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A reorganização do centro para a recentralização (III)

A orgânica de 1993 optava com clareza por uma organização de tipo desconcentrado, confirmando as grandes opções da orgânica anterior e deixando cair qualquer possibilidade de uma direcção e de uma administração da educação mais democráticas e participadas.

O potencial descentralizador e autonómico discursivamente aberto pelo texto da nova orgânica do Ministério da Educação, aprovada  em 1987, que remetia para a criação de futuras regiões administrativas, consoante o princípio constitucional, acabou por ser completamente inviabilizado no início da década de 1990. Por um lado, a regionalização do país foi adiada e, por outro, a orgânica seguinte, aprovada em 1993 (Decreto-Lei n.º 133/93, de 26 de Abril) optava por uma política inversa face a eventuais propósitos de democratização e descentralização da administração da educação. Na verdade, a orgânica de 1993 optava com clareza por uma organização de tipo desconcentrado, confirmando as grandes opções da orgânica anterior e deixando cair qualquer possibilidade de uma direcção e de uma administração da educação mais democráticas e participadas.
O diploma adoptava uma perspectiva tipicamente gerencialista e eficientista, centrada nas questões de modernização, racionalização e desburocratização, embora também assumisse a tarefa de ?completar o processo de descentralização? que pretensamente teria sido iniciado em 1987. Porém, tal processo de descentralização não havia sido, como vimos, iniciado anteriormente, mas antes adiado, razão pela qual a orgânica de 1993 não só não o veio completar mas, pelo contrário, o veio inviabilizar. Ficará claro, a partir de então, que a opção política não passaria pela regionalização e pela descentralização da educação, ainda quanto a designação ?serviços regionais? do Ministério da Educação passaria a ser utilizada correntemente.
Com efeito, o que se verificará será o ?reforço dos serviços regionais? e também a ?flexibilização da estrutura central do Ministério? substituindo-se as antigas direcções-gerais por novos departamentos e concedendo-lhes, de novo, o exclusivo das funções de concepção e de orientação. As funções de execução serão remetidas, sucessivamente, para os escalões subordinados ao centro, isto é, as direcções regionais (Decreto-Lei n.º 141/93), os centros de área educativa (Portaria n.º 79-B/94) e, finalmente, cada escola, ?locus? privilegiado de reprodução normativa, segundo a visão do legislador.
Completando, e radicalizando, uma estratégia de desconcentração que havia sido iniciada há já alguns anos, a orgânica de 1993 fora orientada segundo objectivos políticos de recentralização do poder, afinando os instrumentos de controlo de tipo centralizado?desconcentrado, ou seja, de controlo remoto sobre as escolas. Esta opção tornava praticamente irreconhecíveis algumas das potencialidades democráticas abertas pela Lei de Bases de 1986 e, especialmente, contrariava o sentido das propostas apresentadas no âmbito da Comissão de Reforma do Sistema Educativo (1987-1988) quanto à administração das escolas.
E no entanto, paradoxalmente, os discursos governamentais em torno da descentralização e da autonomia das escolas prosseguiam, aparentemente indiferentes aos factos jurídicos e às práticas da administração, embora cada vez mais circunscritos a um plano retórico que prometia, contra toda a evidência, a centralidade da escola nas políticas educativas. Iniciava-se, assim, um complexo processo de ressemantização gerencialista e tecnocrática que embora recorrendo aos conceitos de descentralização, participação e autonomia, os remetia contudo para um universo político já bem distinto daquele que reclamava por uma efectiva democratização da política e do governo das escolas.
Não surpreende, neste contexto, o diminuto impacto da aprovação do regime jurídico de autonomia das escolas (Decreto-Lei n.º 43/89) e do novo regime de direcção, administração e gestão das escolas, aprovado a título de experimentação (Decreto-Lei n.º 172/91), pois ambos ficavam dependentes de um contexto macro-político, jurídico e administrativo que se revelava profundamente contraditório. Se dúvidas subsistissem ainda, ficava esclarecido, a partir de 1993, que aqueles diplomas só poderiam ser amputados dos propósitos de revalorização da escola, a partir de uma concepção democrática de autonomia, que eventualmente pudessem contemplar nos seus textos.
Como pertinentemente concluía o Conselho de Acompanhamento e Avaliação do Novo Regime de Administração Escolar no seu relatório final, publicado em 1997, ?Não parece possível consagrar e regulamentar a autonomia das escolas/áreas escolares através, exactamente, dos mesmos processos, regras e linguagem que sempre serviram, no passado, objectivos políticos antagónicos; ou seja, definir primeiro todas as regras, sem excepção, e esperar depois por um exercício da autonomia, quando esta envolve desde logo a possibilidade de intervenção na própria produção das regras?.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 135
Ano 13, Junho 2004

Autoria:

Licínio C. Lima
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho
Licínio C. Lima
Instituto de Educação e Psicologia, Univ. do Minho

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