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“O nosso património cultural assenta na poesia”

I

Este é o meu nome

As cidades têm luzes nas palavras. // Ofuscam a linguagem dos homens. Dizem-lhes: Este é o meu nome. // E piscam e rebentam o olhar. // E há cidades avariadas, escurecidas. Sem cor: só asfalto na memória. / De lâmpadas caídas sobre as ruas, de ruas caídas sob os passos. / Dizem-nos: Este é o teu nome. / E todos cumprimos o vazio. // Os homens desejam a cidade. Tocam-lhe por dentro, no vermelho, / preparam-na para o abandono. Dizem-lhe: Este é o teu corpo. E partem. // À noite, as cidades afixam as imagens dos que vão — restos de esperma / nas árvores mais altas. Dizem: Este é o meu corpo. / Porque todas as cidades têm o seu letreiro. O seu homem.

Filipa Leal, “Cidade Líquida e Outras Texturas”

 

As cidades são feitas de homens. De casas, de ruas, de árvores. De poesia. E as palavras descrevem-nas, cantam-nas. Podemos sentir as cidades em cada verso. Tal como a atravessar um rio, a olhar o casario, a passar num jardim se pode sentir o pulsar poético da cidade. Que relação é esta? Numa esplanada na Praça da Batalha (Porto), tentámos perceber com Pedro Lamares – ator, professor de teatro, leitor e amante de poesia – esta dinâmica de como encontramos poesia na cidade, na nossa vida. Podem, então, as cidades ser objetos poéticos?

“Sim, porque nas cidades vivem homens e os homens são poéticos. E a poesia é feita pelos homens. Mas mais do que isso, as cidades têm identidade, personalidade, e portanto não espanta que o Rio de Janeiro dê bossa nova e que Lisboa dê um Fernando Pessoa. Acho que há alguma ligação entre o espaço físico e o espaço humano. E mais: as pessoas têm memória associada aos lugares e as próprias cidades têm uma memória de granito, no caso do Porto, que nos leva para sítios ou para espaços temporais que não conhecemos. E isso, em si, é uma coisa muito poética, porque tem a ver com o imaginário, com uma melancolia do desconhecido, como se tivéssemos saudades de alguma coisa que não vivemos.”

‘Cidade’ é palavra e encerra vários significados. Tal como os nomes de cada uma delas, que podem ser desmontados. “A palavra Porto tem um charme muito particular. E Porto, se não for com maiúscula, é porto marítimo, porto como lugar de chegada ou de partida, de ausência, de saudade. Há toda uma simbologia em volta dos portos marítimos. E a palavra ‘porto’ tem essa carga”, explica Pedro Lamares.

O Porto, como outras cidades mágicas, é então poesia; inspira poetas, romancistas e compositores. E não é preciso pensar demasiado para chegarmos ao “Porto Sentido” de Carlos Tê, famoso na voz de Rui Veloso. Pedro Lamares destaca o verso rever-te nessa altivez de milhafre ferido na asa. “O Porto tem um lado orgulhoso, mas ao mesmo tempo ferido em si. O Carlos Tê apanha isso muito bem. O Porto tem sempre um pouco daquele quase estigma de segunda cidade, de Norte. Há essa coisa do Norte-Sul e em Portugal sente-se isso razoavelmente, apesar de ser um país muito pequenino. Então se falarmos de Lisboa-Porto, falamos de 300 quilómetros, ridículo em termos de distância. Mas o Porto tem esse lado ferido, meio de irmão preterido por um lado e por outro profundamente orgulhoso, de cidade invicta, de cidade que não se deixou conquistar.”

 

II

You are welcome to Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente / entre nós e as palavras há hélices que andam / e podem dar-nos morte violar-nos tirar / do mais fundo de nós o mais útil segredo / entre nós e as palavras há perfis ardentes / espaços cheios de gente de costas / altas flores venenosas portas por abrir / e escadas e ponteiros e crianças sentadas / à espera do seu tempo e do seu precipício // Ao longo da muralha que habitamos / há palavras de vida há palavras de morte / há palavras imensas, que esperam por nós / e outras, frágeis, que deixaram de esperar / há palavras acesas como barcos / e há palavras homens, palavras que guardam / o seu segredo e a sua posição // Entre nós e as palavras, surdamente, / as mão e as paredes de Elsinore // E há palavras nocturnas palavras gemidos / palavras que nos sobem ilegíveis à boca / palavras diamantes palavras nunca escritas // palavras impossíveis de escrever / por não termos connosco cordas de violinos / nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar / e os braços dos amantes escrevem muito alto / muito além do azul onde oxidados morrem / palavras maternais só sombra só soluço / só espasmos só amor só solidão desfeita // Entre nós e as palavras, os emparedados / e entre nós e as palavras, o nosso dever falar.

