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O chão que pisamos - 8 ou mais reflexões

LISBOA, 8 DE NOVEMBRO DE 2008

  1. Encetou-se nas escolas portuguesas, desde o início do ministério de Maria de Lurdes Rodrigues, um processo contínuo de desilusões. Esperando maravilhas a partir dos discursos sobre a Escola, (aparentemente correctos?), sustentados pela maioria absoluta de um governo PS que parecia ter tudo nas mãos para responder aos anseios da classe docente e das comunidades educativas, rapidamente os professores perceberam que as promessas de dignificação das condições de trabalho se revestiriam de ataques cerrados da própria tutela à dignidade e à integridade com que durante tantos anos suportaram as más condições de trabalho.
  2. Os ataques à imagem dos professores, no intuito de convencer outros profissionais e a sociedade de que na docência nada se faz a não ser gastar o erário público, mais não foram do que uma estratégia de sustentação, agregada à intenção de levar um ambiente de mal-estar e de perseguições nas escolas. Um novo Estatuto da Carreira Docente, aprovado a 19 de Janeiro de 2007, retira a identidade aos docentes: divisão em duas categorias hierarquizadas, impedindo milhares de progredirem na carreira, aumento violento da carga horária lectiva e da não lectiva (incluindo nesta outros tipos de trabalho com alunos e tempos de permanência na escola desnecessários), menos tempo na componente individual para planificação, preparação e avaliação dos trabalhos. O desemprego aumentou. A avaliação de desempenho, burocratizada e longe do que é a vida da escola, pretende destacar o individual em detrimento do trabalho em equipa e da colaboração enquanto alavanca do sucesso de uma escola.
  3. A consciência do prejuízo que estas medidas estavam a acarretar ao bom funcionamento das aprendizagens, causou a indignação geral, que levou à rua, a 8 de Março de 2008, cem mil professores. A primeira grande vitória traziam-na já consigo: a unidade de 13 organizações sindicais, até então voltadas de costas umas para as outras. Uma Plataforma Sindical que pretendeu fazer frente a uma Ministra que ambicionou ignorá-los enquanto verdadeiros representantes dos professores e, por oposição, fazer dos Conselhos Executivos das Escolas seus interlocutores directos; esquecendo que estes foram eleitos pelos docentes para gerirem cada escola e que os Sindicatos são ainda os representantes nas lutas de fundo; ignorando que qualquer um via que os Conselhos Executivos só poderiam funcionar numa posição de subalternidade, de "mandatados" pela Ministra. E os Sindicatos, não.
  4. Só a força desses 100 mil educadores fez com que Sua Excelência se sentasse à mesa de negociações com a Plataforma Sindical, tendo esta, após uma consulta às escolas (que votaram sim à assinatura em cerca de 80%) estabelecido o "famoso" Entendimento, com o ME. Logo nessa altura surgiram com força protestos em alguns blogs e até mesmo a acusação de traição aos Sindicatos. O que não parece fazer muito sentido. Os sindicatos tinham que tomar uma posição. Dificilmente teriam docentes dispostos a fazer greves a avaliações ou por tempo indeterminado. A experiência em Portugal tem mostrado nos últimos anos o quanto é difícil a adesão unitária a formas de luta mais encrespadas. O entendimento (a força dos professores) permitiu ? convém não esquecer - que o processo de avaliação docente não se iniciasse no terceiro período de 2007/08 para mais de 90% de docentes, que as desesperantes revelações de avaliação de desempenho que temos vivido desde o princípio deste ano lectivo fossem consideradas uma etapa experimental a reformular ou a exterminar no fim do ano, que quem fosse agora avaliado negativamente não tivesse por isso quaisquer consequências na sua carreira, a constituição de uma Comissão Paritária com sindicatos, enfim, uma série de garantias imediatas que urgia alcançar.
