A Gestão Flexível dos Currículos é
um desafio educativo para o ensino básico, que integra um conjunto de
questões de natureza social, política, técnicopedagógicas,
administrativa e organizacional da escola e, ainda de natureza socioprofissional.
Há contradições profundas entre o discurso, fundamentos
e finalidades expressas e o modelo já em concretização.
É de lembrar como consequência do novo padrão
curricular as novas cargas horárias que aumentaram e não diminuíram!
Assim vejamos: os anexos dos novos Decretos-Lei, aprovados em Conselho de Ministros
no princípio de Novembro de 2000, e que reorganiza o desenho curricular
do Ensino Básico. Entrará em vigor no próximo ano lectivo
de 2001/2002, para os 1.º e 2.º ciclos do ensino básico; para o 3.º ciclo
em 2002-2003, para o 7.º e 10.º anos de escolaridade, estendendo-se, nos dois
anos lectivos seguintes, aos 8.º e 11.º anos e, aos 9.º e 12.º anos de escolaridade.
Este desenho curricular orienta uma configuração
padrão de cargas horárias a nível de escola, não
se perspectivando a construção da Gestão Curricular de
Turma. As escolas não são uma realidade homogénea. O desenho
curricular só ganha sentido ao nível de turma.
No 2.º ciclo a carga horária semanal e a máxima
global, no novo desenho curricular aprovado, são de 17 períodos
de 90 minutos, tempo útil de 1530 minutos. Na situação
actual, com os 50 minutos para a 3.º hora de Director de Turma, é de
1500 minutos por semana. Por exemplo, no sétimo ano passa dos 1550 minutos
para 1620 minutos, aumentando em 70 minutos de tempo útil.
Procede-se assim a uma "arrumação"
das disciplinas na perspectiva da introdução de novas cargas horárias?
(Redução das cargas horárias?). Joga-se na gestão
das tensões sociais e educativas críticas. Constata-se que não
houve disposição para equacionar e repensar a natureza liceal
(amplamente e socialmente criticada) e do abandono progressivo de uma concepção
de educação tecnológica que promova uma "cultura tecnológica",
não se confundindo com o culto da tecnologia. Assim configura-se como
uma não alternativa de "segunda" a uma "cultura letrada"
de normas culturais, não dando respostas adequadas à diversificação
das motivações e vocações dos jovens.
Não se equacionam os efeitos sociais do insucesso, abandono
escolar e exclusão social, como consequência natural de uma oferta
educativa baseada na selectividade, estruturada num quadro de referência
para a educação das elites o que, já não corresponde
hoje às finalidades do ensino e da formação básica
para todos os cidadãos. A opção educativa de matriz liceal
tem como referente às finalidades e método educativo, numa especialização
curricular em contraponto a uma formação geral que será,
por isso mesmo, geral, cultural, multidimensional.
Verifica-se a criação de uma falsa área/disciplinar
(Educação Artística) no 3 .º ciclo de Educação
Visual e outra disciplina (oferta da escola, como Educação Musical,
Teatro, Dança, etc.). Educação Tecnológica é
uma área? Será? Com um modelo de organização sem
qualquer fundamento, sem possibilidade de resolver "aritmeticamente"
a questão social central do papel de Educação Tecnológica
no 3.º ciclo. Em termos de finalidades sociais e políticas, a Educação
Tecnológica deve ter, neste ciclo, um papel central de orientação
vocacional e profissional, pelo que o modelo proposto não tem qualquer
fundamento (social ou epistemológico). Agravará os problemas em
vez de os resolver.
Não se identifica, nem se reconhece qualquer fundamento
coerente no agrupamento das disciplinas nem das consequências pedagógicas
(lectivas) da introdução do conceito de área disciplinar
(particularmente no 3.º ciclo), a não ser a conveniência para as
dotações horárias reduzidas.
O esquema conceptual estruturante das actuais disciplinas do
currículo, mesmo no 2.º Ciclo, apresenta um conjunto de opções
que tornam singulares e específicas, quer o objecto, quer o método
de cada disciplina. Encontra-se, notoriamente, neste caso as disciplinas de
Educação Visual e Tecnológica, Educação Musical
e Educação Física. A Área Artística e Tecnológica
é, do ponto de vista conceptual, uma área educativa de natureza
interdisciplinar.
Das três áreas curriculares não disciplinares
a Área Projecto visa à concepção, realização
e avaliação de projectos, em torno de problemas ou temas de pesquisa
ou de intervenção. E de todas estas áreas, a área
Artística e Tecnológica é uma área integradora de
diferentes saberes. Os programas possibilitam a diferenciação
pedagógica, como aplicações diferenciadas nomeadamente,
contextos locais e regionais, percursos e ritmos de aprendizagem e sequencialização
das abordagens e das experiências. A componente tecnológica não
consiste na aprendizagem de um corpo específico de técnicas com
tecnologias, mas antes o desenvolvimento de uma compreensão global sobre
o processamento das tecnologias no mundo contemporâneo.
O desenvolvimento do pensamento criativo requer ambientes emocionais
estruturantes, de implicação e motivação dos sujeitos.
Os processos operatórios cognitivos mobilizam distintos factores como:
a observação, a sensibilização, a imaginação,
a percepção, a memória, a capacidade de análise
e de síntese e expressão. São estas capacidades, sendo
invariantes dos processos criativos, necessários ao desenvolvimento das
práticas criativas, no âmbito das disciplinas das áreas
Artística e Tecnológica, e em qualquer domínio de conhecimento
e da vida humana.
Como diz Rubem Alves na Carta ao ministro de Educação
do Brasil, Folha de S. Paulo ? 21.05.1998:
«...As escolas se dedicam a ensinar os saberes científicos,
visto que sua ideologia científica lhes proíbe lidar com os sonhos
(coisa romântica!).»
Olhar uma mesma coisa de diferentes pontos de vista, procurar
compreender o porquê de uma ou outra solução e perspectivar
diferentes soluções para um problema são características
do desenvolvimento que faz parte do objecto e método das componentes
artísticas e tecnológicas.
Vivemos hoje um equívoco, já antigo, de que a
Educação Artística e Tecnológica na formação
cultural, estética e vocacional será realizada, no essencial.
Manter este equívoco só serve a ocultação e a não
realização desse dever social. É necessário fortalecer
e encontrar novos espaços. Enquanto esta ambiguidade se mantiver não
haverá uma formação, que corresponda hoje às finalidades
do ensino e da formação básica para todos os cidadões.
As disciplinas curriculares de âmbito artístico e tecnológico,
neste quadro de ambiguidade, comportarão a não realização
das finalidades, centrais que estabelecem os seus papeis e lugar no currículo
escolar.
É de notar as novas formas de divisões sociais
das sociedades, passam de uma era industrial baseada em recursos materiais e
capitais físicos (a terra, a energia, o aço, o betão, os
carris) para a era do conhecimento baseado em recursos a capitais imateriais
(os saberes, a informação, a comunicação, a logística).
Assim a esfera educativa, transforma-se num "lugar" onde se aprende
uma cultura de guerra (cada um por si, ser mais bem sucedido do que os outros
e na vez deles), mais do que uma cultura de vida (viver em conjunto com os outros,
na persecução do interesse geral). Em todo o Mundo se instala
uma nova divisão social entre "qualificados" (aqueles que têm
acesso ao conhecimento que importa) e os "não-qualificados (aqueles
que estão excluídos desse acesso, ou não conseguem preservá-lo)".
É necessário criar e promover um bem-estar que
garanta a todos o direito à vida.
Vítor Ferreira-Santos
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