Uma tarde, ao olhar pela janela, vi um funeral a passar na rua. Caixão simples, sobre carreta puxada por um só cavalo. Atrás, toda de preto, caminhava a viúva e mais três pessoas, provavelmente parentes do defunto. O modesto cortejo não me teria chamado a atenção, não fora o caixão estar coberto com uma bandeira onde se lia a inscrição TRÊS VIVAS. Intrigado, saí de casa e juntei-me ao cortejo. Em breve, chegámos ao cemitério. O defunto foi sepultado num canto retirado, junto a um grupo de faias. Conservei-me afastado durante as cerimónias fúnebres, mas depois aproximei-me da viúva para apresentar os pêsames e informar-me da identidade do defunto. Soube que fora funcionário público. Comovida pelo meu interesse, a viúva apressou-se a informar-me dos últimos anos de vida do seu defunto marido. Queixou-se que ele arruinara a saúde a fazer voluntariamente trabalhos desusados: passava todos os seus tempos livres a escrever memórias e cartas sobre novos métodos de propaganda. Nos últimos anos de vida, a sua preocupação única era pôr em acção slogans propagandísticos. A minha curiosidade aumentou e pedi licença para ver alguns desses escritos. Ela acedeu de boa vontade, e deu-me duas folhas de papel amarelecido escrito com letra cuidada e um tanto fora de moda. Foi assim que acabei por ler as suas memórias. «Consideremos as moscas, por exemplo», era esta a primeira frase. «Depois de jantar, costumo observar as moscas a voarem à volta do candeeiro, e tal facto estimula-me o pensamento. Imagino como seria maravilhoso se as moscas pudessem compartilhar da nossa consciência social. Se tal acontecesse, apanhava-se uma, tirava-se-lhe as asas, mergulhava-se no tinteiro, punha-se depois numa folha de papel limpa, e vê-la-íamos em evoluções escrevendo: DÊ O SEU APOIO À FORÇA AÉREA, ou um outro slogan qualquer.» Quanto mais lia, mais claro para mim se tornava o perfil do defunto. Devia ter sido homem sincero, profundamente preocupado em coligir slogans e inscrições, sempre que lhe era possível. Entre as suas ideias mais originais contava-se a do cultivo dum trevo especial. «Da cooperação entre artistas e biólogos», escrevia, «devia ser possível criar uma nova espécie de trevo. Presentemente, esta planta dá flores de uma única cor, mas se a semente for devidamente preparada, as flores poderão vir a parecer-se com um dos nossos chefes ou heróis do trabalho. Imagine-se um campo de trevo no tempo da floração! Evidentemente que temos de nos precaver contra possíveis erros. Seria lamentável se, da mistura de sementes, a face de um dos nossos chefes, que conhecemos sem bigode ou óculos, aparecesse na flor com eles. A única solução seria ceifar o campo e semeá-lo de novo.» As ideias do velho tornavam-se cada vez mais intrigantes. Quando acabei de ler as memórias, cheguei à conclusão de que o slogan TRÊS VIVAS tinha sido posto no caixão a seu pedido. Desta maneira, desejava o abnegado inventor e propagandista fanático demonstrar todo o seu entusiasmo, até mesmo na última viagem. Fiquei com curiosidade em descobrir as circunstâncias exactas da sua morte e resolvi investigar. Não foi surpresa para mim verificar que tinha sido vítima da sua própria paixão. Por altura do DIA NACIONAL, despiu-se completamente e pintou no corpo sete listas verticais de várias cores. Depois saiu para a varanda, subiu à balaustrada e tentou fazer aquilo que é conhecido por «caranguejo» entre os entusiastas do exercício físico dobrar-se completamente para trás em arco, apoiando o corpo nas mãos e nos pés. Desta maneira, pretendia ele desenhar a figura viva do arco-íris, o símbolo da esperança. Pois bem! a varanda ficava a nove metros do chão. Fui ao cemitério para voltar a ver a campa. Durante muito tempo procurei, em vão, o grupo de faias junto do qual ele tinha sido sepultado. Por fim, resolvi seguir uma banda que regressava de uma Parada. Tocava uma marcha alegre.
|