Professor Assistente do Instituto Superior de Engenharia (ISEP) do Instituto Politécnico do Porto, Raúl Pinheiro assume nesta entrevista o seu papel de sindicalista e faz um balanço do processo negocial que decorreu ao longo dos últimos meses. Apesar de reconhecer alguns ganhos para os docentes do ensino superior politécnico, Pinheiro afirma que a manutenção dos concursos continua a ser o “pomo da discórdia” entre a tutela e os sindicatos.
Que apreciação crítica global faz de todo o processo de negociação, nomeadamente das propostas apresentadas pela tutela?
Penso que as propostas iniciais do ministério para a revisão do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico eram mesmo muito más. A serem levadas à prática poriam em causa o funcionamento dos politécnicos pois, entre outras coisas, asseguravam lugares de carreira para apenas 30 por cento dos docentes. Os restantes prestariam serviços no máximo a meio tempo e perderiam o direito à exclusividade. Além disso, veriam o seu salário reduzido para um terço do actual. Esta proposta era de todo insensata e creio que o decorrer das negociações fez ver ao ministério o que é actualmente o politécnico.
Considera que os professores do politécnico ficaram a ganhar em relação à sua anterior situação?
Sim e não. O actual estatuto permitiu a situação que se vive actualmente no politécnico, com 70 por cento dos docentes contratados como equiparados, ou seja, em situação de precariedade. Nos politécnicos maiores a prática era a renovação dos contratos de dois em dois anos, mas noutros a expectativa de renovação não existia e havia contratos a serem renovados por 3 meses. O novo estatuto aproxima a carreira no politécnico da do universitário, exige o doutoramento como qualificação de acesso à carreira, assume a exclusividade como a forma normal do exercício das funções docentes, e alarga em muito os antigos quadros, agora lugares de carreira, invertendo a enorme precariedade existente. Seguramente que tudo isto são coisas positivas, mas o regime de transição proposto é de todo inaceitável. Os docentes que estão actualmente no politécnico como equiparados, alguns há mais de 20 anos, que têm cumprido de forma exemplar as funções, que ajudaram a construir o que é hoje o politécnico, que nele criaram e deram corpo a grupos de investigação de excelência, não aceitam colocar a concurso internacional o seu lugar. Alguns até fizeram o doutoramento, sem que tal fosse até aqui exigido, a expensas próprias, sem direito a dispensa de serviço. Não será do mais elementar bom senso que estes docentes tenham direito a um lugar de carreira?
Porque razão foi marcada a greve – e, já agora, porque motivo não teve o apoio da Fenprof?
Ainda antes da greve, foram levadas a cabo outras acções de luta enquanto se estava no processo de negociação. Destaca-se a manifestação frente à Assembleia da República, promovida conjuntamente pela Fenprof e pelo SNESUP, que permitiu avanços significativos nas negociações como a garantia de renovação de contratos durante os seis anos de transição para os docentes inscritos para doutoramento e a abertura próxima de concursos para os já doutorados, por proposta da Fenprof. Contrariamente ao estatuto do secundário, houve de facto negociação, embora o ministro se mostrasse sempre irredutível na questão de fundo: os concursos. A Fenprof procurou garantir o que de bom tinha sido conseguido, assinando a acta das negociações onde considera como globalmente positiva a configuração das futuras carreiras, mas não deixando de marcar a sua forte discordância com o regime de transição. A greve foi marcada pelo SNESUP, dando voz ao enorme descontentamento dos docentes neste ponto e foi um êxito, com grande adesão nos principais estabelecimentos de ensino. Para mim, foi um tanto surpreendente a capacidade de luta que os docentes demonstraram. O final da legislatura levou a que a Fenprof preferisse ver este estatuto, bastante negociado e com muito de bom, aprovado. A alternativa era a aplicação da nova lei geral dos contratos de trabalho da função pública com o presente estatuto em vigor, o que mesmo para os docentes cujo contrato tem vindo a ser renovado abria possibilidades de tal não continuar a acontecer. Para além disso, nada garante que um próximo Governo, alterando o estatuto, viesse a consagrar o que este consagra. Já poucos se lembram mas já houve tentativas de, por exemplo, retirar a exclusividade a todos os docentes.
Tendo em conta que a ronda de negociações terminou, foi conseguido aquilo que era exigido?
Como já expliquei, muito foi conseguido nas negociações, tendo sido acolhidas muitas propostas da Fenprof, e muito por pressão da luta dos docentes. Apenas a incontornável questão dos concursos, que é sem dúvida o pomo da discórdia, se manteve. Sendo sem dúvida acertado que o acesso à carreira se faça por concurso, não é de todo aceitável que quem de facto está na carreira - apesar de formalmente ser equiparado – e não tem qualquer responsabilidade em ter um contrato de equiparado quando de facto está a preencher necessidades permanentes, tenha que ver em risco o seu emprego por um concurso internacional, onde pode com grande probabilidade perder o lugar. É também injusto face ao universitário, onde esta passagem sempre foi automática com a obtenção do doutoramento, e se mantém com o novo estatuto. Se atentarmos bem, nenhum sindicato se manifesta contra o estatuto, e ambos se mostram frontalmente contra o regime de transição. Mesmo na última vigília que se realizou, os docentes pediam ao Presidente da República que fizesse o que está ao seu alcance para rever o regime de transição, e não para que não promulgasse o estatuto.
Que novas iniciativas irão tomar as organizações sindicais no sentido de obterem aquilo que consideram justo?
Actualmente a Fenprof está a contactar os partidos políticos concorrentes às eleições com vista a obter destes o compromisso de alterar o regime de transição na próxima legislatura, o que tem sido conseguido. Está também a interceder junto das instituições com vista a alterar as condições contratuais daqueles que previsivelmente mais irão sofrer com a entrada em vigor do novo estatuto. O quadro político actual é complicado, pois ainda não se sabe se o estatuto vai ou não ser promulgado nesta legislatura e não se consegue fazer uma previsão segura de como será o próximo Governo, pelo que é arriscado prever quais as acções concretas que os docentes e sindicatos irão tomar. Mas seguramente continuarão a lutar pela alteração das disposições transitórias do estatuto. Podemos dizer que agora a luta vai de férias, mas com certeza voltará retemperada e com mais força.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa
Fotografia de Teresa Couto
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