Página  >  Edições  >  N.º 183  >  Economia dos mais fortes prejudica trabalhadores de todo o mundo

Economia dos mais fortes prejudica trabalhadores de todo o mundo

O mais recente relatório da Organização Internacional do Trabalho considera que a globalização económica não está a beneficiar a maioria dos trabalhadores. Num mercado de trabalho caracterizado pelo aumento das relações informais de trabalho a OIT afirma que as desigualdades de rendimento têm aumentado em todo o mundo ao longo dos últimos vinte anos.

Desigualdades de rendimento têm aumentado ao longo dos últimos vinte anos

O relatório da Organização Internacional do Trabalho relativo a 2008 abre com um capítulo dedicado às actuais tendências relativas ao emprego e às desigualdades, tema que constituiu o fio condutor de todo o documento. Contextualizando a análise desta questão, os autores admitem que o abrandamento económico mundial está a afectar de forma desproporcionada os grupos de baixos rendimentos, tendência que se desenvolve após uma fase expansionista onde as desigualdades de rendimento estavam já em crescimento na maioria dos países.
O recente período de expansão económica, que está agora a entrar numa fase de estagnação e recessão, foi acompanhado por um crescimento substancial do emprego em muitas regiões do mundo. Entre 1990 e 2007, a taxa de emprego a nível mundial cresceu cerca de 30 por cento. No entanto, houve uma considerável variação na forma como o mercado de trabalho evoluiu nos diversos países analisados. A isto acrescenta-se o facto de a maioria dos cidadãos não ter partilhado de igual forma os ganhos resultantes deste crescimento das taxas de emprego. Em particular as mulheres, que em muitas regiões continuaram a ser as mais afectadas com o desemprego, com números a rondar os 80 por cento em zonas como o Médio Oriente, o norte de África e a Ásia e Pacífico.
Com o crescimento das taxas de emprego ocorreu, simultaneamente, um processo de redistribuição da riqueza gerada exteriormente ao contexto de trabalho. Em 51 dos 73 países analisados neste estudo, a percentagem dos salários no total dos rendimentos decresceu nas últimas duas décadas, não só em regiões consideradas economicamente subdesenvolvidas, como a América Latina e Caraíbas e Pacífico, mas também nas denominadas Economias Avançadas.
Entre 1990 e 2005, aproximadamente dois terços dos países experimentou um aumento das desigualdades de rendimento. Por outras palavras, os rendimentos dos agregados familiares mais ricos cresceram por comparação com os dos mais pobres. O estudo lembra, a este propósito, que o fosso salarial entre os 10 por cento que mais ganhavam e os que menos ganhavam aumentou em 70 por cento dos países analisados. Portugal, a par da Hungria, Polónia e Estados Unidos, é referido como um dos países onde este crescimento desigual se acentuou drasticamente ao longo deste período.
A desigualdade de rendimentos está também a aumentar de forma crescente entre os executivos das empresas e o trabalhador médio. Nos Estados Unidos, por exemplo, os administradores de topo das quinze maiores empresas do país ganham 500 (quinhentas) vezes mais do que os empregados. Mesmo em Hong Kong e na África do Sul, onde os executivos não ganham estas fortunas, o salário dos administradores representa, respectivamente, 160 e 104 vezes, o salário médio de um trabalhador.
E as perspectivas, ao contrário do que seria de esperar, parecem ir no sentido destas diferenças se acentuarem, acompanhadas de uma subida acentuada dos preços dos bens de primeira necessidade, nomeadamente dos bens alimentares, que afectam principalmente os agregados familiares mais pobres.
Apesar de os autores do estudo defenderem que esta desigualdade de rendimentos pode, na perspectiva macroeconómica, ter alguns efeitos positivos na economia - no sentido em que é encarada como uma recompensa pelo esforço, pelo talento e pela inovação, que consideram ser os motores para o crescimento económico e para a criação de riqueza -, alertam, no entanto, para o perigo que os actuais níveis excessivos de desigualdade estão a atingir, representando um perigo para a estabilidade social e para a própria eficiência económica.
Além disso, alertam para o risco de, nas actuais circunstâncias, os grupos económicos mais favorecidos procurarem assegurar vantagens competitivas que possam resultar em medidas ineficientes para a economia, como a distorção da carga fiscal ou a alocação de fundos públicos, indo mesmo contra o interesse geral dos países. Por outro lado, à medida que as desigualdades de rendimento crescem, o apoio social a políticas de crescimento pode ficar seriamente comprometido.
Nesse sentido, aliás, os autores chamam a atenção para a crescente percepção por parte da opinião pública de muitos países de que a globalização não está a trazer vantagens à maioria dos cidadãos, beneficiando apenas uns poucos. O desafio político para o futuro próximo terá, assim, de passar por medidas de incentivo à criação de emprego, formação e investimento, evitando, ao mesmo tempo, o crescimento de desigualdades vistas como economicamente ineficientes e socialmente prejudiciais.

