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Educação e res-publica: Lições de liberdade e de cidadania

As contradições na História não vão deixar de existir. E a escola no meio dessas contradições não pode ter uma posição de equilibrismo. A escola tem de tomar um partido: o dos valores humanos, da liberdade, da democracia, da justiça social. A escola pública, que por isso é a minha opção, terá de suportar a diversidade de opiniões, mas fomentar a crítica e sobretudo fazer com que não haja uma única visão dos factos.

Rogério Fernandes, «A Página da Educação» n.º 81 (Junho.1999)

No seguimento do desafio enunciado no último número de 2009 e relativo à reflexão sobre “Educação e Res-publica” enquanto tema de fundo das edições de 2010 – ano em que Portugal celebra o centenário da sua I República –, a PÁGINA quis ir ao encontro de alguém que, a esse respeito, pudesse servir de fonte de inspiração e motivação. De um modo que podemos dizer “natural”, a escolha recaiu, desde logo e sem hesitações, num dos mais ilustres pedagogos da nossa contemporaneidade e reconhecido especialista nas áreas da História e da Filosofia da Educação, com assinatura marcante no campo da organização do sistema educativo, das políticas públicas e da profissionalidade docente – Rogério Fernandes. Alguns dias depois da realização da entrevista agora publicada e concedida em sublime gesto de disponibilidade humana e cívica, recebemos a notícia do seu falecimento, neste mesmo mês, a 4 de Março de 2010. De novo, e num desconcertante “espaço de tempo”, a Morte desafiava as nossas rotinas, privando-nos da possibilidade de diálogo com um rosto amigo e familiarmente eloquente. Ainda um pouco atordoados, mas muito conscientes do privilégio de podermos partilhar este último testemunho vivo e, a todos os níveis, histórico, fazemos questão de sublinhar que Rogério Fernandes merece o destaque desta edição por imperativo de honra à sua vida impressionante, face à qual a Morte apenas veio lembrar a nossa humilde condição de aprendentes, justificando uma terna e eternal deferência.
Rogério Fernandes não foi apenas um académico eminente, foi também um activista social exemplar e, convém lembrá-lo, um resistente antifascista, tendo-se distinguido no combate ao regime ditatorial que marcou a República durante o chamado Estado Novo. Proibido de ensinar, dedicou-se ao jornalismo, onde marcou presença como um dos fundadores do extinto jornal «A Capital», tendo ainda sidodirector das revistas «Seara Nova» e «O Professor». Rogério Fernandes desejou ser conhecido como um dos grandes defensores da escola pública, por razões de ordem filosófica, ética e política, como ele próprio gostava de afirmar, recusando indexar a educação a uma racionalidade de tipo cognitivo-instrumental, própria de certas lógicas de poder e hoje tão do agrado de alguns dos nosso políticos e teóricos da educação. Para Rogério Fernandes, o exercício da docência requer uma visão humanista e cultural do mundo como condição de estímulo à liberdade de pensar dos próprios alunos, conforme nos dizia há uns anos numa outra entrevista [«A Página da Educação», Junho.1999]. As pessoas têm as suas próprias doutrinas, que trazem do ambiente familiar, da rua. Se um aluno se dirige ao professor, nada a opor. Se ele pede a minha opinião eu dou-lha.
Se me pergunta o que sou, eu digo-lhe o que sou. Mas não digo: vais ser como eu.
Desta vez, Rogério Fernandes fala-nos de lições de liberdade e cidadania ligadas a um certo “olhar republicano sobre a educação”, sem deixar de alertar para as contradições e para os limites da experiência republicana que agora se comemora. Entre outros aspectos, lembra-nos a forma como os pioneiros da República percepcionavam a relação entre “uma eficaz e bem distribuída assistência escolar” e o integral cumprimento da escolaridade.
A entrevista com Helena Araújo, publicada nesta mesma edição e centrada no lugar sociopolítico das mulheres, permite-nos prolongar esta leitura crítica sobre a I República, cabendo-nos neste caso sublinhar a actualidade das questões de igualdade de género num significativo mês de Março e em Ano Europeu contra a Pobreza e a Exclusão Social.
O embaixador Lauro Moreira traz para este debate a dimensão de cosmopolitismo numa oportuna chamada de atenção para a importância da lusofonia enquanto espírito que emerge de 500 anos de convívio e nos faz herdeiros de um património cultural precioso.
Ainda neste número, e a par das rubricas assinadas pelos colaboradores permanentes, contamos com as declarações de Alberto Amaral sobre a actividade da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior e com uma abordagem às bibliotecas escolares, em registo de partilha de práticas educacionais, aproveitando aqui para reforçar o apelo à participação dos leitores, seja através do envio de notícias, de críticas ou de sugestões. Em coerência com a sua história e com o seu projecto editorial, a PÁGINA assume-se como um espaço de educação vocacionado para a expressão livre e para a tomada de posição pública. Nesta medida, e na estação do ano que em Portugal convida a reviver Abril, que saibamos “tornar presente” o espírito de criatividade cívica que animou a revolução dos cravos em 1974, porque, como lembrava Rogério Fernandes, é imperioso que a retórica discursiva dê lugar a uma prática viva da solidariedade e de modo a conseguir que a escola portuguesa possa tomar o partido que só pode ser o seu – o dos valores humanos, da liberdade, da democracia e da justiça social.

Isabel Baptista


  
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Edição:

Edição N.º 188, série II
Primavera 2010

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