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A propósito do cinema iraniano: refletindo sobre a infância

O cinema de infância, apesar de numerosos sucessos, não escapa nem à mediocridade, nem à falta de talento, nem a uma forte proliferação de lugares-comuns. A fronteira entre tema e lugar-comum pode revelar-se, por vezes, pouco clara.

A originalidade do jovem cinema iraniano revela-se no lugar central ocupado precisamente pela infância e pela aprendizagem. Filmes recentes como O Pai de Majid Majidi e, sobretudo, Don e La Danse de la Poussière de Abolfazi Jalili, Leopardo de Prata em Locarno, confirmam esta tendência. O mesmo em relação a Filhos do Paraíso de Majid Majidi.
No filme A Maçã de Samira Makhmalbaf, baseado em fatos reais, é retratada a história de duas meninas que viveram presas em casa onze de seus treze anos de idade. A forte influência dos preceitos do Alcorão, e principalmente a interpretação radical de seus ensinamentos são um fator marcante nesta obra. Além do aspecto cultural, muito presente, é possível perceber também as diferenças de produções se as compararmos com a estética hollywodiana.
Nesta obra, algumas cenas entram na sequência de imagens como se fossem fotografias, como se algumas partes do filme fossem compostas de cenas reais. Isso dá um ar de documentário à produção, porque além da história ter uma sequência de acontecimentos reais, o filme é feito com as próprias protagonistas da história. Zahra e Massoumeh são as meninas do filme e também da vida real.
Na linha dos primeiros filmes de Abbas Kiarostami, especialmente
Onde é a casa de meu amigo?, os filmes dos diretores iranianos exigem uma dupla leitura. Por um lado, aquela do mundo da infância próxima do real, impregnada de uma expressão natural e de simplicidade aparentemente muito didática e, até mesmo, moral. Por outro lado, aquela de uma metáfora sutil das contradições da sociedade iraniana.
Nesses filmes encontramos, como motor da ficção, a perda de um objeto e a busca duma liberdade que se perdeu.
Vale lembrar um aspecto curioso em relação ao cinema de infância que é aquele que diz respeito ao fenômeno de identificação do espectador com um personagem do filme. Com efeito, identificar-se com um personagem de uma criança não é a mesma coisa que identificar-se com um personagem adulto porque, estranhamente, a identificação não se faz em relação ao personagem e á sua identidade, mas sim à sua infância e a uma identidade ainda imprecisa. Ninguém se identifica com um personagem adulto pelo fato de ele ser adulto. Esta é uma diferença significativa. Isto faz com que nos filmes de infância, sem que muitas vezes nos demos conta disso, não ocorra um distanciamento sobre o sujeito. Ou seja, acontece uma identificação imediata com a infância desde o “primeiro momento”, mais do que com a personagem que ela encarna.
A empatia é muito direta. Trata-se de uma especificidade que é válida tanto para o autor como para o espectador.
O cinema de infância, apesar de numerosos sucessos, não escapa nem à mediocridade, nem à falta de talento, nem a uma forte proliferação de lugares-comuns. A fronteira entre tema e lugar-comum pode revelar-se, por vezes, pouco clara. Não é pelo fato de ser um território íntimo que a infância deva ser considerada um território sagrado. Por vezes, os filmes da infância são alvo de críticas violentas, como aconteceu, por exemplo, com os críticos em França relativamente aos primeiros filmes de Luigi Comencini.
O cinema da infância é um tipo de cinema que se presta ao debate. Mas é inegável que é também um espaço cinematográfico de uma variedade impressionante, onde se podem colocar uma multiplicidade de olhares.

José Miguel Lopes


  
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Edição:

Edição N.º 199, série II
Inverno 2012

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