  5. Naturalmente, desde o início de Setembro, o ambiente nas escolas deteriorou-se vertiginosamente: em cada um de nós, entre pares, entre nós e avaliadores que parecem ter deixado de ser pares, entre nós e Conselhos Executivos que Maria de Lurdes Rodrigues talvez gostasse de ver como uma espécie de capangas (e alguns ultrapassam mesmo o limite dos seus desejos). Criaram-se todas as condições para que, sentindo agora toda esta desconexão na pele, todos nós sentíssemos vontade de ir por aí abaixo "esganar" alguém que tanto sofrimento nos tem trazido e nos traz, no dia-a-dia. Quem é que não sente vontade de protestar?
  6. Neste contexto, voltaram a surgir na blogosfera inúmeros apelos contra o que se passa na escola: uns contra qualquer tipo de avaliação de desempenho, outros mais assim, outros mais assado e outros sem grande opinião. Para a maior parte, tratava-se de ir para a rua protestar. Curiosamente, logo muito cedo se pôs os sindicatos de lado, dizendo que se ia para a rua de qualquer maneira. Curiosamente pois não entendo a quem interessa ultrapassá-los, dando seguimento à política de Maria de Lurdes Rodrigues, isto é, dizendo que os sindicatos não representam os professores. É claro que é necessário reconhecer que neste pequeno mundo da blogosfera e dos e-mails que trocamos cada vez mais uns com os outros, surge um novo paradigma dos antigos (?) livros; nós dizíamos: "É a pura verdade! Está nos livros!". Até que descobrimos que não era bem assim. E o que aprendemos deverá fazer com que não caiamos nos mesmos erros: os blogs não têm toda a verdade e podem mesmo estar ao serviço de más intenções? Seja como for, foi fácil encontrar diversas posições neste mundo de anónimos e de identificados, desde o mais conservador ao mais revolucionário, desde o mais ordeiro ao mais inflamado. Até que ponto há uma verdadeira representatividade? é difícil saber; é também, ainda, muito difícil acreditar na capacidade de organização desta? gente? ? colegas? Com todo o respeito, porém. Todos nos podemos manifestar e ir para a rua a 15, 16, ou 20 de Novembro.
  7. Os Sindicatos não são perfeitos. Para que o fossem o mais possível, era necessário que ainda mais professores se sindicalizassem, participassem nas reuniões, dessem a sua opinião, protestassem quando fosse caso disso. Os tempos podem vir a mudar, talvez surja a ainda tão indefinida pós-modernidade, em que eles não tenham o lugar que hoje ocupam. Mas para já, queira Maria de Lurdes Rodrigues mudar o mundo ao seu jeito, ou não, ainda tem que os enfrentar, na defesa férrea dos interesses dos professores, das escolas e da sociedade portuguesa. Podem os sindicatos cometer os seus erros? mas convém não esquecer que eles são compostos por todos os docentes que queiram entrar pela porta principal, que deverão ser independentes de quaisquer interesses partidários e que têm a capacidade de organização já vista no 8 de Março, necessária para garantir a segurança de todos os manifestantes.
  8. Pelo que atrás fica exposto e depois de muitas reflexões - pessoais, com delegados sindicais a dizerem que os professores das suas escolas querem sair de qualquer maneira para a rua, com professores nas escolas ? parece-me bem que a FENPROF, a Plataforma Sindical e todos os docentes saiam para a rua a 8 de Novembro. Com todos aqueles que pensaram ir (também ou só) no dia 15. Lá estarei. Porque respeito todos os meus colegas. Porque ? sem deixar de aceitar o valor de alguns dos movimentos individuais, ou de pequenos grupos que incitaram as escolas a manifestarem-se no dia 15 - reconheço como erro o facto de não terem contado com os Sindicatos. Qualquer um pode e deve manifestar-se como deseja. Mas, daí até ter o orgulho de se poder autodenominar representante dos professores vai um longo caminho, de muitos sacrifícios, muitas dores e muitas alegrias. Estarei na rua a 8 de Novembro, em Lisboa. Ao lado do secretário-geral da FENPROF, sobretudo no respeito pelo que esta Federação tem representado para os professores. O meu desejo é que 8 de Novembro seja uma grande manifestação. Ao lado de todos os sindicatos e ao lado de todos os movimentos que saibam reconhecer o chão que pisamos.


    Rafael Tormenta

  
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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