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Matura idade

Um prémio justo

O Prémio Vida Literária 2012, da Associação Portuguesa de Escritores, foi atribuído ao poeta João Rui de Sousa – talvez a recompensa que mais justamente distinguiu nos últimos tempos uma personalidade com obra marcante na área da produção lírica.
Não só a longa trajetória de João Rui de Sousa corresponde ao espírito do prémio, como a sua ensaística perfaz o somatório de virtudes indispensável à tranquilidade da consciência dos jurados (veja-se o notável «Fernando Pessoa empregado de escritório»).
Este poeta, consagrado por alguns prémios importantes, com o essencial da sua poesia reunida em «Obra Poética 1960-2000» é um modelo de discrição, de atenção aos outros, de persistência no esmero que cultiva no desempenho versificatório, numa articulação de causa/efeito através de linguagens nunca desirmanadas da lição de clareza dos clássicos. Desde «Circulação», o livro de estreia, vem o poeta trilhando caminhos de modernidade sempre em consonância com pressupostos de transparência, fugindo às tropelias formais sem deixar de explorar ambiguidades e segredos esteticamente questionáveis. Do que advém a cristalização de um estilo que confere ao resultado de tão próspera oficina o estatuto de obra acabada. Percurso, todavia, não imune ao “desassossego” e ao “pesar”, como se lê nestes versos: Com esta caneta escrevo / o sinal quotidiano / do que é desassossego: / este pesar que se lavra, / esta pungência, esta carga / cerrada em fundo carrego («Lavra e Pousio», 2005).
Sacrifício e esforço, sim. Mas igualmente alegria. Na estrofe seguinte também se saúda o quanto o sol nos luzia / nas próprias sombras do dia / nas névoas do próprio enredo. No fundo, o drama de qualquer criador em mar de aflições até encontrar para a sua voz o destino da satisfação de si e do reconhecimento dos outros.
João Rui de Sousa, ao vencer as dificuldades à custa de um diálogo exigente com a sua escrita, é bem o poeta que se superou inspirado no “limpo sorrir das ervas”.

 

O veludo da infância e da adolescência

Luís Amaro é um caso especial no panorama da Literatura portuguesa dos nossos dias. Autor de um único livro, não muito extenso, «Diário Íntimo» (três edições: 1975, 2006, 2011), sente especial prazer em corrigi-lo, afiná-lo, edição após edição, prescindindo do que o comum dos escritores faria: acrescentar a obra com trabalhos que porventura fizessem esquecer as fragilidades da primeira vez. Trata-se de uma opção no mínimo surpreendente, porquanto o Luís Amaro adulto, fosse como colaborador da antiga editora Portugália, fosse como secretário-geral e subdiretor da revista Colóquio Letras, fosse como cofundador da histórica revista Árvore (1951), sempre viveu no meio dos livros, sempre conviveu com vultos dos maiores das Letras portuguesas, sempre exerceu o seu magistério de conhecedor profundo do meio como mestre dos mais novos, especialmente universitários, que não prescindem, muitos deles, das suas informadas opiniões, e normal seria que toda essa convivialidade ativa com a grande literatura redundasse num compromisso mais alargado com ela.
Talvez a convicção de que cada escritor é livro único, sempre o mesmo sob múltiplas máscaras, e que não adianta mudar de plano quando o que importa é a exploração, no objeto singular, de todas as variáveis cuja legitimidade a experiência vivida vai determinando, esteja por detrás do projeto cumprido em reduzido espaço de partilha e de enxuto paradigma estético, mas que de edição para edição consente o retoque da “fala” primordial sem lhe macular a estrutura sensível nem o horizonte de referência: um veludo de memória da infância e da adolescência acariciado sem descanso num absorvente discurso intimista.
Esta requintada peça literária que guarda a aventura da descoberta do mundo num só testemunho e que será, porventura, quotidianamente reavaliada, indagada, emendada, apenas de tempos a tempos fazendo prova de vida (vem aí a quarta edição), impõe-se como texto neorromântico a partir do qual o autor desvenda o seu magoado universo anímico.
Na galeria restrita dos escritores de um só livro, Luís Amaro terá, na nossa literatura, em Cesário Verde e no respetivo legado, o equivalente mais expressivo.

Júlio Conrado


  
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