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A Geopolítica dos Rankings na ‘Classificação Mundial’ das Universidades

Os rankings conferem estatuto, e, por seu turno, o estatuto auxilia a universidade a captar fundos e talentos (…) “Não ajuda muito um estudante que procura um departamento de física saber que a Universidade A é mediana, quando o departamento de física é excelente”.

Um dos assuntos mais candentes na cena global do ensino superior é o da emergência dos esquemas de seriação das universidades – descritos por um observador académico com a metáfora da ‘corrida da reputação’ e como sendo semelhante a uma corrida ao armamento. A corrida da reputação, é claro, refere-se ao facto de poderosas universidades estarem a usar estrategicamente o sistema de rankings para avançar, assegurar e manter a sua parte na distribuição dos recursos disponíveis. Os rankings conferem estatuto, e, por seu turno, o estatuto auxilia a universidade a captar fundos e talentos.  
Os promotores dos rankings, contudo, tendem a dizer que estão simplesmente a responder às exigências dos consumidores e a fornecer ‘informação’ que auxiliará os estudantes a fazer escolhas informadas. Se isto pode efectivamente auxiliar os estudantes a tomar decisões acerca dos méritos relativos de uma instituição em relação a outra, o facto é que um estudante seria muito melhor servido se, por exemplo, quando procura um lugar em sociologia, fosse informado acerca da reputação do departamento e não sobre a universidade. Como Uwe Brandenburg, Gestor de Projectos no Centre for Higher Education Development (CHE), Alemanha, sublinha: “Não ajuda muito um estudante que procura um departamento de física saber que a Universidade A é mediana, quando o departamento de física é excelente”. Para lidar com isto, o CHE desenvolveu uma abordagem ao nível da disciplina. Contudo, ‘a proposta do CHE’ não seduziu a imaginação do sector, nem os responsáveis políticos da mesma forma que os dois sistemas de rankings, o da Universidade Jiao Tong de Xangai e o do Times Higher o fizeram.
Como é que funciona o Ranking Académico Mundial das Universidades da Universidade Jiao Tong de Xangai (UJTX) e, sobretudo, com que interesses? O UJTX foi lançado em 2003 como resultado do projecto da Universidade Jiao Tong de Xangai, China, de alcançar os padrões das universidades de topo ao nível mundial, e usá-lo para promover o desenvolvimento de universidades de investigação chinesas globalmente competitivas. Não é, então, surpreendente que mais de 90% do ranking esteja ligado à performance da investigação, registada através de indicadores como o número de prémios Nobel entre os ex-estudantes da instituição e o número dos artigos e das citações nos estudos bibliométricos, que são enviesados no sentido das ciências duras. Este sistema de rankings favorece claramente as universidades privadas de topo dos EUA. As universidades europeias, que historicamente assumiram uma missão diferente, ficam significativamente atrás.  
Em 2004 foi lançado no Reino Unido o Suplemento Times Higher Education. Este sistema de ranking procurou colocar menos peso na reputação, centrando-se, em vez disso, em medidas como a qualidade do pessoal e dos estudantes, recursos, etc. Também colocou muitas universidades do RU no topo da tabela, em comparação com o da UJTX. Como é que Times Higher produz os seus rankings? Em primeiro lugar, depende da disponibilização dos dados por parte das instituições, que, em muitos casos, é recolhida em diferentes departamentos da universidade. Contra-verificações revelaram a natureza pouco segura dos números apresentados, lançando dúvidas consideráveis sobre a fiabilidade dos dados e, portanto, dos rankings.
Mais recentemente as universidades europeias têm sido pressionadas pela Comissão Europeia a propósito da conspícua ausência de universidades europeias nas primeiras 50 posições dos dois principais sistemas de rankings. Aparentemente, o RU não conta como Europa, pois estão lá presentes universidades britânicas como Oxford e Cambridge. Igualmente interessante, contudo, é que em Fevereiro de 2009 a Comissão Europeia abriu um concurso de cerca de um milhão de euros para financiar um grande projecto de investigação sobre um sistema europeu de rankings que seja aplicável em todo o mundo. Quebrou, definitivamente, o verniz. A luta para gerar regras para a corrida da reputação está agora a ser tomada muito a sério pela Comissão Europeia e pelos ministros da educação europeus. A grande questão é, contudo, a de saber se os europeus serão capazes de construir um sistema de ranking que se adeqúe ao Processo de Bolonha. Provavelmente não, mas os arquitectos do Processo de Bolonha estão ainda surpreendidos com o facto de o processo ser tão rapidamente assumido dentro e fora da Europa. Da mesma forma, o Professor Nian Cai Liu e os seus colegas da Universidade Jiao Tong de Xangai ficaram surpreendidos como, de forma tão rápida, um exercício nacional se tornou num processo global. Contudo, as condições de lançamento não são apenas sorte. Pelo contrário, os processos tornaram-se fenómenos globais porque servem interesses poderosos.
Institucionalmente, os sistemas globais de ranking são poderosos, mas não só das formas mais óbvias já referidas; se, e onde, se está posicionado nas 10, 50, 100 ou 150 primeiras. A Standards and Poors, a agência global de avaliação de crédito, também usa os dados existentes - incluindo os rankings das universidades – para produzir as suas avaliações da viabilidade do crédito das universidades e, portanto, da capacidade da universidade contrair empréstimos a taxas respeitáveis.
Os rankings das universidades estão também a ser usados pelos governos nacionais para monitorizar o trabalho imigrante. Veja-se, a título de exemplo, a nova política de emigração da Holanda. Os migrantes qualificados são elegíveis para entrar no país se o seu diploma for de uma universidade posicionada entre as 150 melhores dos rankings. O que é que isto significa na realidade? Simplesmente que se o diploma que o migrante possui não for de uma daquelas 150 universidades, como a Universidade de Hokaido (Japão), a Universidade Jiao Tong de Xangai (China), a Universidade de Estugarda (Alemanha) ou a Universidade de Macquarie (Austrália), o seu requerimento será recusado. Trata-se de um poderoso instrumento, pois o sistema de rankings pode fazer ou desfazer os futuros dos indivíduos!
As apostas são altas, e virão a ser porventura mais altas ainda, à medida que os investimentos pessoais, do Estado e do sector privado nas universidades competem com aqueles que estão a procurar remediar os efeitos do colapso da economia global. O que é claro é que as universidades ao serem provavelmente chamadas a desempenhar um cada vez mais importante papel geo-estratégico, a luta pela reputação e pelo conhecimento na corrida académica ao armamento pode ter efeitos perversos. Uma corrida pela reputação de topo, por definição, depende da reputação do resto, que lhe subjaz. A questão para os Estados-nação é a de serem capazes de estabelecer as regras do jogo de forma a haver controlo de danos ou a haver um arranque. Mas, parece-me ouvir perguntar, é para isso que as universidades servem? A idea de universidade é…

Susan Robertson


  
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Edição:

Edição N.º 185, série II
Verão 2009

Autoria:

Susan Robertson
Univ. de Bristol, Grã-Bretanha
Susan Robertson
Univ. de Bristol, Grã-Bretanha

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