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Sem política

É invulgar ouvir um governante declarar publicamente que o governo a que pertence não cuida de uma das riquezas principais do país, nem sequer quando se trata de cumprir uma das “tarefas fundamentais do Estado” (artigo 9° da Constituição), nomeadamente a sua alínea f: “assegurar o ensino e a valorização permanente e promover a difusão internacional da língua portuguesa”.

Portugal é um país com um pequeno território e uma pequena população, mesmo quando avaliados à escala europeia. Mas dispõe de dois imensos recursos: o mar e a língua portuguesa. A zona económica exclusiva marítima é uma das maiores da Europa, com 1,7 milhões de quilómetros quadrados, 18 vezes a sua área terrestre. A língua portuguesa, com cerca de 200 milhões de falantes, é a 3ª língua europeia mais falada no mundo, a seguir ao inglês e ao castelhano. Mesmo mal aproveitados, esses recursos tem um peso económico considerável. O mar representa actualmente 11% do PIB (Produto Interno Bruto) e a língua portuguesa 17% do PIB, segundo estudos feitos por universidades portuguesas.
Estes factos projectam uma luz crua sobre as declarações produzidas por Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros do governo português, durante um seminário recente (16-06-2009), intitulado "A internacionalização da Língua Portuguesa", organizado pela Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses. O ministro admitiu aí que não há uma política da língua portuguesa.
É invulgar ouvir um governante declarar publicamente que o governo a que pertence não cuida de uma das riquezas principais do país, nem sequer quando se trata de cumprir uma das “tarefas fundamentais do Estado” (artigo 9° da Constituição), nomeadamente a sua alínea f: “assegurar o ensino e a valorização permanente e promover a difusão internacional da língua portuguesa”. Por isso, vale a pena citar por inteiro as suas palavras:
Precisamente porque a língua portuguesa não tem sido em Portugal, felizmente, por razões óbvias, um factor de identidade [??], ou por ser um factor de identidade tão forte, não tem suscitado a necessidade de induzir identidade a partir da língua, eu tenho hoje consciência de que um dos problemas que nós temos é de que não existe, verdadeiramente, uma política da língua.
Exemplificou as suas palavras com o Instituto da Língua Portuguesa, que precisa de uma “nova dinâmica”, visando dotá-lo de projectos de ensino e tradução de língua portuguesa, uma vez que se tem pautado “por alguma desorientação estratégica nos últimos tempos”. O ministro disse ainda que tem havido “falta de debate público” sobre o papel da internacionalização da língua portuguesa “no combate geopolítico reduzindo-a à internacionalização da língua”. Confesso que não sei a que combate geopolítico se refere o ministro, nem quais sejam as razões (óbvias, ao que parece), segundo as quais a língua portuguesa NÃO tem sido um factor de identidade, nem por que razão nos deveríamos felicitar por isso.
Deixando de lado essas passagens crípticas, só se pode concordar com o diagnóstico. Mas deve se acrescentar, para que ele seja completo, que o que faltou em iniciativa e zêlo ao actual governo em matéria de política da língua portuguesa, lhe sobrou em política da língua inglesa, que, substituíu, para todos os efeitos práticos, a portuguesa, no artigo citado da Constituição da República Portuguesa. Isso pode ser feito? Yes, it can! Faça o leitor o exercício de reler esse artigo a essa luz e verá se assim não é.
Também, para ser justo, se deve acrescentar que a inexistência de uma política da língua portuguesa não é unicamente da responsabilidade do governo actual e do partido que o sustenta no parlamento. Todos os demais partidos com assento parlamentar parecem também nada ter de substantivo a propor sobre o assunto. Mas, se estou errado, façam o favor de me corrigir, indicando as fontes que devo consultar para me esclarecer devidamente.

José Catarino Soares


  
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