Hoje levantei-me cedo, com uma missão que não cumpri, por razões que me não são imputáveis. Uma das tarefas que me tinha proposto nesta incursão matutina foi a de lavar o carro numa bomba de gasolina logo ali à mão de semear. Quis o azar, porém, que a gasolina se finasse mesmo ali a escassos 3 metros da bomba. Fiquei nervosa devido à situação; os protestos sonoros, e alguns verbalizados, dos outros automobilistas, em carros de cilindrada upa-upa, agravavam o meu nervosismo. Ainda assim lá me lembrei do triângulo, dirigindo-me, em seguida, em busca do precioso líquido. Acto contínuo: a chegada intempestiva de um agente da autoridade. (Nunca os há quando precisamos deles, mas se um cidadão tem um percalço, materializam-se logo ali, como por encanto). Rodei nos calcanhares e pressurosa, a correr literalmente, tentei explicar o ?abandono do veículo em plena via?. Levei uma reprimenda por não ter vestido o colete reflector, sob um sol luminoso, e mal ouvi atarantada (as figuras que uma pessoa faz) as penas em que incorria por semelhante delito. Senti-me uma facínora. Lá titubeei mil desculpas, e o polícia foi, por esta vez, compreensivo, ajudando, honra lhe seja feita, a ?desbloquear a situação?, isto é empurrando o veículo infractor, e a ?agilizar ? a coisa. Alguns dados pessoais a fornecer, e já está! Mas nem me atrevi a declinar a profissão - professora. Já mais calma e com gasolina (pouca, que está pelos olhos da cara), levei o carro para o banho. Nesse interim, pus-me a observar o ambiente circundante e os actores que enchiam a paisagem, humanizando-a, tendo como pano de fundo o vaivém constante do tráfego, assaz intenso, apesar da hora. Ou talvez por isso mesmo. Um homem num carro enorme, reluzente, ainda mais reluzente depois do banho na lavagem automática, a ser atendido à minha frente, uma vez que ?a operação seria mais rápida?. Pois, pois! Outro sobraçando um dos jornais que mais vende, com pouco texto, muitas imagens chocantes e português rasteiro. Ervas daninhas e secas (até a chuva se ausentou das nossas vidas sedentas) a pularem alegremente os passeios esventrados de paralelepípedos amontoados ao lado, e umas ruínas, muito ruínas mesmo, só já vestígios de algo de gosto duvidoso, e de valor histórico mais-que-duvidoso, poupadas pela estrada que obrigou (e bem) a um desvio para preservar o que não está a ser preservado; antes está a cair aos pedaços a cada dia que passa. E lixo, muito lixo, em redor daquele espaço de vida moderna q.b., com muita publicidade a paraísos soalheiros. Dentro da loja de conveniência (tradução pelintra de realidades transnacionais muito ?in?), uma panóplia de comestíveis que nutricionistas competentes e compenetrados se esforçam, em programas estéreis porquanto de fraca audiência, por afastar das nossas bocas ávidas; revistas de acontecimentos mundanos com os heróis do momento. Onde há lugar para Platão, Saramago, Vergílio, nós górdios ou acribia? Para as declinações latinas ou os sinais de + e ?? Ah! E ?como o Ronaldo fugiu ao destino de miséria?.Entre um professor enxovalhado e carro de baixa cilindrada, e os ensinamentos do Ronaldo, quem hesitaria? E viva o cavaquismo revisitado, lembram-se? ?O país evoluiu! Basta ver que o parque automóvel cresceu 50%!?Pois? Mas continuei o meu dia a fazer o que mais gosto: a leitura. E a escrever reflectindo, ou reflectindo escrevendo.
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