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A reconciliação da teoria com a prática na formação dos profissionais da educação

O domínio da formação contínua de professores e educadores segundo uma perspectiva teórica e metodológica que considere as práticas profissionais como objecto específico do trabalho formativo dos próprios professores, enquanto formandos, não tem merecido por parte das instituições de formação e das entidades responsáveis pela concepção e desenvolvimento dos modelos de formação a preocupação que lhe é reconhecida pela investigação que se tem dedicado a esta vertente da formação.
Na verdade, se a investigação vem estabelecendo que, no domínio sócio-profissional, todas as práticas participam de disposições subjectivas sócio-institucionalmente condicionadas e mediadas com largo impacto na configuração identitária dos profissionais e na estrutura organizacional das condições de trabalho, no caso dos professores e educadores tal pressuposto assume uma relevância crucial no quotidiano profissional sem que, em regra, os próprios profissionais tenham oportunidade de se apropriar dos seus benefícios ou prevenir os seus malefícios.
Esse défice de apropriação ou de prevenção, que se traduz no desperdício dos benefícios do trabalho das práticas, está estreitamente conotado com a especificidade da profissão docente em cujo processo de formação concorrem factores que, tanto histórica como socialmente, contribuem para uma desvalorização das práticas. Tenha-se em atenção que a especificidade do exercício profissional dos professores não assenta, apenas, em condições objectivas e formais de formação (científicas, técnicas, sociais e organizacionais) que enquadram o desenvolvimento do seu trabalho, a que é reconhecido, por sua vez, um carácter já de per si muito particular: - o de ser indissociável da atribuição de um juízo de valor com conotações morais, sociais e materiais por norma socialmente exigente.
Para além disso, o entendimento da especificidade profissional em referência não dispensa o recurso a um quadro de significação sócio-histórico e cultural que, pela ressonância simbólica que carrega (hierarquia e autoridade com base nos saberes cognitivos e disciplinares) e pela própria missão civilizacional de que se foi revestindo, mais do que valorizar e favorecer a aprendizagem pelas práticas, contribui para a sua obnubilação e ocultação, facilmente as depositando no limbo das rotinas.
Assim se aprofunda o viés entre a teoria e a prática e se torna cada vez mais inacessível o processo que poderia (poderá) permitir a sua reconciliação no sentido da aprendizagem e aperfeiçoamento permanentes pelo reconhecimento dos próprios «erros». Entenda-se que estes «erros» só o serão à medida que se desenvolva a consciência da sua ocorrência. Isto é, estes erros não são erros no sentido cognitivo, no sentido de falta de conformidade entre os elementos que integram um enunciado formal com pretensão de verdade; são antes "erros" que se revelam à acção e portanto são inverificáveis antes da acção ? porque é a acção que se revela inadequada, quando a reflexão se produz sobre ela. A condição para que isso aconteça porém, é permeabilizar permanentemente a acção pela dúvida e pela crítica, pela consciência de si face a si próprio ou ao outro, quando é o outro que é visado na acção.
A reconciliação entre a teoria e a prática passará, assim, pelo reconhecimento crítico do «trabalho» do sujeito profissional na produção inconsciente (?) das suas próprias teorias práticas (teorias implícitas) que, no exercício profissional, se dissimulam afirmando a «independência» do cognitivo face ao relacional, ao afectivo ou emocional. A separação (que supõe uma implícita hierarquização) no interior do sujeito profissional destas diferentes instâncias do ser profissional que é o professor ? sendo uma "disposição" facilmente compreensível à luz dos benefícios psicológicos que promove (aparente segurança, neutralidade e independência do contexto) e à luz dos efeitos da distinção social que anda associada à administração e controlo dos saberes cognitivos -, só poderá ser superada no contexto de uma reabilitação do primado do comunicacional e do reflexivo que integre em acto a dimensão colegial da profissão e assuma o trabalho profissional como um trabalho intersubjectivo. Esta intersubjectividade que conduz ao reconhecimento do papel do sujeito interactivo na construção da sua realidade institucional é a primeira condição para a abordagem da formação através da análise das práticas.

Manuel Matos


  
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Edição:

N.º 180
Ano 17, Julho 2008

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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