, expectativas muito baixas. Estas pessoas desenvolveram este mecanismo de defesa.

 

É uma questão que vai mudando com o tempo?

Sim, vai mudando. A próxima geração de idosos vai ser a geração do 25 de Abril. Pessoas que tiveram mais acesso à cultura, à informação. Que foram mais longe na escola. É óbvio que essa geração não vai envelhecer da mesma forma. Como costumo dizer, um dia vão chegar aos lares idosos com gostos diferentes; pessoas que já não gostam de ranchos folclóricos, que já não comem em toalhas de plástico e que já não querem beber de copos de plástico, que já não querem ir passear a Fátima ou à Nazaré. Vão ser mais exigentes em relação a isso tudo, vão querer mais qualidade de vida.

 

Há países onde a questão do envelhecimento está mais desenvolvida

 

Partindo dessa questão dos lares... Envelhecer num lar é bom para um idoso? Ou é melhor manter-se na sua casa, integrado na comunidade?

O ideal seria estar na comunidade, claro. Mas primeiro é preciso que essa comunidade satisfaça as necessidades dos idosos, e muitas vezes isso não está a acontecer. Por isso, nalguns casos, para algumas pessoas, especialmente para quem tem redes mais frágeis a nível social, até pode ser mais satisfatório envelhecer num lar, principalmente porque pode ser mais protector. O que será mais vantajoso, viver com os filhos, que saem de manhã e voltam à noite, e estar todo o dia sozinho, ou envelhecer numa residência onde, apesar de tudo, pode haver a oportunidade de convívio, de ter uma vida mais protegida? Mas claro que o ideal seria manter-se em casa e conseguir satisfazer as necessidades básicas, tanto a nível de higiene e saúde como a nível pessoal: ir ao banco, aos correios, fazer as compras. Ou ter actividades úteis, como fazer voluntariado, ajudar outras pessoas…

 

Um envelhecimento activo, portanto?

Sim, isso é crucial. E existem cada vez mais idosos que não vestem essa “capa”. Independentemente da idade, conseguem manter a vida parecida à de cada um de nós. A idade não significa que não sejam activos, podem fazer voluntariado, cuidar dos netos. Há até quem se envolva na política, nas autarquias, em associações locais. Uma vida socialmente integrada, no fundo. Evidentemente que a idade traz limitações que podem levar a diminuir essa participação, mas não a comprometem totalmente. Repare, por exemplo, no sucesso das universidades seniores. É um conceito recente em Portugal, mas já movimentam milhares de pessoas. E pessoas muito diferentes. Facilmente encontramos, por exemplo, um antigo funcionário dos CTT sentado ao lado de um antigo professor. Aquela é uma oportunidade de passar o tempo, também, mas acima disso, de as pessoas se sentirem úteis, membros da comunidade. O sucesso destas universidades mostra bem que os novos idosos têm outras exigências; são pessoas que querem ler jornais, que compram revistas e a quem a imagem de uma velhice estereotipada, com xaile e lenço na cabeça, já não corresponde, já não diz nada. Isso mostra que as pessoas querem viver com qualidade até onde for possível, até onde as capacidades deixarem. Uma vida normal, no fundo. Claro que também está ligado com a saúde. Por exemplo, hoje vemos idosos com vidas muito activas, idosos mediáticos como Manoel de Oliveira, Mário Soares, Eunice Muñoz. Mas é claro que também não tiveram nenhuma doença que os incapacitasse, e esse é um factor crucial.

 

Como se promove o envelhecimento activo?

Passa, primeiro, por uma questão individual. Não é pelo facto de este ou aquele governo promoverem medidas no sentido de um envelhecimento mais activo que passamos automaticamente a ter mais pessoas a viver assim. Há aspectos de ordem individual que são determinantes. No meu último livro [“Reforma e Reformados”, Editora Almedina], termino precisamente com um capítulo intitulado “Há vida depois da reforma?”. O que procuro fazer é uma reflexão sobre medidas pessoais que podem ajudar a compreender por que há pessoas que conseguem ser activas durante a velhice e outras que não conseguem tanto. Há aspectos sociais e políticos que influenciam, claro. Se eu tiver uma reforma de mil euros é uma coisa, se for de 300 é outra.

