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Portugal no topo da desigualdade na distribuição do rendimento

Estudo da OCDE revela

Os números são da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e contrariam o discurso político optimista que caracteriza o actual Governo: Portugal apresenta o terceiro maior índice de desigualdade na distribuição do rendimento entre os 30 países desta organização, a par com os Estados Unidos e apenas atrás do México e da Turquia.
Já no ano passado, dados do centro europeu de estatísticas (Eurostat) referentes ao mesmo período analisado (2005) mostravam que os 20 por cento de portugueses mais ricos apresentavam rendimentos oito vezes superiores aos 20 por cento mais pobres. Na União Europeia, esta discrepância, ainda assim, era em média multiplicada por cinco. No entanto, enquanto que a tendência no espaço europeu caminhava no sentido da diminuição desta diferença, Portugal fazia parte dos poucos países que agravaram as desigualdades e registava mesmo o maior aumento, já que dez anos antes (1995), essa diferença era estimada num coeficiente de 7,4 contra 5,1 da média europeia.
Apenas como apontamento, recorde-se que a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários revelou recentemente que as remunerações dos conselhos de administração das vinte empresas portuguesas cotadas na Bolsa triplicaram entre 2000 e 2005. Paralelamente, os gestores das empresas portuguesas ganham, em média, cerca de trinta vezes mais do que os trabalhadores das empresas que administram.

Desigualdade cresce na maioria dos países da OCDE

Mas não é apenas em Portugal que a desigualdade cresce. No relatório "Crescimento e Desigualdades", a OCDE afirma que o fosso entre ricos e pobres aumentou em todos os países membros nos últimos 20 anos, à excepção da França, Grécia e Espanha, e que nos últimos cinco anos se assistiu ao crescimento da pobreza e da desigualdade em dois terços dos países analisados. Canadá, Alemanha, Noruega e Estados Unidos são os mais afectados. O restante conjunto de países viu as diferenças entre ricos e pobres diminuírem, em particular a Grécia, o México e o Reino Unido, o que, de acordo com os autores do estudo, "prova que não há nada de inevitável nestas mudanças".
Muitos cidadãos da OCDE mostram-se preocupados com esta tendência. No Japão, dois terços da população considera que a desigualdade é muito expressiva. Em Portugal, Hungria, Itália e República Eslovaca mais de 90 por cento pensa o mesmo. Uma opinião que não será com certeza partilhada pelos cidadãos da Dinamarca e da Suécia, apontados como os países onde a justiça na repartição dos rendimentos é maior. No outro extremo da tabela aparecem o México e a Turquia. Apesar do coeficiente de avaliação que determina este ranking situá-los a alguma distância, Portugal e os Estados Unidos aparecem nos lugares imediatamente sequentes. A OCDE conclui que o rendimento dos 10 por cento mais ricos é, em média, nove vezes superior ao dos dez por cento mais pobres. Esta diferença chega a ser 25 vezes maior no México e 17 vezes na Turquia.
Um dos dados mais preocupantes do relatório diz respeito às alterações nos índices de pobreza quando comparados por grupos etários. Assim, ao passo que o risco de pobreza é hoje menor nas faixas etárias mais elevadas ? apesar de os indivíduos com mais de 75 anos continuarem a ser o grupo com maiores probabilidades de cair na pobreza -, ele aumentou nos jovens adultos e nos casais com filhos a cargo.
De facto, de acordo com o estudo as crianças e os jovens adultos sofrem de taxas de pobreza 25 por cento acima da população média, ao passo que há vinte anos estavam abaixo dessa média ou na sua linha de água. Além disso, os agregados familiares constituídos por pais solteiros têm três vezes mais possibilidades de serem pobres do que a média da população, valor que cresceu ligeiramente entre meados dos anos 90 e meados da primeira década do século XXI.

