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3/2008!

Em Portugal vivemos sucessiva e frequentemente vários "estados de alma" sobre o nosso lugar no conjunto das outras nações. Umas vezes estamos a disparar para a convergência, na senda imparável do desenvolvimento, até nos primeiros lugares virtuosos do crescimento e desenvolvimento; outras vezes descemos ao chão enlameado do imobilismo, da falta de medidas enfim do atraso. Ainda recentemente experimentamos este claro/escuro quando depois das ridentes projecções económicas do ministro das Finanças se anunciou o tropeço e queda das bolsas. Afinal, diziam os comentadores, já não vai ser possível o prometido progresso... E isto em dois dias consecutivos...
Entretanto saiu a nova lei que organiza a Educação Especial, o decreto-lei 3/2008. E a questão é em que dia estamos: no dia do progresso ou dia da recessão?
Vamos ao "primeiro dia": com tanta experiência, formação, pós-graduações, estudos e contactos internacionais era de esperar que a nova legislação fosse avançada no sentido da inclusão e da qualidade. O facto de se reafirmar a rota rumo à Educação Inclusiva e a fidelidade a Salamanca é uma declaração positiva. O facto de se assumir que o local de escolarização dos alunos com dificuldades é a escola regular é também uma posição consentânea com os documentos internacionais mais recentes (cf: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ONU, 2006, art. 24). Outros aspectos tais como a participação activa dos encarregados de educação são adequados ao que se esperaria de uma legislação publicada 8 anos depois do ano 2000.
Mas veio o "dia seguinte"... O dia em que algumas das promessas soaram a falso. Antes de mais a partir do processo que foi seguido na elaboração desta lei. Atribui-se a Clemanceau, que foi primeiro ministro francês, a frase "A guerra é demasiado importante para ser deixada aos militares". Bom, o Ministério da Educação parafraseou Clemanceau quando actuou de forma a que "A Educação Especial é demasiado importante para que sobre ela se pronuncie quem dela entende...". Apesar de frequentes alertas, tomadas de posição, apelos ao diálogo, nunca foi manifesta (porque foi ocultado) a base científica e de conhecimento empírico com esta lei foi elaborada. Aqui, estamos no campo das opiniões, provavelmente no campo dos programas políticos e das restrições económicas, mas não numa análise científica e empírica que nos informe uma orientação de acção.
Neste tal "dia seguinte" soubemos também que com a mesma inexistente base justificativa se adoptou a Classificação Internacional de Incapacidade (vulgo CIF) para orientar a intervenção com alunos com NEE. Aqui, o "dia seguinte" foi ainda mais doloroso... O ME começa por usar um instrumento que tinha sido criado para adultos e vem (numa grande trapalhada) emendar a mão dizendo que se trata da versão de 2007 já adaptada para crianças jovens. Só que... esta versão nem sequer está ainda traduzida para português... O ME ficou mudo perante a crítica à CIF que um documento publicado pelo Fórum de Estudos de Educação Inclusiva em Março de 2007 e subscrito por docentes de 18 Universidades e Institutos Politécnicos Portugueses.
O resto é bem mais conhecido: restringir os serviços de Educação Especial aos alunos que têm uma condição de deficiência é um anacronismo. Isto porque muitos alunos com deficiência não têm NEE e muitos alunos com NEE não têm deficiência. Ouvimos um responsável ministerial dizer que os alunos disléxicos podem ter apoio especializado. Claro que podem mas não por causa desta lei: podem ter porque em muitos agrupamentos os conselhos executivos, os conselhos pedagógicos e os professores se recusam a degradar ainda mais o apoio que até agora prestavam e continuam, apesar da lei, a dar apoio especializado aos alunos que dele necessitam. Isto claro até chegarem as "inspecções periódicas" das DRE, que tudo fazem para pôr fora da lei o que as escolas já se tinham organizado (e bem) para fazer. E neste campo e para legislar adequadamente talvez fosse só necessário ter os olhos abertos para o que se estava já a passar na realidade.
Cabe aqui uma palavra de incentivo aos professores e outros técnicos que trabalham empenhadamente para a educação de alunos com dificuldades no sentido de não desanimarem e manterem a esperança porque as leis passam mas eles ficam...

David Rodrigues


  
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Edição:

N.º 175
Ano 17, Fevereiro 2008

Autoria:

David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva
David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva

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