 

O baixo valor das reformas pode contribuir para o desânimo, para a tal resignação?

Evidentemente que sim. Sobretudo o facto de perceberem que não é fácil mudar essa situação torna tudo mais difícil. Se olharmos para o passado percebemos isso. A escolaridade era baixa, os empregos eram mal pagos, para subir nas hierarquias era preciso estudar mais, e a maioria da população não podia estudar mais. Há uma série de factores sociais que comprometem o envelhecimento de muitas pessoas, não tenho dúvidas. As reformas baixas decorrem de anos e anos de salários baixos e temos o caso dos trabalhadores rurais, por exemplo, que não descontaram e agora recebem reformas muito baixas. É uma pensão de sobrevivência, mas é uma sobrevivência muito relativa. A culpa não é das pessoas, claro. O problema é que ninguém as alertou para isso e o sistema não estava preparado para o impacto que isso ia ter.

 

Uma das expressões que utiliza recorrentemente é a ideia de uma 4ª idade. Como a caracteriza?

Eu balizo a 4ª idade como sendo um tempo em que as capacidades ficam comprometidas. Para mim, é a idade em que as pessoas apresentam uma queda forte nas capacidades físicas e mentais. Uma idade de sofrimento, onde não podemos exigir o que exigimos do ponto de vista social quando ainda se encontram na 3ª idade. Eu acho que um cidadão da 3ª idade, enquanto as capacidades permitem, tem que ser chamado para contribuir de forma útil para o funcionamento da sociedade. É benéfico. Temos que abandonar a ideia da reforma parasita, a ideia de que uma pessoa se reforma e vai descansar porque trabalhou muito. Na minha opinião, essa ideia de associar a reforma ao ócio é uma ideia parasita. Enquanto tiver capacidades, o ideal é contribuir para o bem comum. E isso não implica trabalhar mais, apenas manter uma vida mais activa. No entanto, admito que chegando à 4a idade, em que já existem graves carências, não se pode pedir mais do que podem dar, e essas pessoas já não podem dar muito. A 4ª idade é um tempo de fronteira, claramente, com a separação da pessoa capaz e autónoma da pessoa que precisa de muitos cuidados.

 

É muito diferente envelhecer em Portugal e noutros países da União Europeia?

Em termos de factores sociais, há países que têm a questão do envelhecimento muito mais desenvolvida do que Portugal. Por causa da questão das reformas, por causa de um Estado que se preocupa com os idosos há mais tempo do que acontece em Portugal... Mas há também aspectos de ordem individual, que não são muito diferentes. Um português idoso nem sempre é diferente de um francês idoso. Se calhar, às vezes parece-nos que o idoso lá fora é mais glamoroso do que o português, mas também nesses países estrangeiros há idosos com problemas de integração, com muitos problemas sociais. Não é só em Portugal. Há diferenças sociais, claro, especialmente se compararmos com o Norte da Europa, mas também há semelhanças.

 

Não há muitos interessados em estudar o envelhecimento

 

Há uma ligação directa entre a valorização dos mais idosos e um aumento da esperança de vida e da qualidade de vida?

A questão da longevidade está muito determinada geneticamente. Claro que há condições sociais que influenciam, mas a valorização dos idosos é uma questão complexa... Se, por um lado, tendemos a achar que os idosos devem ser valorizados, por outro, também tendemos a achar que uma hiper-valorização pode conduzir à desvalorização das gerações mais novas. A pressão é muito grande. E isso leva-me à questão da idade da reforma, por exemplo. Além das questões económicas, há também a perspectiva da maior experiência, de mais conhecimentos. Mas manter um idoso num posto de trabalho significa menos oportunidades para um jovem o substituir.

 

Mas a experiência dos mais velhos não deixa de ser importante.

Sim, sem dúvida. Mas há outra questão. Muitas vezes, temos de admitir que existem conhecimentos que os idosos têm e que são quase “museológicos”. Fazem parte de uma história vivida, mas que hoje nem sempre têm algum tipo de aplicação. Eu dou este exemplo muitas vezes, nas minhas aulas: se hoje precisar de pedir um conselho sobre finanças, não vou falar com o meu avô, vou falar com o meu gestor de conta. Portanto, muitos dos conhecimentos dos idosos são muito situados no tempo, e por isso a valorização pode passar por ser muito mais do ponto de vista afectivo.