Políticas de redistribuição da riqueza falham objectivos

Um outro capítulo do relatório dedica-se à análise do impacto das políticas fiscais e sociais na redistribuição dos ganhos e das perdas associadas ao crescimento económico dos últimos quinze anos. Reconhecendo que o sistema tributário pode constituir um poderoso mecanismo de redistribuição da riqueza, os autores concluem, no entanto, que as transferências financeiras derivadas dos impostos e dos incentivos sociais não conseguiram, no geral, inverter a tendência crescente de desigualdade de rendimentos entre os trabalhadores.
Uma das razões adiantadas baseia-se no facto de a taxação de impostos ter vindo progressivamente a perder o seu carácter de escalonamento de acordo com os rendimentos e, por isso, ser menos passível de conseguir atenuar a crescente desigualdade de rendimentos verificada na maioria dos países.
A OIT afirma que, de uma forma geral, os impostos indirectos têm-se tornado numa crescente fonte de receitas para os orçamentos dos governos, contrastando com o progressivo decréscimo das receitas fiscais colectadas às empresas situadas nos escalões de rendimento mais elevados. Entre 1993 e 2007, a taxação das empresas diminuiu de uma média de 37,5 para 27,1 por cento. No caso dos impostos sobre os rendimentos dos trabalhadores de topo, a média passou dos 37 para os 34 por cento durante o mesmo período.
O estudo refere ainda que o enfraquecimento progressivo dos sistemas fiscais não foi compensado pelo aumento das transferências de carácter social no sentido da redistribuição da riqueza. Nos últimos quinze anos, assistiu-se a uma diminuição da percentagem destinada a ajudas sociais no conjunto do Produto Interno Bruto dos países desenvolvidos e do continente africano, tendo aumentado ligeiramente nas restantes zonas do globo.
Apesar das medidas de assistência social dirigida a grupos específicos ter um carácter mais escalonado face a outro tipo de transferências financeiras de carácter social, em particular nos países em desenvolvimento, as dotações orçamentais destinadas a políticas assistencialistas são consideradas demasiadamente limitadas para terem um impacto positivo na resolução das desigualdades.
Ao mesmo tempo, apesar dos gastos com programas de segurança social terem aumentado em muitos países em desenvolvimento, na maior parte das vezes eles têm poucos efeitos na redução das desigualdades de rendimento. Tais programas, dizem os autores, tendem a ter um escalonamento mais ligeiro (caso de muitos países desenvolvidos e dos países onde os descontos não são obrigatórios) e mesmo um carácter regressivo, já que em muitos países em desenvolvimento os trabalhadores do sector informal estão excluídos da segurança social.
O organismo recomenda que na altura de porem em prática políticas de combate à desigualdade de rendimentos baseadas no sistema fiscal e na atribuição de subsídios os governos assegurem a sua eficácia, já que uma má concepção das mesmas pode afectar o crescimento económico e o mercado de trabalho, e, em alguns casos, aumentar mesmo as desigualdades. No entanto, a OIT garante que é possível conjugar o crescimento e o aumento das taxas de emprego ao mesmo tempo que se reduz as desigualdades, apontando os exemplos do Brasil, das Ilhas Maurícias e da Malásia.

Decréscimo da sindicalização diminui poder de equilíbrio dos trabalhadores

O relatório da OIT debruça-se igualmente sobre o papel das instituições ligadas ao trabalho (entidades como as organizações de defesa dos direitos dos trabalhadores, os sindicatos ou os organismos de negociação colectiva) na redução das desigualdades. Começando por referir o considerável declínio das taxas de sindicalização ao longo das últimas duas décadas ? especialmente elevado na Europa central e do Leste, onde eram tradicionalmente altas -, a OIT conclui que as mudanças verificadas ao nível das estruturas e do carácter da negociação colectiva foram menos acentuadas. Verificou-se, no entanto, uma ligeira mudança no sentido da sua descentralização e de um carácter menos coordenado das estruturas de negociação.
Confirmando a ideia do aumento generalizado da desigualdade de rendimentos em praticamente todos os países em análise, os autores referem não se poder, no entanto, estabelecer uma relação entre este crescimento e as mudanças operadas ao nível daquelas instituições. O declínio das taxas de sindicalização, em particular, não ajuda a explicar o crescimento das desigualdades ? à excepção dos países da Europa Central e de Leste, onde, diz a OIT, este factor parece ter tido um papel preponderante.
A análise efectuada pela OIT sugere ainda que os desenvolvimentos mais recentes referentes ao crescimento das desigualdades conseguem ser previstos mais eficazmente através dos factores económicos do que pelas mudanças nas instituições ligadas ao mundo do trabalho. Apesar das suas debilidades, estas instituições continuam a desempenhar um papel fundamental como fiel da balança e como agentes redistribuidores da riqueza na maioria dos países, à excepção da América Latina, onde, de acordo com a opinião dos investigadores, falham frequentemente neste domínio.
Nos países com economias mais desenvolvidas, pelo contrário, a maior actividade sindical, a melhor coordenação das estruturas de negociação colectiva e um leque mais abrangente de acordos de negociação colectiva estão associados a um sistema mais alargado de bem-estar no domínio das relações de trabalho. Desde os anos 90, porém, as instituições ligadas ao trabalho diminuíram no geral a sua capacidade de inverter directamente as desigualdades como até aí acontecia.

