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Editorial

A arrogância do pensamento inevitável é o contrário da liberdade. E nestes estranhos dias, duros e difíceis, podemos prescindir de tudo, mas não podemos prescindir nem da Liberdade nem do Futuro.

(António Sampaio da Nóvoa, discurso proferido no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, 2012)

No momento em que as escolas portuguesas iniciam mais um ano escolar e numa altura em que se vive um ataque generalizado às estruturas nucleares do estado democrático, esta edição traz à discussão pública um conjunto de questões cruciais de política educativa, através do contributo sensível, informado e implicado dos nossos prestigiados colaboradores. Abrangendo temáticas fundamentais como o planeamento e regulação do sistema; a direção e organização das escolas; a gestão e o desenvolvimento curricular; a educação de adultos; as necessidades educativas especiais; a autoridade profissional docente e a investigação científica, os textos que integram a PÁGINA de outono inscrevem-se numa linha de oposição clara à estratégia seguida pela atual equipa ministerial.
Como nota Domingos Fernandes, paulatinamente, o Ministério da Educação tem vindo a pôr em prática “uma política pensada e deliberada que põe em causa valores fundamentais da democracia e da escola pública, tais como a igualdade de oportunidades para aprender, a equidade e a solidariedade ativa para com os mais desprotegidos”.
Com efeito, evidenciando opções ideológicas bem definidas e explícitas, produzidas em perfeito alinhamento com a lógica de governação que tende a arruinar o País, as medidas resultantes dessa política representam um atentado inédito à liberdade e à responsabilidade de cada ator. E a verdade é que ao asfixiarem a energia vital das pessoas e das organizações, elas comprometem decididamente o poder criativo que, afinal, é tão necessário à invenção de dias mais prósperos e risonhos. No caso da Educação, os responsáveis políticos insistem mesmo em funcionar como “pedagogos oficiais”, papel para o qual não possuem nem competência, nem legitimidade, conforme denuncia Licínio Lima.
Neste contexto, adquire particular relevância o testemunho lúcido, iluminado e iluminador, dos dois entrevistados em destaque nesta edição. Sérgio Niza, figura de referência da pedagogia portuguesa e nome destacado do Movimento Escola Moderna, sublinha justamente a importância do saber pedagógico num quadro de afirmação de uma escola democrática, “por fora e por dentro”. Um saber que, na sua perspetiva, depende em boa medida da iniciativa dos próprios educadores e professores, do uso efetivo da sua liberdade profissional. Por sua vez, Paulo Santiago, analista sénior na Direção de Educação da OCDE, referindo-se às questões da avaliação e liderança pedagógica das escolas, lembra que é preciso procurar não perder de vista o essencial, mantendo a disposição para reconhecer a centralidade das pessoas e para valorizar as relações de cooperação que são capazes de estabelecer entre elas. Como sabemos, na escola ou fora da escola, os esquemas de ação excessivamente performativos e obcecados com a visibilidade social acabam por ser perigosamente produtores de invisibilidades e insensibilidades.
Entre estas, importa recordar também as que se referem mais especificamente às condições de aprendizagem social e que hoje justificam uma pluralidade de domínios de intervenção, como mostram, por exemplo, os textos de Ana Vieira e de Paulo Delgado.
Os tempos complicados e dolorosos que vivemos reclamam uma geografia pedagógica cada vez mais ampla e sintonizada com as exigências de equidade, inclusão, justiça e solidariedade.
Insistimos por isso em apostar na articulação dinâmica entre a pedagogia escolar e a pedagogia social.
Embora inevitavelmente centrada na realidade nacional, esta edição contempla ainda um conjunto de artigos que, sendo assinados por colaboradores oriundos de outras nacionalidades, funcionam nesta circunstância como referenciais de alteridade indispensáveis à produção de energia regeneradora. Porque, na verdade, contra a “arrogância do pensamento inevitável” e a favor da mudança necessária, é preciso continuar a resistir, a acreditar e a lutar. E este é um esforço que pede muita lucidez, muita partilha e muita solidariedade.

Obrigada a todas e a todos. Juntos, seremos capazes de produzir esperança e futuro.

Isabel Baptista


  
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Edição:

Edição N.º 198, série II
Outono 2012

Autoria:

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