 

No contacto com os seus alunos, sente que existe uma sensibilização crescente dos jovens para as questões da velhice e dos idosos?

Há uns anos, eu fiz um estudo junto dos meus alunos de licenciatura que consistia numa avaliação de conhecimentos e atitudes em relação aos idosos. Fiz isso antes de começar a leccionar uma disciplina chamada “Desenvolvimento na Idade Adulta e na Velhice”. Voltei a aplicar o mesmo instrumento de avaliação no final desta disciplina, alguns meses depois, e os resultados foram claros. Verifiquei que os conhecimentos em relação à velhice aumentavam, que as atitudes em relação aos idosos melhoravam. Os estudantes demonstravam menos estereótipos em relação ao envelhecimento, mas, no entanto, não mostravam maior interesse em trabalhar nas questões do envelhecimento. Ou seja, há uma relutância por parte das pessoas mais jovens em perspectivarem a sua vida profissional ligada à problemática do envelhecimento. De facto, tenho encontrado muito poucas pessoas que estão disponíveis para traçar uma carreira profissional ligada aos idosos. Especialmente nas áreas da Psicologia e das Ciências Sociais e Humanas. A fase da adolescência, por exemplo, continua a ser muito mais apelativa.

 

A discussão não se pode centrar só na idade da reforma

 

Olhando para os próximos anos, quais são os principais desafios em relação ao envelhecimento e aos idosos?

Neste momento, a discussão do momento da reforma e a forma como se passa à reforma. É uma discussão que se procura reduzir apenas à questão da idade da reforma, mas tem que ser mais ampla e mais séria do que isso. Por exemplo, se dizem que a idade da reforma deve aumentar para os 67 ou até para 70 anos, eu posso achar muito bem, mas levanta-se logo uma série de questões. Pegando no exemplo da educação: podemos perguntar a quem toma as decisões se, podendo escolher uma professora para o filho, escolheria uma com 30 anos ou uma com 67? Provavelmente vão escolher uma com 30, porque vão ter medo que a mais idosa ouça mal, tenha dificuldades, não controle a sala de aula... Este exemplo muito simples ajuda a perspectivar as coisas – aumenta-se a idade da reforma, mas quais são as consequências que isso pode trazer? Porque não nos podemos esquecer que há profissões de grande desgaste, que não conseguimos exercer da mesma forma aos 30 anos e aos 67. Por uma razão biológica, logicamente. Ou seja, a discussão limitada à idade da reforma parece-me pobre. Não se olha à questão central, que é a transição do trabalho para a reforma.

 

Como pode ser feita essa transição?

Há várias questões. Por exemplo, por que é que a transição é feita de uma só vez? Por que não existe uma forma mais suave? Por que não existe uma flexibilização do trabalho a meio-tempo? Passa-se de trabalhar a tempo inteiro para não trabalhar de todo. Por que é que a partir de uma certa idade, definida pelo próprio trabalhador em função das suas capacidades, as pessoas não podem ter um período de transição para a reforma, trabalhando menos horas ou menos dias? Em Portugal, num dia trabalhamos oito horas e no dia seguinte trabalhamos zero. Esta questão da transição da vida profissional para a reforma é uma discussão que continua por fazer, porque não está ligada às questões de ordem individual.

 

E em termos sociais, que desafios existem?

A questão dos cuidados aos mais velhos, por exemplo. Segundo os últimos dados disponíveis, temos cerca de dois milhões e muitos idosos. E temos uma coisa muito séria: a população com mais de 80 anos está a aumentar de forma muito significativa. Ou seja, essa população vai necessitar de cuidados, e esses cuidados não podem ser prestados com as estruturas que temos hoje. Não só porque não são suficientes, mas porque estamos a falar de cuidados prestados de uma forma muito estereotipada, sem responder às necessidades que as pessoas vão ter. Por que é que não tratamos as pessoas de forma diferente, consoante as necessidades? Em Portugal há muito a ideia de que o que importa é tratar a pessoa com carinho. Isso não é suficiente! Há necessidades específicas que são típicas da velhice, e nós não estamos receptivos a elas. De alguma forma, não tratamos as pessoas idosas de acordo com as necessidades que apresentam. Usamos essa ideia do “carinho” e da “atenção” e tratamos todas as pessoas da mesma forma. E há outra questão importante, que se prende com a mobilidade dentro das cidades.

