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Um olhar distanciado sobre outras culturas e sistemas educativos (O Japão visto do México)

Lourdes de Quevedo Orozco conduz, no México, uma entrevista colectiva aos doutores Akiro Sato, Yasuo Saito e Axel Didriksson Takayanagui.
Os doutores Akira Sato e Yasuo Saito trabalham no Instituto Nacional para a Investigação Educativa no Japão. O doutor Axel Didrisson Takayanagui é investigador da CISE-UNAM e da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO-América Latina.
Neste trabalho resumem-se os aspectos gerais do ensino e da formação docente nesse país oriental e comparam a sua situação com a do México. Esta é a opinião de três peritos conhecedores da realidade de uma potência económica mundial: O Japão.

- Doutores, como definem a cultura dos professores japoneses?

No Japão o magistério é uma profissão com prestígio. Antes da Segunda Guerra Mundial concebeu-se como uma profissão sagrada. Em geral os japoneses respeitam os professores. Por exemplo, numa aldeia os professores são líderes e contribuem realizando muitos trabalhos comunitários para o desenvolvimento social destes povos. Antes da Segunda Guerra Mundial o salário dos professores era baixo e economicamente os professores eram pobres, mas os povos respeitavam a sua actividade e personalidade.

- Na escala de empregos e salários, doutores, que posição tem a profissão de professor?

O salário dos professores das escolas públicas agora é bom. Comparado com os funcionários do governo, os salários dos professores do ensino básico é mais elevado em vinte e cinco por cento. Muitos estudantes da faculdade de educação, a nível nacional, querem fazer docência. Por isso o exame para obtenção da nomeação de professor é muito competitivo.

- Como vive e enfrenta o professor japonês o acelerado crescimento de conhecimentos científicos e tecnológicos?

Os professores do ensino básico geralmente não colocam especial ênfase em ensinar ciência e tecnologia. Mas sim, em ciência matemática. Não se ministra um ensino em tecnologia senão em ciência em geral. Agora no Japão há uma grande pressão para que se ensine o uso do computador na escola primária. Mas geralmente os professores desse nível não têm capacidade para dirigir nem para ensinar computação. Não se considera um trabalho de professor do ensino primário.

Há que recordar que o currículo base do Japão tende a ser geral, que desenvolve capacidades, aptidões, condutas sociais que procuram criar um conjunto de conhecimentos no conjunto da população.

O Japão não tem analfabetos. Todas as pessoas têem direito à educação até à secundária. Uma alta percentagem da força trabalhadora tem educação média básica e inclusive universitária. Isto faz com que a educação geral se prolongue até à universidade. Os primeiros cursos continuam a manter o currículo geral, continuam com a mesma formação geral aprofundando-a, e só no fim aparecem as especializações. Isto permite que, posteriormente, a empresa japonesa desenvolva as especialidades.

Como o currículo genérico é muito amplo e profundo em toda a população, quando as empresas admitem os que saem das instituições de educação superior, podem desenvolver níveis de especialização em ciência e tecnologia. O qual por exemplo permitiu ao Japão ter uma alta capacidade de inovação tecnológica a partir da empresa e não das universidades, nem das instituições de educação média superior ou superior. Assim isto está também a mudar bastante.

Uma das questões que parecem mais interessantes, e nos diferencia do México, é que neste último se está a generalizar, de maneira quase arbitrária e superficial, o uso do computador. Aqui há computadores em todos os lados e com uma altíssima capacidade de memória, de megas, de utilização do seu sistema. No Japão não. Quando usam os computadores, é só para o que servem, quer dizer, no desenvolvimento pleno das suas capacidades. Por exemplo, os investigadores ou os docentes usam processadores de texto, com uma capacidade mais simples, mais limitada, que serve exclusivamente para esse trabalho e não desperdiçam a memória ou a capacidade de uma memória pelo simples direito de a ter. Assim há um processo de racionalização das novas tecnologias de forma mais adequada.

Recentemente há alguns problemas na educação universitária, especialmente no campo da ciência e tecnologia. Os estudantes de bacharelato não optam pela faculdade de engenharia. Estão a escolher as ciências sociais e as humanidades.

Os professores da faculdade de engenharia e os investigadores no campo da engenharia estão preocupados com esta tendência. É um problema para o futuro tecnológico do Japão.

