É visível a proliferação de sites administrados por bancos e outras instituições financeiras interessadas em educar adultos para que consumam bem e se auto-gerenciem de modo a permanecerem na condição de consumidores habilitados.
Parece haver um entendimento compartilhado de que os educadores têm falhado na missão de transmitir aos alunos uma lição essencial para o pleno funcionamento do capitalismo – ensinar a consumir bem para consumir sempre. São comuns críticas dirigidas à ausência, em ambiente escolar, de aprendizados mais significativos porque aplicáveis à vida cotidiana. Supõe-se que o investimento no ensino de “valores de hoje”, como a inteligência emocional, o gerenciamento do tempo e a criatividade, por exemplo, contribuiria para formação de adultos bem sucedidos, o que, em nossos dias, significa adultos que alcançam sucesso financeiro. Daí resulta que o crescimento do número de endividados que acabam desabilitados – uns integralmente, outros parcialmente – ao consumo, na medida em que têm seus cartões de crédito bloqueados, limites de crédito reduzidos, não sendo mais considerados bons consumidores, seja entendido como efeito da ausência de educação para o consumo na escola. É visível a proliferação de sites administrados por bancos e outras instituições financeiras interessadas em educar adultos para que consumam bem e se auto-gerenciem de modo a permanecerem na condição de consumidores habilitados. Multiplicam-se as revistas semanais com reportagens que intentam, mediante testes, possibilitar a seus leitores um auto-exame – afinal, o primeiro passo para a cura dos gastadores compulsivos é admitir que estão acometidos pela oniomania, a doença daqueles que têm o consumo como vício. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística somos mais de 190 milhões de habitantes no Brasil. Desses, 16 milhões de brasileiros vivem em condições de extrema miséria, ou seja, não ganham mais do que 40 dólares mensais. Uma multidão de pobres que podem ser identificados, fazendo uso de um termo cunhado por Zygmunt Bauman, como o refugo humano da globalização. Tenho investigado as relações entre a pobreza, o consumo e a educação, procurando enxergar certas racionalidades nesses movimentos de significação da(s) identidade(s) pobre sob efeito da intensificação do consumo em nossa cultura. Nesse trabalho tenho levantado alguns questionamentos: será que, na condição de refugo, essa importante fatia da população brasileira ficaria de fora do agenciamento para o consumo? Eles são considerados o lixo humano, o resultado insuportável, e ao mesmo tempo inevitável, do capitalismo na fase em que nos encontramos. Mas não é verdade que há tempos a economia e a sociedade já reconheceram o valor comercial do lixo produzido nos centros urbanos? Se vemos proliferarem indústrias de reciclagem e gerenciamento do lixo, não haveria interesse ainda maior pelo gerenciamento do refugo humano? Por isso talvez se consiga explicar a vontade de saber e poder atual em relação às condutas desse tipo de consumidor, os considerados empobrecidos ou consumidores falhos. Para que o capitalismo continue a funcionar a todo vapor, todos, ricos e pobres, são necessários e precisam estar ativos. Por isso, talvez seja indispensável e urgente ensinar, especialmente a esses que colocam em risco o funcionamento pleno do capitalismo, aos consumidores falhos, que é preciso consumir bem para consumir sempre. E aqui nos encontramos, mais uma vez, instalados no reino da ambivalência − o consumo parece ser, ao mesmo tempo, nossa desgraça e nossa salvação.
Andresa da Costa Mutz
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