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Que futuro para o 3D?

Para os amigos que deixei na Fontes 

“Quando olhas longamente o abismo,
O abismo também olha o fundo de ti”

Nietzsche 

O fenómeno é  incontestável. As estreias sucedem-se, uma após outra. Oficialmente, foram as crianças que abriram o caminho, com a animação projectada a 3D criando a necessidade. Mas o porno também deu a sua ajuda clandestina. Assim, os imperativos económicos e as capacidades técnicas tornaram desta vez possível o que já tinha sido tentado várias vezes no passado, sem ter conseguido impor-se. Tal como outras inovações que o precederam, o 3D representa a esperança do cinema de entertainment de esmagar o pequeno ecrã. Todavia, e uma vez mais, esta esperança arrisca-se a ser ilusória, pois as televisões, os computadores e as consolas serão brevemente também a 3D.
O passado aconselha-nos a ser prudentes: pensa-se que foram rodados nos anos 50 cerca 160 filmes, 100 deles no ano de 1953. Neste momento, pode pensar-se que a mudança é irreversível. É para já significativo que os especialistas tenham prognósticos divergentes. A indústria não tem destes pruridos e aposta no 3D para, pelo menos, os próximos três anos.
Como mostra o inquérito de Bill Krohn, publicado nos Cahiers du Cinéma de Julho-Agosto deste ano, as perspectivas mantêm-se abertas. Algumas são mesmo apaixonantes, explorando metodicamente as questões técnicas levantadas por estes novos procedimentos, questões que interrogam mesmo o nosso olhar e a nossa atitude como espectador. É a hipótese da invenção de uma outra escrita de realização que se desenha pouco a pouco. Hoje são os técnicos que fixam os limites, limites que são para ser transgredidos mais dia, menos dia. Ainda assim é necessário começar a compreendê-los. Seguindo a pista teórica e técnica posta por Bill Krohn aos especialistas, vários índices contraditórios, mas por isso mesmo estimulantes, aparecem.
Assim, contrariamente ao que tem sido praticado, parece que a construção do 3D tende muito rapidamente, a ultrapassar os efeitos de feira –  que foram desde sempre uma das fontes do cinema – e a construir profundidade “atrás do ecrã” em vez de fazer surgir não importa que figura. É o estatuto simbólico da rampa que recupera assim as suas prerrogativas, passadas as alegrias simples mas pouco fecundas do ultrapassar da linha de separação. Simultaneamente, é claro que os nossos guias neste universo de regras desconhecidas pertencem, sem mesmo se dar conta, a uma ideia de realização arqui-formatada pela indústria, pois tudo isto se tem passado em Hollywood, pelo menos nesta escala, e em mais lado nenhum. Se, como se fala em L.A., neste momento James Cameron, com Avatar, e Spielberg, com Tintin, impõem esta ideia do espectáculo, o 3D traz consigo ameaças de uma ruptura decisiva pelos seus poderosos meios de produção e de difusão, que serão talvez capazes de concentrar ainda mais a maioria do público.
O 3D, a nova máquina de hegemonia das Majors? Veremos! Face a esta ameaça é essencial que um realizador como Joe Dante, desde sempre um contrabandista na fronteira entre o munda das Majors e o dos independentes, se arrisque a fazer um filme de pequeno orçamento em 3D. Com The Hole, Dante faz também o seu buraco, que é também, simbolicamente, um túnel para trazer ao 3D outras ideias – estéticas e económicas – de cinema.
A questão –  como sempre – põe-se em termos das origens geográficas e culturais : se os exibidores do mundo inteiro estão prontos a equipar-se para projectar o novo produto 3D fornecido pela Disney, Dream Works, Fox ou Universal, os produtores, técnicos e cineastas do mundo inteiro estão longe de estar no mesmo comprimento de onda, e os cinemas do mundo correm o risco de se deixar distanciar, de ser ainda mais excluídos da ideia dominante do cinema.

Paulo Teixeira de Sousa


  
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