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Algumas questões pedagógicas

O DRAMA DAS COLOCAÇÕES

Numa sociedade que promove o êxito social e o sucesso pessoal - , crescerá a tendência para se olhar o professor como alguém que, à partida, representa precisamente a precariedade, quase que o fracasso. Um fracasso público em que a privacidade de cada frustração individual é multiplicada e remetida para a tremenda vulgaridade da curiosidade colectiva. Assim, em concorrência com a força da solidariedade, cresce o fermento de uma degradação em torno da sua identidade.

Os recentes desaires no processo de colocação de professores levantam, conjuntamente com os dramas pessoais, problemas de ordem pedagógica e profissional, menos falados, mas que urge equacionar. Problemas que ampliam significativamente as repercussões da irresponsabilidade e da incompetência daqueles que originaram toda esta situação, a qual ganhou a dimensão de um autêntico escândalo público.
Na verdade, a mediatização do desalento, do desespero e da revolta das primeiras vítimas da desregulação deste processo de colocação trouxe consigo (na sequência, aliás, de anos anteriores, mas agora em muito maior escala) uma importante alteração da imagem social da figura do professor e a consequente reconfiguração do seu perfil diante dos alunos e, de uma maneira geral, da comunidade escolar. Ainda que na ausência de qualquer estudo objectivo e cientificamente sustentado, não custará admitir que se assiste à confrontação dessa imagem e desse perfil com a fragilidade do seu vínculo e da sua carreira profissional.
No fundo ? numa sociedade que promove o êxito social e o sucesso pessoal - , crescerá a tendência para se olhar o professor como alguém que, à partida, representa precisamente a precariedade, quase que o fracasso. Um fracasso público em que a privacidade de cada frustração individual é multiplicada e remetida para a tremenda vulgaridade da curiosidade colectiva. Assim, em concorrência com a força da solidariedade, cresce o fermento de uma degradação em torno da sua identidade.
Esta situação poderá, a prazo, contribuir para a delapidação do professor enquanto pólo forte da relação educativa, numa altura em que, perante a crise generalizada dos modelos familiares e sociais de referência, seria capital preservar e até promover o seu estatuto.
Acresce que concomitantemente se expande a ideia de que a carreira docente é algo a evitar porque, sendo exigente, é insegura. Se agora se fala de excesso de professores, aguardemos para ver o que vai acontecer nos próximos anos em termos de deserção dos efectivos existentes e de desertificação das potenciais vocações. Corremos o risco de nos debatermos com uma preocupante carência de quadros neste sector, problema aliás já existente em diversos países europeus.
É verdade que o carácter nacional e massivo dos concursos de professores faz com que se olhe cada licenciado como um professor desempregado ou em busca do lugar de professor enquanto que, por exemplo, cada licenciado em direito, apesar do seu grande número, não é especificamente visto como um advogado no desemprego. Mas, bem mais grave do que isso é depararmo-nos com o redemoinho de listas e reclamações que, sucedendo-se incrivelmente no tempo, espelha a incapacidade da máquina do Estado para gerir os interesses dos cidadãos e, neste caso muito concreto, para administrar a educação.
A demagogia política ? de que o país há muito está farto! ? leva depois os responsáveis a dinamitar o enquadramento pedagógico do início do ano lectivo propondo levianamente que o mesmo arranque nas escolas de qualquer maneira, ou seja, sem a imprescindível planificação pedagógica. Isto acontece porque o calendário político ? ditado não pela ponderação mas antes pelo atabalhoamento - se procura sobrepor violentamente, isto é, pelo uso arbitrário de um poder  que se sente acossado, ao calendário lectivo ? Com que moral irá depois esse mesmo poder exigir às escolas o correcto desenvolvimento dos seus projectos educativos?
Ainda há pouco nos queriam libertar dos males do pedagogismo dos teóricos da educação em nome do pragmatismo social e político. Mas que pensar quando assistimos agora a este autêntico bombardeamento do edifício educativo pelo aparelho burocrático do Estado? Quem vai remediar os estragos?
Se, apesar de tudo, não forem, uma vez mais, os professores e os pedagogos, ninguém o fará no seu lugar. Só que tendo eles, neste momento, de percorrer caminhos cheios de escombros de que não são responsáveis e que nunca deveriam ter existido. Quem vai reconhecer e recompensar este esforço acrescido?
Lição desta triste história:
Que voltem os ?filhos de Rousseau? ? Estão perdoados!


  
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Edição:

N.º 138
Ano 13, Outubro 2004

Autoria:

Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto
Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto

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