Mário Cesariny, “Pena Capital”

 

Pedro Lamares orienta três oficinas de poesia e, por causa delas, é chamado às escolas com muita regularidade. A Fábrica de Palavras é dirigida aos alunos até ao 3o Ciclo. “É uma oficina altamente interativa, é uma aula de palco, com exercícios de voz. Faço-lhes a leitura de alguns textos, depois ponho-os a dizer um texto e faço uma espécie de orquestra de palavras.” Entre Nós e as Palavras, retirado do poema “You Are Welcome to Elsinore”, de Mário Cesariny, é um recital/palestra dirigido aos alunos do Ensino Secundário.

“Falo-lhes da minha paixão pela poesia. Vou-lhes lendo poemas e contando peripécias que fui tendo no ofício, histórias relacionadas com aquele autor ou com aquele poema. Depois há espaço para perguntas e debate. Há um texto, por exemplo, que faço sempre questão de lhes dizer, que me está dedicado, um texto do Valter Hugo Mãe que se chama “coisinhas preciosas para meter no cu”.

É a história de um miúdo que dizia que se queria suicidar porque o pai o espancava diariamente por ele brincar com as bonecas da irmã. E o Valter escreve um texto brutalíssimo. É o tipo de texto que cria sempre uma reação de gargalhada nos miúdos, por causa do título; mas depois eles perdem toda a vontade de rir ao longo do texto, que é um soco no estômago brutal. É o tipo de texto que gosto de dizer numa escola porque questiona os nossos preconceitos. Trabalhamos questões como a homossexualidade, as diferenças religiosas, raciais, e o texto serve como catapulta. A poesia como princípio para e não como fim; como meio, como ferramenta de discussão. E acontecem coisas extraordinárias, ouço e aprendo coisas extraordinárias com eles.”

Por último, A Minha Pátria é a Língua Portuguesa, desta vez uma frase ‘roubada’ a Fernando Pessoa, é uma oficina pensada para professores. “O trabalho que faço é tentar desmontar os vícios de leitura que associamos à dramatização do poema, a declamação, o recitar, a impostação da voz. Costumo dizer-lhes ‘não digam para o além, digam para o aquém, para as pessoas que estão aqui à vossa frente, olhem-me nos olhos e digam-mo com verdade, não criem artifícios, não exagerem, não expliquem nada, porque eu entendo e os alunos também entendem. O nosso público é tão inteligente como nós’.”

Nesta oficina, Pedro Lamares inspira-se num texto de Leonard Cohen, cantor e compositor canadiano, uma das suas grandes referências: How to Speak Poetry. “Basicamente o texto diz Não te insinues, não te armes, não te ponhas acima do texto. Diz o texto. Di-lo com verdade, di-lo com a tua experiência, di-lo com a tua vida, mas di-lo. Não declames, não mo ensines, não o representes, faz o que tens a fazer. Acho isto uma coisa absolutamente maravilhosa”, frisa. Esta é para ele ‘a’ fórmula, um “trabalho para a vida”. Porque se às vezes se diz um texto com verdade, outras é possível “espalharmo-nos ao comprido”, se o dissermos em “piloto au- tomático” ou nos deixarmos levar pelos vícios de leitura. “Temos de ter a humildade de não acharmos em momento nenhum que já adquirimos isso. Portanto, é o trabalho de uma vida, é uma coisa permanente, temos de estar sempre a reconquistar isso.”

