Criada em 1986, a Associação de Professores de Matemática (APM) surgiu na sequência dos movimentos de renovação do ensino da disciplina, que iam surgindo um pouco por todo o mundo. Tornou-se num espaço de acompanhamento dos associados, de reflexão e debate e de intervenção nas políticas educativas. Como se não bastassem as preocupações (naturais) do ensino, os professores têm ainda a difícil tarefa de provar, como dois mais dois são quatro, que a Matemática não é um bicho-papão.
A APM foi criada com o intuito de promover o desenvolvimento do ensino da Matemática a todos os níveis e a participação ativa dos professores na discussão e implementação de novas práticas pedagógicas, bem estimular o intercâmbio de ideias e experiências. Corria o ano de 1986, um ano depois do primeiro ProfMat, Encontro Nacional dos Professores de Matemática – maior e “mais querida” iniciativa promovida pela associação. Portalegre, que acolheu a segunda edição do ProfMat, viu nascer a APM, uma associação que já se impunha, dados os movimentos internacionais. E era importante que abrangesse os professores de todo o país e de todos os níveis de escolaridade, da Educação Pré-Escolar ao Ensino Superior.
“Havia uma grande necessidade de criar a associação, devido à corrente internacional de mudança no ensino da Matemática. Na época, alguns professores portugueses tinham contacto com os Estados Unidos ou a França, com os quais nós tínhamos contacto cultural e para onde foram estudar, trabalhar e preparar-se alguns dos nossos professores, e onde havia um movimento muito amplo em mudanças no ensino da Matemática não superior”, referiu à PÁGINA Lurdes Figueiral, atual presidente da direção da APM. “Em Portugal não havia essa capacidade de congregar os professores, de os unir à volta da necessidade dessas mudanças nas práticas educativas. E foi assim que surgiu a necessidade das pessoas se começarem a encontrar. Isso ainda demorou dois ou três anos.”
Na cerimónia de abertura do ProfMat deste ano, que se realizou em março, a primeira presidente da associação sublinhou que este era “um sonho já antigo, que vinha de longe”. Um pequeno grupo de professores não desistiu perante o percurso árduo, com “avanços e recuos”, que se estendeu até ao encontro de Portalegre. Leonor Filipe lembrou as colaborações esperançosas que se revelaram desilusões ou que ficaram na gaveta e ainda a elevada participação nos primeiros encontros, já depois da criação da APM, reveladora da “fome” que os professores tinham de se juntar e de partilhar experiências.
E essa partilha levou à procura de soluções para os grandes desafios do ensino da Matemática. A APM produziu diversos documentos, alguns dos quais estiveram na base da reforma de Roberto Carneiro para o ensino da disciplina. É por isso uma comunidade importante e que pretende continuar a ser ouvida, de forma a contribuir para um ensino de qualidade.
“Escolhemos uma profissão apaixonante e desafiadora. Nem sempre é fácil, mas ver as descobertas dos nossos meninos compensa. Hoje, as competências que os alunos têm de ter são diferentes, são mais transversais. De facto, temos de preparar os alunos para os desafios do século XXI. Como educadores não podemos esquecer os valores que são comuns a todo o ser humano”, afirmou Leonor Filipe, acrescentando que ser professor “é uma arte” e que, a propósito de um sermão do padre António Vieira, deixa “pegadas”, marcas que ficam nos alunos.
Mitos e preconceitos
O que é isso de ter jeito para a Matemática? Será que nesta matéria o “jeito” ou a influência genética exercem algum poder sobre a compreensão da disciplina? Será a Matemática só para alguns? Estas são algumas das dúvidas que se levantam quando se fala de resistência em relação à Matemática. A disciplina é tida por muitos como uma “seca” e quem se dedica a ela é tido como carrancudo ou demasiado sério. São muitos os mitos e preconceitos que ainda rodeiam a disciplina. Na conferência sobre o tema, que decorreu no ProfMat, António Machiavelo referiu estes e outros “equívocos”: é uma capacidade genética, demasiado abstrata e pouco divertida para os “outros”. Sim, porque quem se dedica à Matemática é uma pessoa “(essencialmente) diferente das outras”.
Para a atual presidente da APM, entre as soluções para dar a volta ao problema está a divulgação matemática através das mais diversas iniciativas, de maneira a que a sociedade tenha noção da presença da disciplina em quase todas as atividades do quotidiano – às vezes nas áreas “mais insuspeitas e inesperadas” – e da sua relação com outras áreas do conhecimento. Ou seja, mostrar que a Matemática não é um bicho-papão e que contactamos com ela nas mais pequeninas coisas, por exemplo, nos pesos, nas medidas, nas formas, nos padrões, no tempo, no espaço…
Um cuidado a ter para evitar a propagação dos preconceitos é fazer uma abordagem, na sala de aula, que não afaste ou assuste os alunos. “Pelo contrário, que inclua e seja capaz de levar cada vez mais alunos a um desempenho que lhes permita, pelo menos, ter aquilo a que chamamos literacia matemática”, defende Lurdes Figueiral – ser capaz de compreender, argumentar e ter um sentido crítico. Independentemente dos métodos adotados pelos professores, uma coisa é certa: a Matemática pode ser divertida. ‘A prova? Faz-se já aqui ao lado!’ [do filme “A Canção de Lisboa”, de José Cottinelli Telmo (1933)].
Maria João Leite
©Ana Alvim
[Entrevista a Lurdes Figueiral]
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