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Aproximar a Educação ou o controlo?

O que ganham a Educação, as escolas e os atores educativos com uma descentralização que nem ocorre para os municípios nem beneficia as escolas? Quantos anos mais e quantos governos até que se compreenda que não existe verdadeira alternativa à descentralização da Educação, ao governo democrático e à autonomia das escolas?

Com pareceres desfavoráveis da Associação Nacional de Municípios Portugueses e do Conselho das Escolas, o XIX Governo decretou o regime de delegação de competências nos municípios e entidades intermunicipais, em torno de importantes funções sociais, incluindo a Educação (Decreto-Lei no 30/2015, de 12 de fevereiro).
Partindo de uma perspetiva técnico-instrumental de descentralização, de tipo eficientista, o Programa Aproximar Educação afasta-se de uma conceção de descentralização democrática e de transferência de competências para os municípios e para as escolas, insistindo na tradicional desconcentração administrativa: não transfere competências; simplesmente as delega em certos municípios, a título de projeto-piloto e através de contratos interadministrativos com termo.
As escolas e os agrupamentos não tiveram voz ativa no processo e, no caso de se localizarem num município que decida enveredar por essa espécie de desconcentração municipal contratualizada, não terão outra alternativa que não seja a adesão, forçada, apesar do contrato de autonomia que anteriormente firmaram com o ministério. Por isso se tem insistido, criticamente, que tal ‘autonomia’ – técnico-operacional, ou instrumental – é heterogovernada, resultando num discurso vazio e sem consequências em termos de um possível autogoverno democrático das escolas em certos domínios.
Quanto à subordinação das escolas por parte da Administração Central, nada de novo, portanto; permanecem na condição de instâncias periféricas, como extensões administrativas do centro. O que, porém, é novo é o processo de desconcentração, agora assente em competências delegadas para o nível local, deixando de recorrer extensivamente a serviços desconcentrados do próprio ministério (como foi com as direções regionais de educação), para passar a eleger como instância intermediária o Município.
Falsa municipalização. Em suma, do que se trata é do poder central em processo de reorganização e de extensão até às periferias, usando para esse efeito, paradoxalmente, as entidades mais autónomas da Administração Pública e contratualizando com elas. De certa forma, pode mesmo vir a recentralizar o poder de decisão sobre as escolas, através de processos de desconcentração e delegação, devolvendo encargos e responsabilidades cada vez mais difíceis de gerir pelo centro. Embora sejam entidades autónomas, os municípios podem vir a ser submetidos ao estatuto de unidades pericentrais para o exercício de certas funções, representando mais o governo central do que as populações e os interesses locais, assim se configurando um processo de cooptação.
Se tal vier a ocorrer, a autonomia e o governo democrático das escolas passarão a ser de mais difícil concretização, sendo plausível a emergência de conflitos de competências, a ingerência em matérias educativas e pedagógicas, a introdução de novas desigualdades entre distintos territórios, a terciarização ou a privatização de certas funções. E nos casos em que o poder municipal decidir concentrar certas competências, que lhe foram delegadas, através de processos não participados de decisão sobre as escolas, então emergirá um novo escalão político-administrativo que, estando mais próximo, será muito mais eficaz em termos de asfixia das escolas e de controlo sobre os atores educativos.
Por estas e por outras razões, é indispensável saber o que ganham a Educação, as escolas e os atores educativos com um processo de falsa municipalização, à margem de uma descentralização democrática que nem ocorre para os municípios nem beneficia as escolas. Quantos anos mais e quantos governos haverão de passar até que se compreenda que não existe verdadeira alternativa à descentralização da Educação, ao governo  democrático  e à autonomia das escolas, que, de resto, há de necessariamente incluir formas de participação substantiva do poder local?
Fora de tal quadro de referência, há boas razões para pensar que o Programa Aproximar Educação se virá a destacar pelas práticas de aproximar o controlo.

Licínio C. Lima


  
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