Mais emprego não garante redução da pobreza

O relatório relativiza, porém, o conceito de pobreza entre os diferentes países da OCDE, referindo, como exemplo, que os dez por cento de cidadãos britânicos mais pobres têm um rendimento superior ao português médio. Neste contexto, importa sobretudo estabelecer uma comparação partindo do índice de qualidade de vida no interior de cada país
Neste sentido, a OCDE recorda que o rendimento auferido não é um indicador absolutamente fiável na definição dos índices de pobreza num determinado país ou entre países, considerando igualmente relevante para este cálculo a forma como os indivíduos e as famílias conseguem suprir as suas necessidades básicas. Factores como o número de pessoas por habitação, o conforto das mesmas, a limitação na escolha alimentar ou constrangimentos no pagamento das despesas fixas são também considerados exemplos de privação material.
A verdade é que, sem surpresa, a proporção de pessoas que não consegue suprir as suas necessidades básicas revela padrões muito semelhantes ao índice de pobreza associado ao rendimento. Assim, ao passo que nos países nórdicos essa percentagem se situa entre os 5 e os 6 por cento da população, nos países do sul da Europa, Austrália, Japão e Estados Unidos ela percentagem eleva-se a valores situados entre os 12 e 20 por cento.
Na apresentação do documento à imprensa, o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, chamou a atenção para o facto de a crescente desigualdade de rendimento impedir a mobilidade social entre gerações, considerou ainda que, além de ser geradora de discórdia, ela "polariza as sociedades, divide regiões no interior dos países e modela o mundo entre ricos e pobres". Ainda de acordo com este responsável, "ignorar esta crescente desigualdade não é uma opção".
"Tentar cobrir as desigualdades na distribuição de rendimento aumentando apenas os gastos sociais é como tratar apenas os sintomas ao invés da doença", referiu Gurría, salientando que a maior parte do aumento na desigualdade decorre das mudanças nos mercados de trabalho. "Os trabalhadores com pouca qualificação estão a enfrentar muitos problemas para encontrar trabalho. É aí que os governos precisam de agir", disse, concluindo que "aumentar o emprego é a melhor forma de diminuir a pobreza".
O relatório, no entanto, salvaguarda que o aumento do número de empregos não constitui, por si só, uma garantia de diminuição da pobreza. O Japão e os Estados Unidos são referidos como exemplos disto mesmo, apresentando simultaneamente baixas taxas de desemprego e uma pobreza acima da média da OCDE. A Hungria, pelo contrário, tem um índice de pobreza relativamente baixo para o número de pessoas que se encontra no desemprego.

Redução das desigualdades nas mãos de cada governo

De facto, o relatório da OCDE é taxativo quando refere que os governos desempenham um papel fulcral na determinação dos rendimentos e no nível de vida dos cidadãos, através da forma como arrecada os impostos e os distribui nomeadamente sob a forma de ajudas sociais. Mais uma vez, os países nórdicos constituem um bom exemplo de justiça social, com estes dois pólos a equilibrarem-se num modelo altamente redistributivo, ou seja, e citando o documento, "tirando dos ricos para dar aos mais pobres". O sistema de impostos-ajudas sociais tem um carácter igualmente redistributivo na Coreia do Sul e nos Estados, se bem que em muito menor grau.
As transferências de verbas por parte do Estado e os impostos sobre o rendimento contribuem, em média, para diminuir em cerca de um terço as desigualdades entre os cidadãos. Nos países onde é posto em prática um sistema adequado de redistribuição entre impostos e ajudas sociais a pobreza chega a ser reduzida em cerca de 60 por cento. A organização garante ainda que mesmo quando esta redistribuição incide sobre a população activa os índices de pobreza caem para cerca de metade.
Apesar de este sistema ter já demonstrado contribuir decisivamente para o reequilíbrio das desigualdades sociais entre ricos e pobres, o impacto das políticas fiscais e das ajudas sociais sobre os índices de pobreza e de desigualdade diminuiu ao longo dos últimos dez anos em muitos países da OCDE. Uma conclusão que ajudará talvez a explicar alguns dos motivos pelos quais Portugal aparece no topo desta tabela.
A OCDE chama também a atenção para o facto de os benefícios decorrentes da prestação de serviços públicos serem distribuídos de forma mais igualitária relativamente aos rendimentos, mesmo depois de levados em conta os impostos e as ajudas financeiras. O custo da prestação destes serviços públicos, quando acrescentado aos rendimentos, reduz os padrões médios de desigualdade em cerca de um quarto quando comparado com a desigualdade de rendimento considerada isoladamente.
Segundo a OCDE, os efeitos mais significativos decorrem de sectores como a educação, a saúde e a habitação. O efeito redistributivo da prestação de serviços públicos equivale, em média, a dois terços do impacto dos impostos e das ajudas sociais. Mais uma vez, a organização refere que o impacto dos serviços públicas na diminuição da pobreza e da desigualdade varia de país para país.
A Dinamarca e a Suécia, que, tal como já foi referido, têm o menor índice de desigualdade de rendimentos entre a população, possuem também o maior índice de redistribuição da riqueza através dos seus serviços públicos, cujo impacto está calculado em cerca de 40 por cento. O México e a Turquia, que aparecem imediatamente antes de Portugal nesta classificação, não só têm a distribuição mais desigual de rendimentos como os serviços públicos com menor grau de eficácia na sua diminuição. Na Holanda, por exemplo, os rendimentos são comparativamente idênticos, mas os serviços públicos contribuem para reduzir a desigualdade para níveis abaixo da média. Caso diferente é o da Austrália, cuja desigualdade de rendimentos se situa na média da OCDE mas que aparece em quarto lugar no que se refere ao impacto dos serviços públicos na redução das desigualdades.
Ou seja, e tal como referem os autores do estudo, "o caminho da desigualdade não é algo de inevitável". Pelo contrário: "os governos podem contribuir para diminuir o fosso entre ricos e pobres com a aplicação de políticas sociais efectivas, muitas das quais não necessitam de maiores gastos".

Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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