- Num dos cursos vocês referiram que se aboliu a escola normal como formadora de docentes. Que consequências trouxe isto na educação?

No Japão, antes da Segunda Guerra Mundial, havia muitas escolas normais exclusivamente para a formação docente.

Há crítica e também autocrítica. Os professores saídos destas escolas geralmente diz-se que são especialistas e técnicos em educação. Eles têm uma filosofia muito estreita, um conceito nacionalista, falta-lhes educação de arte liberal.

No sistema de formação docente depois da supracitada guerra pôs-se em debate: que conhecimentos ou qual o campo de conhecimentos deviam ter os professores? Agora na universidade, o programa de formação docente incluiu muito educação geral. O professor formado tem mais conhecimento teórico de educação que técnico e prático.

No Japão a educação para professores em serviço é uma tarefa muito importante. E é pouco o que se dedica ao aspecto prático do ensino.

Creio que este é um debate ou uma questão pendente no México.

Efectivamente, o rumo que tomou o Japão depois da Segunda Guerra Mundial foi generalizado para muito outros países do mundo. A reforma do sistema de educação normal ocorreu há cinquenta anos, praticamente em todo o mundo. O México, por uma série de razões históricas e de valorações de diferente tipo, que não vem ao caso assinalar neste momento, reproduziu a ideia da Escola Normal. Creio que este é um debate que há que fazer por duas razões. Por um lado, a manutenção da Escola Normal, tal como existe, associa-se à desvalorização que se tem dos professores e aos baixos salários que lhes estão a dar. Quando um professor do ensino primário, do pré-escolar ou do ensino secundário tem grau universitário, como é o caso do Japão, a exigência do salário é imediata, porque tem que corresponder ao nível de qualquer profissão qualificada.

Isto não ocorre no México, porque se aceita que o normalista esteja abaixo de um profissional universitário. E daí, por exemplo, a razão da existência da Universidade Pedagógica Nacional: fazer corresponder os títulos de normal, para posteriormente fazê-los corresponder a licenciaturas e mestrados. Isso é dar a volta à nora sem resolver nada.

A Escola Normal Superior e a estrutura da formação de docentes deveriam transformar-se radicalmente no México, para fazer efectivamente processos de formação de especialistas de alto nível, de professores com altas capacidades. Não restam dúvidas que as gerações do futuro vão depender do tipo de professores que se tenha, e não se pode continuar com o tipo de professores que produz a escola normal, que é bastante deficiente.

- Em que consiste o sistema educativo japonês?

Bom, depois da guerra, com a ocupação que sofreu o Japão durante mais de vinte anos, a potência estadounidense impôs o esquema de organização do sistema educativo norte-americano. Então o Japão adoptou-o, eliminando a estrutura anterior, que vinha desde a época feudal. E aquele é o mesmo que tem agora: educação elementar, educação básica, high school, junior, college, college e universidade. A educação básica corresponde a nove anos, a educação intermédia a três a educação superior de quatro anos, que é o mesmo que o college norte-americano. Formalmente esta estrutura é a mesma, mas o processo pelo qual se socializam os valores, conhecimentos, se geram atitudes, é radicalmente diferente nos Estados Unidos e no Japão.

Formalmente a estrutura é a mesma, mas, por exemplo, o sistema norte-americano fomenta desde a primária um extremo individualismo. O que o professor ou o sistema norte-americano enfatiza é que tu és uma pessoa, um indivíduo separado do mais.

Muito pelo contrário, o sistema japonês diz-te que és um indivíduo somente na colectividade, tu és um indivíduo que vales somente se estás integrado na tua sociedade, se colaboras e cooperas com ela. Os valores, a socialização, o processo educativo real que se forma entre o modelo norte-americano e o japonês, apesar de terem a mesma estrutura, são radicalmente diferentes. Quer dizer, são modelos opostos no processo de socialização da criança e do jovem.

- Estas diferenças de valores têm a ver com a cultura japonesa?

Creio que sim. No Japão há tradição confucionista desde há mil anos. O grupo ou a sociedade é mais importante que cada indivíduo. Na escola, nas empresas, na família compartilham a mesma tendência e filosofia sobre a importância do grupo.

