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De que falamos quando falamos em Pedagogia Social

A sociedade do século XXI elege a educação como um direito humano básico, condição indispensável à actualização de todos os outros direitos devendo, como tal, constituir um vector estruturante das políticas de solidariedade. Por um lado, acredita-se que a educação ocupa um lugar central na capacitação subjectiva e cívica dos sujeitos e, por outro, reconhece-se que não é possível promover uma sociedade do conhecimento num cenário de exclusão social. A racionalidade pedagógica é assim convocada a constituir-se como parte interessada no debate público sobre a «questão social», expressão com que se convencionou designar o conjunto de problemas que afectam o processo de desenvolvimento humano em determinada época histórica, tanto no plano individual como colectivo.
Configurados em termos de beneficência, mutualização ou filantropia, os tradicionais esquemas de intervenção social têm vindo a revelar-se desajustados às novas realidades. Os laços sociais não são naturais, como se pensava nas sociedades antigas, nem são redutíveis a uma regulação de carácter contratual alicerçada em medidas de «segurança» e «assistência» que, afinal, cobrem apenas uma parte da sociedade, aquela que é detentora de direitos resultantes do seu vínculo laboral, deixando «de fora» muitos outros. Multidimensionais, precários, contingentes e fluidos, os laços que tecem a coesão social numa sociedade fragmentada e fortemente segregativa carecem de protecção mas também, ou fundamentalmente, de promoção e reinvenção constantes. Neste sentido, o termo «social» junta-se ao termo «pedagogia» designando um objecto de estudo e um território de acção específicos mas também, ou sobretudo, um objectivo: o de encontrar estratégias de mediação humana que ajudem a «fazer sociedade». Pode-se dizer que a pedagogia social nasce de uma relação de hospitalidade originária entre a esfera educacional e a esfera da solidariedade social, correspondendo nesse plano a um espaço novo, a um «terceiro lugar» ou «lugar comum».
Em boa medida tributária da «tradição espanhola», a escassa literatura nacional produzida sobre este assunto tende a convergir para a definição de pedagogia social como ciência da «educação social», nomeando assim todo o universo de aprendizagem social possível. Por razões que transcendem a divergência terminológica, considero pouco adequado identificar como «educação social» a totalidade do campo prático da pedagogia social. Por outro lado, entendo que a pedagogia social não pode ser tomada por um saber excessivamente generalista e de tal forma substantivado que perde toda a sua consistência e operacionalidade empíricas.
Na tentativa de encontrar esteios de racionalidade que ajudem a vertebrar o corpo de conhecimento designado por «pedagogia social» e assumindo os riscos inerentes a uma sistematização inevitavelmente redutora, sobretudo quando equacionada num espaço de escrita como este, arrisco indicar as acepções de pedagogia social que me parecem mais pertinentes, salientando que elas só poderão ser compreendidas a partir da sua interdependência dinâmica. Quando falamos em «pedagogia social» podemos estar a referirmo-nos a: I) uma ciência, inserida no campo epistemológico das ciências da educação e tendo como objecto de estudo a aprendizagem social num cenário de educação «na e com a vida»; II) uma disciplina académica, com justificada inclusão nos currículos de ensino superior, em todos os seus ciclos de formação, sobretudo nos cursos que à partida se reconhecem vocacionados para a missão pedagógica, escolar ou extra-escolar; III) um saber técnico-profissional que pode, nalguns casos, ser mesmo assumido como saber matricial, como tende a acontecer hoje em Portugal com a Educação Social e a Animação Sóciocultural; IV) uma filosofia de acção indexada a valores de humanismo relacional. Nesta acepção, a pedagogia social surge adjectivada de múltiplas formas, de acordo com a dimensão axiológica privilegiada. A linha que tenho vindo a tentar fundamentar aponta para uma «pedagogia de proximidade humana» ou «pedagogia de hospitalidade social». Reconhecendo os incontornáveis factores de incerteza e complexidade que marcam o devir temporal, mas recusando a rendição à lógica cega do aleatório e da contingência, inaceitável quando em causa está a intervenção intencional no devir humano, penso que importa ainda arriscar uma explicitação dos domínios estratégicos da pedagogia social à luz das exigências da nossa contemporaneidade. É o que me proponho fazer na continuação deste texto, começando pela Educação Social dada a relevância, a especificidade e o grau de autonomia técnica já atingido neste domínio, concretamente no nosso país.

Isabel Baptista


  
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Edição:

N.º 175
Ano 17, Fevereiro 2008

Autoria:

Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto
Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto

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