Natureza informal das relações de trabalho aumenta

No capítulo dedicado às mudanças nos padrões do mercado de trabalho, os autores consideram não existirem evidências que relacionem directamente as mudanças ocorridas no domínio das relações de trabalho e o aumento das desigualdades. Isto, na medida em que alguns dos países conseguiram criar emprego e aumentaram significativamente as situações de desigualdade, ao passo que outros tiveram igualmente boas performances na criação de emprego e viram as suas desigualdades estabilizarem ou mesmo descrescerem. Neste sentido, o estudo da OIT refere que tal discrepância reflectirá a natureza diversificada dos empregos criados.
No entanto, ao longo dos últimos quinze anos a percentagem da natureza informal das relações de trabalho cresceu na maioria dos países. Nas chamadas Economias Avançadas, os empregos a tempo parcial ou de carácter temporário encontram-se em subida, embora as suas características difiram consideravelmente de país para país. Nos países da Europa Central e do Leste, porém, a tendência caminha no sentido de uma diminuição do trabalho a tempo parcial e do chamado auto-emprego, a par de um ligeiro acréscimo no trabalho temporário.
A incidência de empregos informais em países populosos e com crescimento económico rápido, como o Brasil, China e Índia mostra que esta tendência, que já antes era comum, manteve-se significativa e dá mostras de continuar a crescer.
Os empregos não contratualizados são geralmente menos bem pagos do que os empregos permanentes assalariados. Nos países europeus, os empregos temporários são pagos, em média, 20 por cento abaixo dos empregos permanentes. Na América Latina, os trabalhadores com empregos informais ganham, em média, 43 por cento menos do que os trabalhadores por conta de outrém, ao passo que na Índia os trabalhadores ocasionais (que constituem o grosso do trabalho informal), ganham cerca de 45 por cento menos do que os trabalhadores regulares.
Inverter o impacto dos efeitos causados pelo aumento do carácter informal das relações de trabalho no peso dos rendimentos dos trabalhadores com baixos salários irá depender em grande medida, concluem os autores, do seu próprio esforço - isto é, através de mais trabalho.
Aos decisores políticos, afirmam, coloca-se a tarefa de evitar o aprofundamento do crescente fosso entre o trabalho formal e informal, dando o exemplo de alguns países da América Latina, onde algumas das reformas laborais tiveram como objectivo tornar o sector formal mais atractivo para os empregadores e são um exemplo do que pode ser feito.
Como conclusão geral, os autores do relatório sublinham que a actual tendência de crescente desigualdade na distribuição do rendimento verificada na maioria dos países carece urgentemente de ser invertida. A desigualdade de rendimentos, afirmam, deriva em grande medida de factores que não conduzem a uma maior eficiência económica ? nomeadamente a forma como a globalização no sector financeiro se desenvolveu ao longo das últimas duas décadas -, que acarretam, em si, consideráveis riscos do ponto de vista da coesão social e da manutenção do apoio a políticas de crescimento.
Neste sentido, tem crescido a percepção de que os actuais mecanismos de distribuição dos rendimentos não é justa. O poder político deverá pôr em prática políticas e abordagens que ajudem a resolver as desigualdades de rendimento e assegurar que os ganhos do crescimento económico são distribuídos de uma forma mais sustentável, ao mesmo tempo que mantém o dinamismo económico. Entre outras, são necessárias iniciativas a nível internacional, nomeadamente ao nível da reforma do actual modelo financeiro. Mas as políticas domésticas podem igualmente fazer a diferença. O reforço de instituições tripartidas, a existência de regulações laborais bem estruturadas e uma maior protecção social e respeito pelos direitos básicos dos trabalhadores assumem, neste contexto, particular importância.

Ricardo Jorge Costa


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo