Não tivesse sido este mundo, composto de um sem fim de micro e de meso-redes onde “imperam” os professores, a dar uma mãozinha a tanta confusão, a tanta necessidade e a tanto sofrimento, e os últimos 30 anos da sociedade portuguesa teriam sido bem piores. Por isso, é necessário que o outro mundo, aparentemente cá fora, saiba ler, debater e libertar os professores e as escolas de tantos maus intentos com que os têm querido agrilhoar.
Ao longo das últimas três décadas, fossem lá por Lisboa as Quedas dos Anjos do PS ou do PSD, foram sobretudo os professores, verdadeiras engrenagens das escolas, quem esteve na origem de muitas das reformas ou pequenas alterações de índole pedagógica ou administrativa no ensino. Era necessário acabar com a permanência no sistema de alguns docentes que continuavam a subir na carreira sem nada fazerem de profissionalmente digno e até impedindo o trabalho dos outros? Os professores protestaram. Era forçoso permitir espaços no currículo onde se pudessem aplicar pedagogias que não as tradicionais, que não permitiam fazer frente às carências do novo mundo em que definitivamente havíamos imergido? Os docentes clamaram por formação e por condições. Os alunos careciam de explanar e investigar novas metodologias de estudo adaptadas às várias disciplinas, de acordo com os respectivos objectos e métodos? Foram os professores que bradaram. Havia regras de cidadania que se corrompiam com o dealbar do século XXI, resultantes de tantos nós cegos que as democracias haviam sofrido, que era necessário tratar de as nortear em cada esquina? Os professores queixaram-se. Claro que nem sempre os Anjos estatelados na calçada de S. Bento fizeram o que lhes tinha sido encomendado, mas isso é outra conversa. Goste-se ou não. Seja mais ou menos bem feito. Ainda que não sejam todos. Mesmo que alguns queiram fazer de psicólogos e não percebam nada. Outros de assistentes sociais e não tenham jeitinho nenhum. E outros lá vão fazendo de animadores socioculturais. Ou de médicos e de enfermeiros... Não tivesse sido este mundo, composto de um sem fim de micro e de meso-redes onde “imperam” os professores, a dar uma mãozinha a tanta confusão, a tanta necessidade, a tanto sofrimento, e os últimos 30 anos da sociedade portuguesa teriam sido bem piores. E com tendência evidente para aumentar. Por isso é necessário que o outro mundo, aparentemente cá fora, saiba ler, debater e libertar os professores e as escolas de tantos maus intentos com que os têm querido agrilhoar. Nunca é excessivo falar de um saber dos professores, simultaneamente individual e colectivo, que se vai apreendendo ao longo de 10, 20, 30, 40 ou mais anos de serviço. Não que ele dispense a investigação académica (e vice-versa); complementam-se bem, aliás, e corresponsabilizam-se, também. É o que vai acontecer com os tempos lectivos que o ministro Nuno Crato veio “acrescentar” a Português e a Matemática e outros, à escolha da escola, que, eventualmente, irão situar-se também nessas disciplinas. Se os conselhos pedagógicos e os respectivos departamentos permitirem que os professores percam tempo com o programa, isto é, que dêem mais do mesmo, como, por vezes, os próprios discursos – tão lacónico, o do ministro, e tão ignorante, o de alguns jornais – deixam transparecer, daqui a seis ou mais anos, alguém há-de responder perante os alunos, os pais e o Mundo cá de fora, por que razão as taxas de insucesso se vão manter, ou até aumentar. Porque, se até nas rádios e nas televisões se fala pouco Português (e muito mal, quando acontece), assim como na maior parte dos “espectáculos” por esse país fora, e nos consultórios, nas secretarias das faculdades, nos hospitais... como há-de a Escola lutar indelevelmente contra tal colosso? Convenhamos que não é fácil. Mas se essas horas forem utilizadas em oficinas de escrita ou ateliês de leitura; em jogos que estimulem o raciocínio e o cálculo mental; na compreensão de textos que interajam com todas as disciplinas e sejam até preparados em colaboração com todo o Conselho de Turma; em trabalhos desenvolvidos com a biblioteca escolar; em aulas (com teatro, dança, música, pintura, exposições) em que as várias expressões se possam conjugar fora daquelas quatro paredes, cujas minúsculas marcas do rolo de tinta branca ou cujos pêlos do pincel colados na parede já todos os alunos decoraram (tudo isto, aliás, como muitos professores já sabem fazer competentemente num grande número de escolas – realidade que, certamente, Nuno Crato e a sua equipa conhecerão muito bem), talvez cheguemos, pelo menos, a alguma alvorada; ao local e à idade da expressão livre e variada, da compreensão tolerante, da interpretação flexível e objectiva, do raciocínio lógico e criativo, do cálculo exacto (mas cheio de probabilidades), da criatividade do quotidiano; ao esteio do sucesso escolar e do êxito humano. Libertos para o futuro. Quem nos dera!
José Rafael Tormenta
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