- Definiram-nos que os professores se formam nas universidades. Como funciona a aptidão voluntária e cooperativa dos professores dentro da escola? Poderiam dar-nos alguns exemplos?

O conceito de trabalho de professor da primária e secundária é um pouco diferente do México, porque aqui o professor de educação básica é geralmente um professor de meio tempo. No Japão é uma profissão de tempo inteiro. Eles trabalham geralmente desde as 8.30 até às 17 ou 19 horas. Têm uma identidade profissional com a escola em que trabalham. Tem o conceito de que a escola é algo seu. Dizem: “nós trabalhamos juntos para melhorar esta escola”. Os professores da educação primária geralmente trabalham cinco ou seis anos na mesma escola e depois transferem-se para outra do mesmo distrito. Por isso os professores têm autoridade, amizade e um sentimento de colegas. Isto provoca-lhes confiança no rumo do que fazer e uma forte motivação para desenvolver-se profissionalmente entre os grupos de professores na direcção de aspectos relacionados com a tecnologia da educação, na direcção da aula e da escola. Cada professor tem um sentido de responsabilidade no rumo da sua escola. A educação em serviço que realizam é para melhorar o seu trabalho.

Uma das questões que também se pode observar no sistema educativo japonês é o crescente nível de formação, de especialização e de educação contínua que têm os professores, sobretudo na administração, direcção das escolas, direcção de projectos e melhoramento da sua prática pedagógica. Isto faz que as relações — além de todo o processo de socialização e de actividade em grupo — e as diferenças entre directivos, grupos de staff e professores, não sejam burocráticas. Não há grande diferença, por exemplo, na actividade centralizada do Ministério da Educação Ciências e Cultura japonês comparado com a Secretaria de Educação Pública do México. São muito parecidos, porque a SEP e este ministério são extremamente centralizadores e são duas instituições poderosíssimas em ambos os países. Mas, a nível da escola, os directivos e os quadros médios não estão separados da actividade dos professores, não se sentem superiores aos professores nem aos supervisores. Pelo contrário, o director tem que trabalhar mais que os professores para demonstrar que efectivamente é o director. Ou a gente que está nos corpos directivos tem que trabalhar mais para demonstrar perante a colectividade que a sua identidade frente aos demais é maior conforme o posto. No Japão entende-se a direcção não como uma situação de hierarquia, mas de mais responsabilidade.

- Como se forma permanentemente o professor da escola primária e secundária? Existem alguns programas de formação? Frequenta cursos e escolas, e com isto obtêm uma melhor remuneração?

Entre os japoneses profissionais há um sentimento de responsabilidade, de continuar a formação, sejam advogados, economistas, desportistas ou empregados de uma empresa. Todos continuam aprendendo no seu trabalho e adquirindo conhecimentos de educação em geral.

Especialmente os professores têm este sentido de responsabilidade, de fazer aprendendo. Sabem que para ensinar as crianças têm que continuar aprendendo no seu trabalho.

O programa governamental incluiu outro de formação de docentes. Por exemplo, em cada cinco anos há um programa de formação apoiado e organizado pelas autoridades centrais de educação e também pelas autoridades municipais para dar a oportunidade de aprender novos aspectos da educação.

Em cada escola os grupos de professores e também o seu sindicato organizam actividades de formação. É independente do programa do governo, desenvolvido voluntariamente pelos docentes. Trata-se de grupos de estudo nos quais participam muitos professores de cada escola.

No Japão a formação e a superação profissionais não estão vinculadas ao salário, como aqui. O professor não tem o incentivo de formar-se para ter mais títulos ou graus e assim poder pugnar por um salário melhor. Além disso o salário não depende dos graus académicos ou dos títulos que se obtêm. Têm um salário base. Todos são empregados do Estado, não são de uma instituição. Todos são empregados públicos e têm o salário que lhes corresponde de acordo com o escalão anual. Sobretudo têm em conta a antiguidade e a experiência. Mas predomina a ideia da permanência no posto. Disso depende o seu salário. Os salários são muito altos e são bons para o nível de vida tão elevado como o do Japão.

Além disso o melhoramento da vida depende de outras coisas e a formação faz-se para superar-se colectivamente, de acordo com as deficiências colectivamente detectadas. É mais voluntária e não está tão institucionalizada como ocorre no México.

