Sebastião Salgado publicou, com palavras de Cristovam Buarque, um álbum de fotografias chamado “O berço da desigualdade”. As fotografias são de escolas em todo o mundo e trazem-nos os limites materiais das escolas dos pobres com uma força que só, talvez, as imagens em P&B permitam.
Um dos fotógrafos brasileiros mais preocupados com as lutas populares é Sebastião Salgado. No Brasil, ele publicou, com palavras de Cristovam Buarque, político brasileiro e ex-Ministro da Educação, no primeiro governo Lula, um álbum chamado “O berço da desigualdade”. As fotografias são de escolas em todo o mundo e trazem a nós os limites materiais das escolas dos pobres com uma força que só, talvez, as imagens em P&B permitam. Trazem, também, tanto a importância que se dá, em todos os lugares, a essa instituição, não só para crianças – meninos e meninas -, mas para os jovens e os adultos – como a que próprio fotógrafo nela percebe e nos indica com as fotografias feitas e escolhidas para esse álbum.
Nos países mais pobres - dos campos de refugiados palestinos à escola no fundo da selva da Indonésia; de uma prisão na Coréia do Sul para as famílias refugiadas da Coréia do Norte a escolas do Movimento dos Sem-terra no Brasil – Salgado fotografa os alunos e alunas com um material escolar mínimo: um caderno com poucas folhas, um lápis, raros livros, quadro-negro e giz... Em várias delas, aparece, na cena fotografada, o professor que atende àqueles alunos. Delas, escolhi duas nas quais aparecem professores homens – existem também de professoras, mas seriam demais para o espaço com que contamos. Convido para que busquem ver o álbum e possam ver a miséria e a grandeza desses professores e professoras. Mas o que é bom ver nessas fotografias com professores é a animação que transmitem e a relação que mantêm com a classe. Em uma, grandes braços abertos convidam a uma resposta sobre uma borboleta desenhada no quadro-negro e para dá-la braços se levantam entusiasmados. Na outra, um sorriso sedutor e braços erguidos para o céu convidam, também, para uma resposta que outros braços ao ar querem dar, mostrando que a lição foi bem aprendida. A primeira foi feita no Líbano em uma escola para crianças palestinas refugiadas (p. 102-103), a segunda em uma escola no Quênia na região do lago Turcana (p. 166-167). Trabalhando em regiões pobres, dentro de conflitos muitas vezes violentos, em duras condições sempre, professoras e professores parecem ter a certeza de que as crianças têm direito à escola e à alegria de saber. Nessa situação, eles estão com elas, trabalhando e fazendo com que sejam melhores, talvez. Juntos, pensando – quem sabe? – que um mundo melhor é possível... Mais do que uma terrível imagem de muitos mortos dentro de uma escola, em Ruanda (p.126-127) que é possível ver em uma das fotografia, estas imagens chamaram minha atenção porque vi nelas possibilidades de respostas a questões que, hoje, todos nos colocamos nas escolas, sobre nossas ações como professores. Ao contrário disto – quem sabe? – tomei conhecimento na França, há alguns dias, com um esforçado professor, do site que organiza (www.aideauxprofs.org) para ajudar professores a encontrarem uma outra profissão, deixando para atrás uma que eles não querem mais, que não suportam mais... Todos pertencem a um mesmo mundo? A força e o sorriso dos professores fotografados mostram que, em circunstâncias dificílimas, trabalham com entusiasmo e fazem trabalhar seus alunos. Por que na França – e na Europa toda sentimos isto, de certa maneira – os professores estão abrindo mão de ser professores? Não agüentam mais? Em que momento e por que isto se deu? Nos trabalhos que desenvolvemos no Brasil com professores e professoras atuando na escola básica, sentimos que estão cansados com o profundo desprezo que as autoridades parecem ter por eles quando “encomendam” estudos de diferentes ordens para mostrar: 1) que aumento salarial não faz aumentar a qualidade do ensino – ao ver estes estudos que são mais ‘declarações’ do que outras coisas, sempre me pergunto curiosamente: o que faria, então? 2) que os professores não sabem e não querem usar as tantas tecnologias que colocam à disposição na escola pra “facilitar”o trabalho deles – nesse caso, verifico, com freqüência que, nestes tempos de wi-fi na orla de Copacabana (sim! Quem vai à paria pode usar internet), as escolas na cidade do Rio de Janeiro, em sua grande maioria, têm um só ponto de internet, localizado na sala da diretora para contatos com a Secretaria de Educação com que a escola se relaciona.^ No meio a estas tantas dúvidas e incoerências, confesso que amo ver o sorriso dos professores nas fotografias de Sebastião Salgado.
Nilda Alves
Referência bibliográfica
- SALGADO, Sebastião e BUARQUE, Cristovam. O berço da desigualdade. Brasília: UNESCO, 2005.
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