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Memória e formação de professores: uma reflexão inaugural

Proponho-me aqui a refletir e os convido a pensar comigo sobre as perspectivas teóricas, temáticas e metodológicas dos estudos sobre memória e formação de professores. A memória, como elemento constitutivo da formação humana, é aqui pensada a partir de estudos e da atuação como professora da disciplina "Memória e formação de professores" no curso de Pós-graduação em Educação da UNINCOR/MG, Brasil. Este trabalho é parte do processo de sistematização dessa experiência e da pesquisa bibliográfica, ou seja, nasceu de uma cartografia de estudos, o que nos permitiu elaborar a problemática aqui analisada.
Reconhecemos que certos acontecimentos sociais que se deram desde os finais do século XX, depois da queda do Muro de Berlim, até os que já ocorreram no século XXI têm-nos levado a tomar o acto de lembrar, contar e narrar como uma estratégia sócio-política ou como uma exigência de várias ordens. No âmbito social, político, literário e até educacional, foi-se gerando um culto significativo pela memória e têm-nos levado a retomar o ato de lembrar, contar e narrar como uma necessidade de articular, que é um fenômeno bastante complexo. Andréas Huyssen fez uma cartografia do auge da memória, delimitando três planos:[?]o dos diversos espaços e narrativas em que esse auge se manifesta, o da planificada obsolescência dos objetos cotidianos do mercado? da que faz parte a acelerada sincronicidade produzida pelos meios de comunicação? e o da crises da experiência moderna de tempo. (HUYSSEN apud MARTIN-BARBERO, 2000, p. 36)
Esses planos atingem o espaço educativo, desde a educação formal infantil até os estudos de pós-graduação e coincide, também, com a exacerbada mercantilização da educação, que vem acompanhada da rápida obsolescência de propostas, inovações e objetos e das dificuldades para compreender a rapidez e virtualidade com que acontecem os encontros. Vão-se perdendo alguns referenciais de tempo e espaço e vai ressurgindo a busca por outros nexos. Embora a cultura da memória não seja regida por uma lógica, seja ela histórica, sociológica ou antropológica, entre outras, para compreender a articulação presente, passado e futuro da formação do professor, cada dia mais, recorremos à biografia na sua dimensão subjetiva na busca de rememorar e soldar pedaços de uma experiência que está em crise.
O auge do estudo da memória e da educação ao longo da vida sustentada no paradigma da lifelong learning, que se desenvolveu a partir de meados dos anos 90, incorpora definitivamente o professor como aquele que também aprende. Nesse contexto, percebemos que a cultura da memória tem estratégias para trazer à tona até as mínimas experiências. Entretanto, questionamos se na articulação presente, passado e futuro recorremos a estudos biográficos para resolver problemas globais da formação dos professores ou para orquestrar uma experiência que está em crise. Ou outro(s) motivos?
Parafraseando o professor brasileiro Paulo Freire, consideramos que não chegamos aqui sozinhos e vazios, mas carregamos conosco a memória de muitas tramas e um corpo molhado pela história e pela cultura. De fato, vamos tramando os pedaços de tempo que nos constituem numa rede maior. Quando percebemos o parentesco entre o tempo vividos e os tempos por vir é que se dá o processo de formação, o qual, em parte, depende das "soldaduras" que fizemos e faremos dos instantes vividos. Experimentar o acto de lembrar e de formar criticamente, como opção político ? pedagógica exige o respeito pelo esforço, pelas condições e pelas contradições da realização. Assim, busca-se refletir e oferecer elementos para o debate crítico sobre a temática, já que entendemos que a memória e os estudos biográficos articulam-se perfeitamente na formação de professores. Com a finalidade de valorizar o diálogo, este trabalho se organizou em sete tópicos que serão publicados sucessivamente: Memória e formação de professores: uma reflexão inaugural; Contexto dos estudos biográficos e memorialísticos; A memória na formação e na pesquisa; Perspectivas teóricas nos estudos sobre memória e formação; Ampliação da experiência pelo relato; A espera ativa como tempo de realizações e memória ; Temáticas que movem o professor a lembrar, falar e escrever; Possibilidades metodológicas nos estudos sobre memória e formação e; Uma compreensão da memória como constitutiva da formação dos professores. (a continuar).

Referências bibliográficas

  • MARTIN-BARBERO, Jesús. El futuro que habita la memoria. In GOMEZ, G. S. E OBREGÓN, M. E. W. (comps.) Museo, memoria y nación. Ministerio de Cultura/ Museo Nacional de Colombia, Bogotá: 2000.

Margarita Victoria Gómez


  
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Edição:

N.º 174
Ano 17, Janeiro 2008

Autoria:

Margarita Victoria Gómez
Universidade Vale Rio Verde Minas Gerais
Margarita Victoria Gómez
Universidade Vale Rio Verde Minas Gerais

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