- Estamos a dizer de que toda a educação no Japão é pública?

Não, não. Também há privada.

Por exemplo, ao nível universitário a maioria de matrículas está na educação superior privada. A elite da educação superior está nas universidades que eram imperiais e que agora se chamam Universidades Nacionais como a de Tóquio, Kioto e Osaka. Estas são as mais importantes, mas são públicas, são do Estado. E digamos que também há educação superior de média qualidade, embora haja também universidades privadas importantes, pois a educação privada é a que está mais massificada. Há uma forte componente de educação privada.

Enquanto na educação básica mais de noventa por cento é pública, pode dizer-se que a quase totalidade é sustentada pelo Estado. Muda muito em relação ao ensino superior.

- O Japão caracterizou-se pela sua grande criatividade. Como fomentam a criatividade na educação das crianças?

Geralmente entre os mexicanos há a imagem que na escola japonesa se cultiva a criatividade entre as crianças. No Japão diz-se que na escola os professores matam a criatividade das crianças. Eles põem a tónica na actividade de grupo, preferem-na à actividade individual.

Os jornalistas criticam os professores porque dizem que não cultivam a criatividade infantil. A criatividade na ciência e tecnologia japonesas é resultado da educação primária e secundária, talvez.

Nas universidades e nos pós graduados este é um tema em debate.

Na escola primária não se dá um realce especial ao tema da criatividade das crianças. Coloca-se mais na educação em geral, no conhecimento básico da língua japonesa, matemática e ciência básica.

- Como nos explicam então a capacidade criativa dos japoneses?

Bom, é que um dos elementos que acompanham esta formação geral é a disciplina, a disciplina colectiva, o trabalho sobre metas concretas. Então esta formação recebida na educação primária, secundária, técnica ou na universidade compatibiliza-se com a empresa onde a colectividade implanta tarefas comuns e se desenvolvem processos de inovação.

Na realidade, há uns quantos anos, o Japão não era uma potência científica, era uma potência de inovação tecnológica que tomava as patentes básicas da Alemanha, dos Estados Unidos ou de Inglaterra e as melhorava, com esse processo de alcançar metas, de obter melhorias qualitativas, mas não criava.

Recentemente o Japão começou a criar e a desenvolver patentes. Bom, já ocupa o segundo lugar na produção de artigos científicos e começa a ter uma criação científica, de elevado nível em áreas determinadas, como em biotecnologia, micro electrónica,

- Que características fundamentais consideram que deverá desenvolver o estudante japonês durante a sua formação obrigatória para enfrentar o próximo século?

Não há características especiais. Importa-nos desenvolver o conhecimento básico. Isso é muito mais importante.

Às crianças na escola primária exigem-lhes muitas coisas, como: conhecimento básico, educação sexual, educação para protecção de acidentes ou de drogas.

Os pais também exigem disciplina na escola.

Os professores têm bastante experiência e o tempo do seu trabalho é limitado.

De acordo com as últimas políticas do governo japonês, as prioridades a atingir no ano 2000-2005 — no próximo quinquénio e um pouco mais além — é o fomento da educação básica. Sobretudo de matemáticas, do Japonês e da Identidade Nacional. Mas também estão a realçar agora o uso da segunda língua, sobretudo o inglês, porque o seu nível de participação no mundo está a crescer e é preciso fomentar isto de maneira social. Estão a fomentar valores, via educação, de preservação e melhoramento do meio ambiente, a internacionalização e uma cultura de paz. Estas são linhas de carácter geral que vão desenvolver na orientação da transformação do novo currículo.

Há um espírito de paz proposto a partir do governo desde há alguns anos, sobretudo desde a Segunda Guerra Mundial, pelo desarmamento e a não proliferação das armas nucleares. O qual implica criar socialmente uma cultura, uma educação que preserve os direitos humanos e a pacificação entre os povos e uma grande preocupação com o meio ambiente. Isto desenvolve-se também entre as crianças: uma cultura de carácter nacional que ao mesmo tempo possa permitir-lhes internacionalizar a sua economia e a sua cultura.


  
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Autoria:

Akiro Sato
Investigador, Japão
Axel Didriksson Takayanagui

Akiro Sato
Investigador, Japão
Axel Didriksson Takayanagui

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