 

As cidades vão, então, ter que ser ajustadas às necessidades dos idosos?

Eu penso que sim. As cidades, no geral, são pouco amigas dos mais velhos e dos deficientes físicos. É fácil fazer a experiência, basta sentarmo-nos numa cadeira de rodas e tentar ir de um ponto qualquer da cidade a outro. Para mim, a questão da mobilidade, da facilidade de deslocação, é uma questão importantíssima. Se os idosos têm uma mobilidade dificultada, facilmente ficam deprimidos; contactam menos com outras pessoas, por exemplo. Se os idosos não se conseguirem deslocar nas cidades, isso também traz problemas de saúde, problemas cardiovasculares, por exemplo. E há coisas tão simples que partem de cada um, e que mesmo assim acontecem. Por exemplo, quando estacionamos junto a uma paragem de autocarro, não percebemos que estamos a obrigar os idosos a ter que fazer um esforço extra para subir para o autocarro. Estes são problemas críticos. Têm de ser resolvidos para os idosos saírem mais, serem mais activos.

 

As pessoas têm medo de abordar o envelhecimento

 

É licenciado em Psicologia e tem um doutoramento em Ciências Biomédicas. Em que altura começou a interessar-se pelo estudo do envelhecimento?

Durante muitos anos trabalhei na área da Psicologia da Educação, na orientação vocacional para jovens... A minha área de trabalho estava mais centrada na adolescência e na transição para a idade adulta do que nas questões do envelhecimento. No final dos anos 90, senti que esta área era muito negligenciada pela Psicologia em Portugal, e isso coincidiu com um período em que muitas pessoas que me rodeavam se estavam a reformar. Pessoas entre os 50-60 que estavam a reformar-se naquela época das reformas precoces. Sob o ponto de vista do conhecimento que existia acerca das condições psicológicas das pessoas no momento em que se reformavam, e do que as esperava nos próximos 20 ou 30 anos, havia muito pouca reflexão em Portugal. A partir daí interessei-me por esse tipo de questões.

 

Já publicou vários livros sobre a temática do envelhecimento. O que é que podemos encontrar nessas obras?

Depende muito. Alguns têm mais conteúdo académico, outros podem ser lidos por pessoas de fora da Psicologia, porque podem ajudar a compreender questões psicológicas ligadas ao envelhecimento. Por exemplo, as pessoas percebem bem os problemas da adolescência: um período de risco, de grandes transições... Há temáticas que são associadas pelas pessoas à adolescência de uma forma muito automática. Em relação ao envelhecimento, a maioria das pessoas pensa em problemas económicos ou em problemas de ordem social, como a solidão. Ou seja, não há grande noção de muitas dimensões de ordem psicológica, como a adaptação a uma nova realidade, a renovação de objectivos pessoais, as expectativas para o futuro... E são essas questões que os meus livros abordam, nalguns casos de uma forma mais técnica, académica, noutros casos, de uma forma mais abrangente, para que o público em geral as possa compreender.

 

E o público quer perceber essas questões? Tem sentido esse interesse?

Eu acho que o público tem medo do envelhecimento. Medo, receio... Sabemos exactamente o que nos espera quando envelhecemos: por muito optimistas que sejamos, sabemos que vamos perder capacidades, as doenças vão ser mais frequentes e a seguir ao processo de envelhecimento vem a morte. Portanto, é uma temática que as pessoas têm medo de abordar. Algumas acabam até por fazer humor quando se deparam com algumas obras que abordam a temática do envelhecimento feliz, do envelhecimento activo... E percebe-se claramente que existe uma defesa em relação a estas questões. Há ainda, por parte da opinião pública, muitas representações erradas e a ideia de que não precisamos de nos preocupar com a velhice, porque as pessoas acabarão por se ajustar. As pessoas pensam que os idosos precisam apenas de conforto, de carinho, e não se interessam tanto por questões mais profunda.

Francisco David Ferreira (entrevista)
Teresa Couto (fotografia)


  
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