Página  >  Edições  >  N.º 154  >  "Organização e distribuição do serviço docente nas escolas"

"Organização e distribuição do serviço docente nas escolas"

Um grupo de trabalho constituído por representantes das Direcções Regionais de Educação, da Inspecção-geral de Educação, das Organizações Sindicais subscritoras do acordo assinado em 16 de Novembro de 2005 (ante-véspera da greve dos docentes) entre o Ministério da Educação (ME) e três organizações sindicais, e dos dois Gabinetes dos Secretários de Estado da Educação, apresentou há dias o relatório preliminar ?encomendado? pelo ME sobre ?Organização e distribuição do serviço docente nas escolas?. Na prática, este heterogéneo grupo de trabalho acolheu os despachos nº 16.795/2005, de 3 de Agosto, e 17387/2005, de 12 de Agosto e, no terreno, verificou e registou os procedimentos adoptados pelos agrupamentos/escolas nas diversas vertentes da mudança, fazendo a respectiva análise.
Trata-se de um importante instrumento de trabalho que todas as escolas devem analisar e discutir, que para além de ?privilegiar... os procedimentos adoptados pelos agrupamentos/escolas para ocupação dos tempos escolares...?, apresenta igualmente ?um elenco dos aspectos positivos da ocupação dos tempos escolares dos alunos e dos constrangimentos que os agrupamentos/escolas sentiram na sua implementação.?
Tendo como pano de fundo a ?promoção de uma escola a tempo inteiro?, requerendo-se para tal ?a criação de novos enquadramentos educativos ? curriculares e não curriculares ? particularmente estimulantes para conseguir elevar o nível de proficiência de todas as nossas crianças e jovens?, o grupo de trabalho elenca três aspectos positivos (alargamento do horário das escolas do 1º ciclo, a implementação da ocupação dos tempos escolares e a generalização do ensino do Inglês nos 3º e 4º anos do 1º ciclo do Ensino Básico) apontando em contrapartida onze  ?constrangimentos?, dos quais destaco dois: ?a ausência ou inadequação de espaços tem sido um obstáculo à organização de actividades diversificadas? e ?a implementação destas medidas coincidiu com o período de férias da generalidade dos principais actores ? os docentes ? que não tiveram a possibilidade de participar activamente no processo.?
Julgo que estes dois pontos são o ?calcanhar de Aquiles? de uma mudança na ?escola pública a tempo inteiro?. Por um lado, bem sabemos que muitas escolas não possuem estruturas físicas (nem recursos humanos) para acolher as exigências de uma ?escola a tempo inteiro?, embora algumas já as possuam. Por outro lado, os actores educativos não puderam participar e colaborar na elaboração/implementação destas medidas, sendo certo que são os actores principais, devendo saber que papel lhes foi atribuído antes de irem para cena. Aos ?constrangimentos? apontados por este grupo de trabalho, acrescentaria um principal que esteve na base de alguns falhanços das políticas educativas dos anteriores governos: a falta de autonomia das escolas.
Estou convicto que todas estas alterações que desde o início do ano lectivo foram implementadas no sistema educativo nacional, teriam mais ?aspectos positivos? e menos ?constrangimentos? caso a autonomia (inexistente) das escolas fosse uma realidade legislada, implementada, efectiva e praticada nos estabelecimentos de ensino nacionais, sedentos de colocar em prática muitas das suas ideias e projectos que, não raras vezes, são coarctados por um centralismo atroz e exacerbado de um gigante (ME) poderoso, controlador e impositor. A autonomia (efectiva) dos estabelecimentos de ensino é um passo que terá de ser dado com a mesma coragem e determinação como foi a aplicação desta nova política educativa. Os agrupamentos/escolas devem ser dotados de verdadeira e ampla autonomia, de forma a que a navegação no barco da educação que cada agrupamento/escola faz, seja decidida em conjunto pelos próprios tripulantes e nunca por quem, no porto (leia-se ?5 de Outubro?), só sabe da existência de novidades da embarcação quando a comunicação social resolve falar (normalmente mal e por mal) dele ou de algum dos seus tripulantes.
As escolas não querem adoptar um perfil baixo e navegar ?à vista?, para evitar problemas. Os nossos estabelecimentos de ensino anseiam por uma autonomia, acompanhada da respectiva responsabilidade e, consequentemente, de uma gestão profissionalizada e democrática, onde o professor/gestor é a figura de topo de uma grande ?embarcação? assumindo-se como profissional de uma profissão específica (gestor escolar), com estatuto próprio, ?possuindo os meios intelectuais e afectivos, competências de análise e saberes de acção?, conforme escreveu  Pelletier (1996).
Julgo que, com este Governo Constitucional, a opção dos nossos governantes, passará, necessariamente, pelo que acima referi, sob pena de reformando as práticas diárias das/nas nossas escolas, ignorando a autonomia (efectiva) e a gestão (profissionalizada) das mesmas, o nosso sistema educativo continuar a regredir, jamais atingindo as performances dos nossos parceiros europeus.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 154
Ano 15, Março 2006

Autoria:

Filinto Lima
Professor, Oliveira do Douro
Filinto Lima
Professor, Oliveira do Douro

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo