Naquela tarde, um torvelinho preenchia a nossa presença na escola. Tudo girava incessante ao redor das coisas que ali pareciam feitas apenas de ausências. Mas nada fora do comum. Como em outras tantas vezes, cada instante, cada minuto aflito olhado para o relógio, colocava abaixo, uma após outra, crenças e convicções a respeito do que nos fazia professores e eles, alunos. Até que aqueles rapazes, de repente, chamassem a minha atenção para um descaminho, outra escola aparecesse e uma arte fosse insinuada, desenhada suavemente com os seus gestos, as costas das asperezas vividas. Moendo o cotidiano colonizado, alheios ao vazio deixado por promessas não cumpridas de segurança, apuro e virtude, meus alunos corriam entrelugares... Ágeis, feras sem presa e ambiciosos na sua natureza criadora, debelavam o que lhes foi dado como arena de privações, cessação dos corpos e vil existência. Deslocando-se, em nada pareciam ceder ao furto pretendido das suas belezas. Por alguns instantes, deixei de ser professor para admirar o que de suas vidas deixavam ali para que esquecêssemos o que queríamos com eles e iniciássemos, quem sabe, outra veneração, desta vez, mais silenciosa da sua importância, e solidária de um encontro sem propósitos prévios de educar quem não pode ser educado, senão ao custo da violência diária. Então, outro zelo imaginei, descuidado desta procissão que relaciona escola e trabalho, educação e cidadãos formados. Junções que a escola anuncia para um futuro que nunca chegará para eles. Marcha irrealizável diante do desenho já feito. Fenda que a escola mantém como o seu segredo mais guardado: não queremos vocês em lugar algum! Embora não saiba dizer seus nomes, nunca esquecerei seus rostos. Vermelhos de um sangue vívido de alegrias e corajosos de alguma descoberta. Cansado do papel diurno de saber ensinar, noturno apenas olhava para seus corpos. Guardados da nossa inveja, não entregavam seus pontos de prazer para que não estragássemos seus sonhos com alguma banalidade pedagógica. Sentado, no corredor, enquanto tentava vigiar duas turmas ? em uma das salas o professor não havia aparecido ? imóvel diante de minha própria incapacidade para lhes dizer algo que pudesse ser acreditado, vi quando se aproximaram. Encaminhá-los para a sala de aula é o que deveria fazer. A escola goza o silêncio. Deixei que passassem. Não sei de onde partiram e o que traziam consigo para que sorrissem aquela amizade. Não sei se cansados, repousaram na sala de aula, templo interrupto do prazer. Dadivosa amizade que não encerra a paixão na individualidade, mas frui como um dardo sem mira. Como céu sem fim, nunca deixei esta tarde.
Aristóteles de Paula Berino
|