 

III

Poema em Linha Recta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada. // Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. // E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, / Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, / Indesculpavelmente sujo. / Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, / Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, / Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, / Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, / Que tenho sofrido enxovalhos e calado, / Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; / Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel, / Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, / Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, / Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado / Para fora da possibilidade do soco; / Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, / Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. // Toda a gente que eu conheço e que fala comigo / Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho, / Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida... / Quem me dera ouvir de alguém a voz humana / Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; / Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! / Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. / Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? / Ó príncipes, meus irmãos, / Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo? / Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra? / Poderão as mulheres não os terem amado, / Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca! / E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, / Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? / Eu, que tenho sido vil, literalmente vil, / Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos, “Poesia

 

Somos orgulhosamente um país de poetas, um país que navega nos versos de Camões, que se deixa remexer com as palavras de Sophia, que se deixa provocar por Bocage. E num território onde os versos devem assumir-se como uma estrela maior, será que a poesia chega a todos? E como? Além da educação formal, “as iniciativas para a sensibilização da poesia, para a desmistificação, para a aproximação à vida das pessoas, ainda dependem muito de iniciativas individuais”, considera Pedro Lamares. “Se um professor tem essa iniciativa, há a probabilidade de se fazer na escola um concurso literário, ter escritores convidados, ter alguém que vai falar sobre poesia. Mas se esse trabalho não for feito, ele não está previsto. É uma lacuna muito grande, quando, por outro lado, nos orgulhamos tanto de ser um país de poetas, de sermos um dos países que mais e melhor poesia produz e um dos mais traduzidos internacionalmente. É discutível, mas acho que o nosso património cultural assenta, acima de qualquer outra coisa, na poesia.”

Falta saber que lugar ocupa a poesia nas nossas vidas. Estaremos todos dispostos a entendê-la? Fizemos uma analogia com o que se pode chamar família literária e, desta, será a poesia o “irmão menos querido”? “É o irmão mais difícil de entender, o que não segue os passos que foram pré-estruturados para si. É aquele que não vai seguir Direito ou que não vai querer ser médico, que vai fazer perguntas estranhas e complicadas, que vai pôr o dedo na ferida. É o irmão cuja linguagem será eventualmente mais difícil de entender. A poesia existe em si, tem uma força brutal, mas requer de nós, se quisermos chegar a ela, uma disponibilidade muito grande.”

E numa época em que tudo é demasiado rápido, em que tudo está disponível quase no imediato, é necessário tempo para nos dedicarmos à poesia. Nas gerações mais novas é preciso fazer com que a poesia se aproxime das diferentes realidades, que seja atrativa. Na infância, refere Pedro Lamares, devemos trabalhar “de uma forma muito horizontal, não de mais sabedor para menos sabedor, mas de brincador para brincador; e a poesia pode ter um papel fundamental nesse desenvolvimento, no despertar a curiosidade, no brincar com a palavra”. Mais tarde, a poesia deve “começar a servir como ferramenta de questionamento e depois de alavanca crítica de pensamento”. E para chegar aos jovens pode ser necessário “trabalhar a poesia que está mais próxima de nós”, a poesia do século XX, porque lhes diz respeito, porque lhes toca nas suas realidades.

É preciso refletir ainda sobre a forma como se ensina a poesia nas escolas. “Quando tudo tem de ser quantificado, porque a avaliação qualitativa é demasiado subjetiva e nós temos de conseguir criar hierarquias muito definidas e claras, arriscamos muito menos e somos muito menos criativos. Se transportarmos isso para o ensino da poesia temos uma coisa muito evidente: como é que se avalia o subjetivo? Quantificando-o. Então, avalia-se o que é inquestionável. E portanto, falo de Álvaro de Campos e os alunos perguntam-me pelas suas três fases e falam-me de métrica, de rimas cruzadas e emparelhadas e de contagem de sílabas. Normalmente, falam-me de tudo menos de poesia, do questionamento que é levantado através do poema, porque nós estudamos o seu lado matemático. Analisamos formalmente o texto e isso ocupa grande parte da forma como nos debruçamos sobre um texto poético. E isso, mais do que um equívoco, é uma forma perigosa de afastar as pessoas da poesia”, frisa.

