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produtividade: quando o trabalho é esforço…

Se o desemprego dos mais qualificados sobe, é porque a formação assegurada pelas universidades não é de qualidade ou está desfasada das necessidades do mercado; se o emprego dos menos qualificados sobe, é por causa do abandono e do insucesso escolar...

A discussão em torno do conceito da produtividade assenta no princípio da “qualidade” do trabalho prestado, independentemente do tempo a ele dedicado. É assim que se a explica que, pese embora Portugal seja dos países onde os trabalhadores mais horas passam no posto de trabalho, o seu rendimento seja pouco por unidade de tempo. Assim, em vez de se discutir o porquê da pouca rentabilidade desse trabalho, insiste-se no esforço – recuperando práticas do Estado Novo, que entendiam a produtividade como a utilização mais intensiva do factor trabalho – e, já agora, na flexibilidade, na mobilidade e outros predicados, sem se discutir a raiz do problema, a qual passa por uma análise multi-factorial da produtividade (capital, meios tecnológicos, condições de exercício do trabalho, etc.), e não pela sua centralidade exclusiva no factor mão-de-obra.
A título de exemplo, se se observa que, em termos comparativos, a produtividade em Portugal é das mais baixas do contexto europeu, dificilmente essa comparação permanece sustentável ao considerar-se a remuneração dessa mesma produtividade. Com efeito, se, para uma hora de produção, no Luxemburgo se produz cerca de três vezes o que se produz em Portugal, o pagamento dessa hora aproxima-se, igualmente, de 3 vezes o pagamento efectuado em Portugal, o que parece deslocar o problema da produtividade do princípio do esforço para o princípio da manutenção de uma desvalorização do trabalho, a que se associa uma desvalorização da qualificação.
Portugal investiu fortemente, ao longo dos 36 anos de Democracia, na educação formal e no acréscimo de formação da quando o trabalho população (cerca de 700% na frequência do Ensino Superior ao longo do período). Este crescimento, embora relevante se considerarmos o estado paupérrimo da educação formal no final do Estado Novo, passou, entretanto, a ser explicado pelo facilitismo – só assim se explicaria que tantos cheguem tão longe; é novamente o discurso salazarista, preocupado com a formação das elites (porque estas é que conduzirão as massas), que parece retomar actualidade –, mas igualmente pela desadequada preparação para o trabalho, naquilo que sempre reflectirá, sob os pressupostos da relevância da educação formal para o desenvolvimento social, um ónus invariavelmente atribuível a montante, isto é, aos sistemas de educação e formação formais.
Nesta discussão, o mundo do trabalho, da criação de trabalho, parece sempre poupado a uma análise crítica: se o desemprego dos mais qualificados sobe, é porque a formação assegurada pelas universidades não é de qualidade ou está desfasada das necessidades do mercado; se o emprego dos menos qualificados sobe, é por causa do abandono e do insucesso escolar. Não se cruzam estes dados para, ao menos, interrogar se não radicará no próprio mercado de trabalho uma parte do problema. Sim, porque num país assimétrico, que assiste a um crescimento contínuo das qualificações e a uma oferta sempre crescente de emprego desqualificado, não se pode colocar esta discussão apenas em torno da qualidade da formação. Ela tem, necessariamente, de passar também pela qualidade do trabalho – o que equivale a dizer das organizações do trabalho e nos remete para a tal discussão mais lata da produtividade multi-factorial e não, exclusivamente, para a produtividade.
O discurso contemporâneo das competências, proveniente dos locais de exercício do trabalho e que já hoje invadiu a Escola, é um viés ao cerne do problema, porque se focaliza no sujeito e não no trabalho do sujeito. O saber ser e o saber estar têm mais a ver com os modos de exercício do trabalho (ser flexível, estar em mobilidade, etc.), para os quais o sujeito deve estar predisposto (se quiser ter trabalho), do que com a construção da competência, que acontece em acto, isto é, no exercício do trabalho propriamente dito – o que requeria que a uma valorização da competência fosse concomitante a valorização do trabalho, seja ele na Escola (trabalho do aluno) ou na fábrica (trabalho do operário).
Para além disso, compreende-se com clareza que uma estratégia que se focaliza no sujeito, e não no trabalho do sujeito, é tudo menos inocente no que se refere a uma clara intencionalidade de desqualificar a qualificação. E, implicitamente, de desvalorizar o factor trabalho. A prédica de uma maior aproximação da Academia ao mundo do trabalho não é interessante no sentido de perceber aquilo que o mundo do trabalho precisa em termos de formações – ou, já agora, de qualificações –, mas sim o que o exercício do trabalho precisa em termos da sua própria qualificação. Porque é disso que importa falar, se se quer falar de produtividade.

Henrique Vaz

P.S.: Aquilo que as “novas oportunidades” permitem é um lento, mas possível, caminho para qualificar os sujeitos e – oxalá! – para os tornar mais exigentes com a qualidade do seu (posto de) trabalho. 


  
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Edição:

Edição N.º 191, série II
Inverno 2010

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