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José Paulo Serralheiro

Convivemos ao longo de 15 anos. Encontramo-nos no Porto, a almoçar na Brasileira. Sabia de mim. Dava aulas de Mestrado no curso de outro desaparecido amigo, Stephan Ronald Stoer, Seteve para mim. Como José Paulo, sempre José Paulo para mim. Trocávamos ideias sobre educação, pedagogia e sindicalismo.
Os dois do mesmo bando, esse que nos governa agora. De manhã cedo estava já nas suas aulas. Aulas que nunca deixara de proferir. Tina uma carga de trabalho inabalável. Não apenas orientava o SPN, também escrevia textos para eles. Nunca na Página. Era o seu território reservado. De História e Filosofia e Letras sabia tanto, que impunha respeito perante a página em branco que todos os meses escrevia para ele, em colaboração com Ana Paula Vieira da Silva, a minha discípula que fixava o meu português e orientava as minhas ideias. José Paulo nunca fez uma crítica aos meus textos nem sugeriu ideias novas que interrompessem as minhas.
Uma anedota descreve exactamente o ser do José Paulo. Estava eu na Cordilheira de Los Andes em trabalho de campo para a minha pesquisa do comportamento da infância dos Picunche, clã do Centro Norte da etnia chilena, os Mapuche A comunicação era difícil com a nascente internet, especialmente por causa do conteúdo do texto, entre Castelhano e Mapudungun, que significa a língua da terra, por ser a língua Mapuche, os nativos do Chile, os proprietários da terra, retirada a eles por nós, os huinca ou estrangeiros para os Mapuche. O título pode dar uma ideia da dificuldade do texto: Losotros haulamos do’hs idiomas, que em português seria: Nós falamos duas línguas diferentes ao mesmo tempo. A primeira parte do texto, era mapudungun, as outras duras, castelhano antigo que foi ficando por essas terras e tivemos que aprender. Aliás, os montes e cerros dificultavam a emissão do texto. José Paulo, a rir, contara-me, anos depois, o difícil que tinha sido entender o texto. Mas como o leitor pode ver, o texto está no jornal dos anos 90, em Castelhano do Século XVII, em Mapudungum de anos sem data, e em português, para explicar aos nossos leitores do que tratava o texto.
A nossa intimidade e confiança foram imensas. Quis publicar um livro meu na sua editora. Nem o José Paulo nem eu éramos bons editores e o título ficou virado do avesso O livro é intitulado Como era quando não era o que sou. O Crescimento das Crianças. Para nós, excelente título de filósofos de dois tostões. Marcela Torres, essa a nossa amiga que também nos deixara cedo na vida, ternos ia dito: primeiro o título, o apelido depois; se assim não for, o livro não vende. Na sua confiança, permitiu levar a livro para a Galiza. Nunca mais soubemos dele.
José  Paulo cofiava na bondade natural dos seres humanos e ensinava para isso E escrevia para isso. E visitava às suas delegações sindicais para isso. José Paulo Serralheiro era e é um homem bom e como homem bom, será o Zeus de nós escritores. Não choro por ele. Mora na sabedoria que me entregou para escrever e falar. Foi e é o meu outro amigo da alma, porque a Paulo Freire o conheci antes. José Paulo e Paulo Freire, duas línguas do mesmo idioma.
Desta vez, não peço a ninguém fixar o meu português. Não tenho um José  Paulo para, discretamente, fixar a vírgulas que faltam
Desde o seu descanso, fixa-las há.

Raúl Iturra


  
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