Ainda assim, e graças aos “professores que fazem trabalhos incríveis”, há muitos alunos motivados para a poesia. Para seduzi-los, por vezes, basta usar o texto adequado e dizê-lo olhos nos olhos com honestidade. “O texto faz tudo, tem uma força brutal.” E exemplifica com a surpresa de alguns alunos, quando ouvem versos a que não estão habituados. “E de repente tu sentes despertar uma surpresa: ‘Fogo, isto é o Pessoa? Não foi este Pessoa que eu estudei’. Levas o “Poema em Linha Recta”, do Álvaro de Campos. Nunca conheci quem tivesse levado porrada, e ele pergunta onde é que há gente real no mundo. Quer dizer, ‘eu erro, eu passo pelo ridículo, eu passo por vexame e os outros não?’ E de repente eles identificam-se com o texto. Porque aquilo é nosso, não é para intelectuais, aquilo é escrito por gente para gente.”

 

IV

A Nossa Aldeia

Era uma aldeia sem luz / directa. Uma aldeia de paredes / amarelas cujos habitantes reagiam / à sombra das palavras e as mediam / (de que tamanho o verbo?), / lavavam, preparavam para os outros. / Era uma aldeia onde se decidia a palavra / do dia seguinte, a ideia do dia seguinte, / a vida e a morte do dia seguinte. / Era uma aldeia com um plano: / o plano era simples: o plano era concreto: / o plano era difícil como a luz. / Era uma aldeia interdita na possibilidade / do sol mas tão plena de esforço na linguagem. / Era uma aldeia cujos habitantes só poderiam / comprar uma aldeia com janelas, uma aldeia / cor de mundo, se os outros habitantes, / os que estavam lá fora, lessem realmente / as palavras que eles para eles preparavam. / Era, apesar de tudo, uma velha aldeia / sem ressentimentos. // Porque a nossa aldeia era única. / Era a única aldeia no centro / da cidade.

Filipa Leal, “O Problema de ser Norte”

 

De volta ao Porto. Estamos sentados numa esplanada na Praça da Batalha; podíamos chamá-la de “aldeia dentro da cidade”, como muitas outras que a Invicta tem. “O Porto é cheio disso, é maravilhoso. Acho que as cidades mágicas têm subcidades dentro delas, com identidades próprias. O Porto ainda conserva isso. Acho que mantém a cidade viva e que lhe dá uma certa imunidade para a banalização e para a normalização que tendemos a ter.” E nesta cidade criou-se uma cultura de poesia. “É a única cidade de Portugal onde há noites de poesia semanais há 26 anos. E com várias alternativas. Há um movimento, uma espécie de massa crítica que mexe em torno da poesia e que tornou o Porto uma cidade de poesia, uma cidade muito viva a esse nível”.

E com Pedro Lamares iniciámos uma espécie de roteiro. Começámos pelo Pinguim, “o lugar mais antigo” onde se lê poesia, na cave. “É incontornável, porque é completamente de geração espontânea e sobreviveu a não sei quantas gerências.” Seguimos para o Teatro de Campo Alegre, que acolhe as Quintas de Leitura há 14 anos. “Uma vez por mês, espetáculos de poesia com música ao vivo, com bailarinos, com autores convidados, com lotações esgotadas numa sala de 400 lugares, onde eu tive a sorte de trabalhar com Bernardo Sassetti e com Mário Laginha, com quase todos os poetas portugueses vivos, com gente inacreditável das várias áreas da música, da performance, da dança contemporânea. É um espaço de referência.” Pedro Lamares destaca ainda o Olimpo, um bar na Rua da Alegria, onde sempre acontecem noites poéticas. A poesia faz parte do menu. E depois há outros espaços que realizam sessões de poesia, aqui e ali, umas vezes esporádicas, outras mais regulares.

