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Oficina de Desenho[1]: uma experiência de liberdade criativa

A arte mais importante do professor é saber despertar nos alunos a alegria de criar e conhecer.
Einstein

Desde o início da década de 90, atuo como cartunista e professor no Rio de Janeiro. No meu caso, o interesse pela arte do desenho antecedeu à minha formação como pedagogo. Hoje, faço uso das linguagens desenhadas no meu trabalho seja em sala de aula ou na pesquisa em educação. Muito dessa minha vontade de trabalhar com desenho e educação se expressou na experiência cotidiana, durante onze anos, na minha Oficina de Desenho.
Quando criei a Oficina de Desenho, eu já havia realizado cursos livres em instituições como a Casa de Leitura de Laranjeiras (Fundação Biblioteca Nacional) e em centros culturais. O projeto inicial da oficina foi pensado para ser realizado em escolas, mas depois estruturei um espaço próprio para iniciar o trabalho. Isso aconteceu em 1998, e  eu estava iniciando o curso de Pedagogia na Faculdade de Educação da UERJ. Simultaneamente ia desenvolvendo as práticas de ensino da Oficina de Desenho e conhecendo as teorias dos pensadores da Educação, que, muitas vezes, praticava no meu cotidiano em sala de aula. Um exemplo de identificação de elementos dessas pedagogias na Oficina de Desenho foram as aulas-passeio, historicamente indicadas por Celéstin Freinet como prática de ensino. Visitamos e realizamos aulas de desenho ao ar livre na Floresta da Tijuca, no Jardim Botânico, no Passeio Público, na Praça da República, na Quinta da Boa Vista e Jardim Zoológico.
A ideia de palavras geradoras, pensada e posta em prática por Paulo Freire para a alfabetização, usando palavras do cotidiano dos alunos, me inspirou a utilizar o que defino, por analogia, como imagens geradoras. Incluo nessas imagens fotos, pinturas, esculturas, ilustrações ou qualquer outra referência visual que sirva de estímulo à criação de novos desenhos em sala de aula.
Alunos com idades e níveis de desenvolvimento diferentes interagiram durante as aulas da oficina, trocando conhecimentos enquanto realizavam seus desenhos, tal qual escreveu Vigotski (1998) sobre a zona de desenvolvimento proximal, explicando-a como a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (p. 112) a zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã. (p. 113)

Estudo realizado pelo aluno Lucas Lugarinho (17 anos), com canetas hidrocor, durante uma aula da Oficina de Desenho.

Reconhecendo a importância de todas essas teorias terem perpassado o cotidiano da Oficina de Desenho, ainda considero mais ricos os períodos quando os alunos conseguiam autogerir seus aprendizados, buscando seus próprios temas e técnicas com liberdade. Nessas ocasiões eu era um facilitador, que acompanhava as aventuras artísticas dos alunos, que algumas vezes usavam o acervo de livros de arte, revistas e recursos audiovisuais nas salas de aula como fonte de consulta. As bandas desenhadas serviram com frequência como referência para ensinar desenho e usos de elementos de linguagem, associando textos e imagens para compor narrativas.

Na Oficina de Desenho, realizamos exposições de alunos, professores, artistas convidados, desenvolvemos projetos coletivos de criação de bandas desenhadas, incentivamos a publicação de jornais alternativos, fanzines, revistas, livros independentes e participamos ativamente de eventos, sempre abordando a arte do desenho. Mesmo com todo esse entusiasmo pelo trabalho artísticopedagógico na Oficina de Desenho, nem sempre as coisas aconteceram como o planejado, ocorreram desacertos, sistematizações equivocadas, o que me leva a crer que enquanto a oficina funcionou como um ateliê, um espaço de liberdade criativa, houve um melhor aproveitamento do trabalho ali realizado, o que me faz concordar com Freinet (1998):

Sem dúvida, vocês se perguntarão até que ponto a iniciação e o exercício podem aumentar a eficácia dos meios de expressão artística. Teremos, nesse campo, de ser muito prudentes e desconfiar da sistematização, vício permanente da escolástica que, a pretexto de codificar, justificar e regular a inspiração, pode muito bem neutralizá-la e destruí-la. (p.392)

Agora, a memória das práticas de ensino da Oficina de Desenho me ajudam em uma nova etapa do meu trabalho na UERJ, no grupo de pesquisa que começa a preparar oficinas para alunos da Faculdade de Educação, criando a Gibiteca Armando Sgarbi, cujo acervo apóia as minhas aulas da disciplina Tecnologias em Educação, na qual instrumentalizo a linguagem do desenho  nos usos (CERTEAU, 1994, p. 93) das antigas e novas tecnologias educacionais.

André Brown

Referências Bibliográficas:

  • CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1.artes de fazer. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 1994.
  • FREINET, Celéstin. A educação do trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
  • VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente – o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

[1] Oficina de Desenho André Brown situada na cidade do Rio de Janeiro.


  
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