Página  >  Edições  >  N.º 156  >  Temas e problemas em que nunca é demais reflectir [II]

Temas e problemas em que nunca é demais reflectir [II]

No sulco do livro sob o signo de Einstein

Outra Grande Questão, que a História das Civilizações e das Culturas tem registado, e para a qual ainda não se encontrou a resposta devida, é a seguinte: por que motivos ou factores surgiu a Teologia (e, nessa óptica, as Faculdades autárcicas de Teologia, nas universidades), constituída como Saber autónomo, em confronto com a Filosofia?! ? em última análise, porque a Filosofia se deixou corromper e abastardar, ao serviço da Ordem/Desordem Estabelecida (E. Mounier), a soldo das classes dominantes (como diria K. Marx).
Fosse a Filosofia adulta e crítica, e não carecíamos de Teologia (autónoma e separada) para nada, uma vez que o ?vero? Deus, ou não existe na sua transcendência metafísica, ou tem a sua residência oculta (enquanto notio original/originante) no espaldar da Consciência de cada Ser Humano, qua humano. E, aqui, é sabido: ?Qui definit, finit?! Por isso, na esteira de E. Lévinas, diremos que a Ética é que é a Filosofia Primeira (para em-pregar a terminologia do Filósofo de Estagira). Com efeito, a vera e autêntica Consciên-cia individual-pessoal não pode ser objectivada/objectualizada, por definição da sua pró-pria realidade essencial.
Convém não esquecer a situação paradigmática de I. Kant (1724-1804): Acaban-do por actuar em nome do Poder-Dominação d?abord, ele foi censurado e viu-se forçado a submeter-se ao Diktat do rei Frederico Guilherme II da Prússia, por causa do ?escânda-lo? que havia produzido a publicação do seu livro ?A Religião dentro dos Limites da Sim-ples Razão? (1793). Na sequência disso, o filósofo (tanto quanto nos é dado supor, con-trariado...) explicou a sua posição, no opúsculo ?O Conflito das Faculdades?, onde acaba por atribuir o primado absoluto, na engineering societária, à Teologia, em contraste com a Filosofia e a sua prática quotidiana!... O agastamento de Kant e a sua lealdade de súbdi-to, perante um monarca, que até o reconhecia e considerava como homem de grande Sa-ber, são bem patentes na correspondência de 1794 entre os dois. (Cf. Immanuel Kant: ?O Conflito das Faculdades?, Edições 70, Lisboa, 1993, pp.9-16).
Tolerância: Que é isso, num Mundo restringido e limitado à religião do Objectivo-Objectualismo?! Onde aos Sujeitos não é atribuída a condição de hipóstases substantivas, completamente assimétricas aos Objectos?!
Voltaire (um dos maiores vultos das ?Lumières? francesas do séc. XVIII) publica, em 1763, o seu famoso ?Traité sur la Tolérance?, guiado justamente pela Razão e pelo sentimento da Tolerância. Ao opor-se à superstição e à intolerância da Cristandade e do Cristianismo tradicional, ele ainda permaneceu vinculado ao Deísmo, (ancorado no new-toniano Universo/máquina de leis naturais, o qual, uma vez criado, não carecia da ?chi-quenaude? directa e permanente da Divindade. Em resumo, Voltaire deixou o lastro ideo-lógico/filosófico suficiente, para se poder justificar o Despotismo iluminado, em todos os azimutes, apesar de ter continuado a protestar, satiricamente, com o slogan: ?Convém que o povo seja guiado; o que não convém é que ele seja instruído?!... Desta sorte, o seu outro slogan, mais conhecido, não atingiu os efeitos pretendidos: ?Écrasez l?infâme?!...
Tolerância!... O Ocidente começou a aprendê-la, muito recentemente, a partir do Iluminismo do séc. XVIII e dos Enciclopedistas, os chamados ?philosophes?. Hodierna-mente, porém, os ocidentais (aqueles que mais têm apregoado a prática da Tolerância no Mundo contemporâneo...) ainda não sabem muito bem, que coisa seja a matéria que ensi-nam!...
Os quatro pontos cardiais da Tolerância, que é preciso conhecer e caracterizar di-ferenciadamente:
1. A Tolerância, que procede e é ditada pelo catecismo das Autoridades societa-riamente constituídas e actua segundo a Ideologia do Establishment.
2. A Tolerância, que procede da Contra-Cultura, ou seja, dos críticos da Ordem estabelecida, das periferias, dos excluídos e marginalizados, bem como dos revoltados e revolucionários, que lhe dão guarida e voz. Aqui, convém ter sempre em conta a noção de que há os que se acham na ?mó-de-cima? da Sociedade e os que se encontram na ?mó-de-baixo? da mesma!...
3. Face à Arquitectura societária (Estado/Nação, Império, uma grande Comunida-de religiosa, um grande Aglomerado sócio-político), há a Tolerância (dita natural...), nas relações ad intra, a qual é sempre limitada, por definição.
4. Face à mesma Arquitectura, pode haver a Tolerância, no relacionamento ad extra, isto é, em confronto com o Outro e o culturalmente Diferente, em confronto com as outras Entidades/Comunidades/Sociedades. O calcanhar de Aquiles ou a pedra de to-que da filosofia da Tolerância é por esta bitola que tem de ser medido: a da sua universa-lização efectiva, sem perda da Identidade humana essencial.

Nota:
Este texto é a 2.ª de 3 partes, a 1ª foi publicada no número de Abril


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 156
Ano 15, Maio 2006

Autoria:

Manuel Reis
Professor e Presidente do Centro de Estudos do Humanismo Crítico. Guimarães
Manuel Reis
Professor e Presidente do Centro de Estudos do Humanismo Crítico. Guimarães

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo