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O "homo economicus" espreita (agora) com mais força no ensino superior!

AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR, COMO QUAISQUER OUTRAS ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS, SÃO  PRESSIONADAS PARA SE «ORIENTAREM PARA O PRODUTO», DEFINIREM OBJECTIVOS MENSURÁVEIS E SE TORNAREM «EMPREENDEDORAS».

Em Portugal, a partir do final dos anos noventa, tem sido mais evidente a intrusão da ideologia "managerialista" no ensino superior público. Esta intrusão visa claramente alinhar as instituições de ensino superior com determinados processos e ingredientes de mercado. Em grande parte, tal parece corresponder mais a uma retórica de legitimação de mudanças no sistema e nas instituições do que a práticas concretas, bastante "pesadas", semelhantes às que, por exemplo, podem ser observadas no ensino superior em Inglaterra, nos Estados Unidos ou na Austrália. Contudo, há já sinais fortes de que os critérios de racionalidade económica (eficiência) começam a contaminar os critérios de relevância social e cultural das actividades académicas, herdados dos vários contextos políticos, sociais e económicos do estado providência. As instituições de ensino superior, como quaisquer outras organizações empresariais, são pressionadas para se "orientarem para o produto", definirem objectivos mensuráveis e se tornarem "empreendedoras". Não é de estranhar, por isso, que a definição de missões claras e "biblicamente" afirmativas, o marketing comercial, a certificação e a "senda" da qualidade e da excelência, a gestão por objectivos e o planeamento estratégico, sejam já hoje considerados (em alguns casos) instrumentos importantes para "alavancar" as instituições e "armá-las" para enfrentar o "meio turbulento" da competição na "indústria" do ensino superior.
Embora seja possível pensar que o "managerialismo" no ensino superior português ainda se encontra na sua fase "light", não deixam de existir indícios de que o seu impacto na cultura das instituições e dos académicos pode ser bastante forte, a curto ou a médio prazo. Do ponto de vista institucional, as limitações à colegialidade, a concentração de poderes de decisão nos órgãos centrais e intermédios de governo das instituições, as narrativas sobre a "liderança forte", as tentativas de sobrepor a gestão à administração académica e de gerir comercialmente o ensino, a investigação e a prestação de serviços à sociedade, constituem alguns desses indícios. Do ponto de vista do trabalho académico, a preocupante persistência em colar aos professores à imagem do "homo economicus", ou do "agente" que deve internalizar as regras da gestão, como condição para promover a eficiência nas actividades que desenvolve, apresenta-se como outro desses indícios. De facto, os valores ligados à autonomia e à liberdade académica são hoje largamente representados nos discursos políticos e académicos (alguns) como um obstáculo à realização dessa eficiência, leia-se um obstáculo à produtividade, ou leia-se, ainda, um obstáculo à submissão aos critérios de racionalidade económica. Na perspectiva desses discursos, estes obstáculos só podem ser removidos com uma maior vigilância sobre o trabalho dos professores, ou seja com o controlo explícito dos seus desempenhos através da avaliação ? a medida das performances substitui a confiança no profissionalismo e o controlo pelos pares. O "homo economicus" também está assim à espreita no ensino superior em Portugal. E este "homo economicus" é um "profissional desprofissionalizado", a caminho da "proletarização", da sua transformação em "gestor" (da comunicação pedagógica, do currículo, da ciência, da tecnologia, da informação, da instituição e das suas unidades, da formação, etc.), em "estratega/empreendedor" ou, ainda, como refere Miller, em "skilled crafstmen".


  
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Edição:

N.º 126
Ano 12, Agosto/Setembro 2003

Autoria:

Rui A. Santiago
Univ. de Aveiro
Rui A. Santiago
Univ. de Aveiro

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