Mas para lá do Douro, também há poesia, claro. Em Espinho, mergulhamos na Onda Poética. “Existe há muitos anos, com a coordenação de Anthero Monteiro, um dos responsáveis pelo meu ofício, já que foi muito na Onda Poética que eu comecei a dizer poesia em público mais regularmente e sempre com grande carinho e apoio do Anthero”. Em São João da Madeira, degustamos Poesia à Mesa, que se realiza uma vez por ano, em março, e que já reuniu nomes como Eunice Muñoz, Ana Zanatti e José Fanha. E a partir daqui gerou-se “uma massa crítica e gente a escrever e a ler”, pelo que já existem dois locais com sessões de poesia mensais, “conduzidas por um poeta de São João da Madeira, o Tiago Moita”. De Lisboa, Pedro Lamares refere as sessões do Teatro da Barraca, e em São Miguel, nos Açores, revela a descoberta do Pátio dos Artistas, onde se serve poesia aos domingos. E muitas outras sessões de poesia acontecem por este país fora…

A poesia entrou muito cedo na vida de Pedro Lamares, que sempre esteve rodeado por apaixonados por poesia. “Tive a sorte de crescer numa família que valorizava a poesia. Está-me no ADN”. Como referências poéticas tem, acima de tudo, Fernando Pessoa. Depois refere Herberto Helder, Al Berto, Tolentino Mendonça, Ana Luísa Amaral, Maria do Rosário Pedreira e muitos outros que o tempo e o espaço não permitem enumerar. Da nova geração, destaca Vasco Gato e Filipa Leal. “São muitos. É muito difícil! Também o Manuel António Pina”. E Cohen, “sempre o Leonard Cohen, como poeta.”

Foi por causa da poesia que Pedro Lamares iniciou a carreira de ator. Além disso, é professor de teatro no Balleteatro (Porto), orienta oficinas de poesia, faz recitais, faz direção de atores em vários espetáculos, faz cinema e teatro. Com a harpista Ana Isabel Dias tem o projeto Jacarandá, que junta palavra e música; em janeiro vai estrear um programa de literatura na RTP2; e junta a sua voz à música do Lusitanae Ensemble no disco «Fado Revisitado», que sai em dezembro. “O que pode estar mais ou menos moribundo é o quanto nós lemos poesia, mas a poesia existe. A poesia está aí cheia de força e estamos com uma nova geração fortíssima, belíssimos poetas emergentes.”

 

ORA DIGA LÁ… CARLOS TÊ

As palavras são a maior invenção do homem

 

Em que medida as cidades podem ser objetos poéticos?

As cidades são objetos poéticos na medida em que são compostas por milhões de variáveis, tanto humanas como morfológicas nas cambiantes de luz e materiais, por isso elas próprias adquirem uma alma que interessa obviamente à poesia e à arte em geral.

O que o inspira mais na cidade: as pessoas, os rios, as casas?

As pessoas, os rios, as casas, as ruas, os jardins, os quarteirões, fazem parte da nossa vida, do nosso crescimento, e tudo isso deposita em nós memórias e reminiscências. Para onde quer que a gente vá, isso vai connosco. Muitas vezes, ao estarmos longe, por exemplo, tudo isso se manifesta de modo difuso e nostálgico e abre a porta misteriosa da poesia, da evocação.

Onde é que encontra as palavras na cidade?

As palavras estão em nós, fazem parte duma árvore nossa, pessoal, porque cada um tem um modo próprio de as combinar, e em qualquer parte elas aparecem para tentar traduzir um sentimento, uma impressão, um novo ângulo para olhar as coisas.

Que força têm (ou podem ter) as palavras?

As palavras são a maior invenção do homem, foram elas que conduziram à autoconsciência, brotam do grande novelo que alimenta a memória, sem elas seríamos seres sem tempo e sem espaço, são o expoente da civilização.

É o autor de “Porto Sentido”. O Porto é poesia?

Claro que o Porto é poesia, mas é também a cidade que se vive, a cidade prática, e muitas vezes não estamos disponíveis para a sua poesia porque estamos ocupados a percorrê-la e a vivê-la. Não raro, os grandes amantes da cidade são estrangeiros, gente que vem de fora, não só doutros países como doutras zonas de Portugal, gente que traz um olhar puro e novo que permite captar coisas que nós não vemos debaixo do nariz.

A poesia é o “irmão menos querido” da literatura?

A poesia é o filho irrequieto da literatura, avança às cegas por regiões do ser pouco trilhadas, e nesse sentido é o filho querido da literatura, aquele a quem todas as travessuras se permitem, a quem não se exige a verosimilhança, a explicação, basta a impressão, o roçagar de tecidos preciosos.

Maria João Leite (reportagem)

Ana Alvim (fotografia)

©DR (imagem de Carlos Tê)


  
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