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Avaliar não é um fim em si, é um meio para atingir um fim

Paulo Santiago é analista sénior na direção de Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), onde trabalha desde 2000, tendo sido o coordenador do relatório “OECD Reviews of Evaluation and Assessment in Education: Portugal”, apresentado em abril e dedicado às políticas de avaliação educativa no nosso país (ver pág. 56). Licenciado em Engenharia Eletrotécnica pela Universidade Técnica de Lisboa, fez mestrado em Economia na Universidade Nova de Lisboa e doutorou-se em Economia na Northwestern University (EUA), com especialização em Economia da Educação. Porque mais do que resolver problemas de máquinas, preferiu resolver problemas de pessoas. É isso que pretende com o seu trabalho. De passagem por Lisboa, em julho, Paulo Santiago conversou com a PÁGINA sobre o relatório e sobre a avaliação de professores, alunos e escolas. Considera que nos últimos anos houve muitos progressos no sistema de ensino português, mas nota que ainda há muito a fazer.

 

O Ministério da Educação e Ciência avançou recentemente com algumas medidas que têm implicação direta na organização do próximo ano letivo: criação de mega-agrupamentos, aumento do número de alunos por turma, introdução de mais exames...

Não quero falar sobre medidas concretas, porque não as conheço em detalhe e isso requer uma análise contextualizada específica. O que posso dizer é o que, eventualmente, alguns estudos da OCDE dizem sobre esses temas, em particular no que toca à avaliação, porque há bem pouco tempo publicámos um relatório exatamente sobre a avaliação no sistema de ensino português.

Considera que a introdução de mais exames melhora a prestação dos alunos?

Os exames são um tema complexo. Nos sistemas de ensino têm funções concretas, em particular, de certificação de aprendizagens e de regulação das avaliações feitas nas escolas. Depende muito de como são feitos e de como são abordados nas próprias escolas, em termos dos efeitos sobre os alunos.
Agora, o objetivo da aprendizagem, em si, não é o resultado de um exame ou a nota final. O que se aprende nas escolas vai muito para além daquilo que é captado por exames. Aquilo que pode ser captado por exames é parcial, é feito em determinadas condições dentro das escolas, e ao mesmo tempo tem de ser visto como componente de uma estratégia de avaliação mais vasta dos alunos.
Os exames são uma componente externa da avaliação, que começa na sala de aula e é essencialmente uma responsabilidade dos professores. E dentro da própria avaliação há diferentes tipos: escrita, oral, com base em desempenhos de tarefas… Ou seja, o importante é que haja um conjunto de instrumentos que permitam uma avaliação das aprendizagens o mais abrangente possível.
Os exames são uma componente dessa estratégia mais abrangente de avaliação, que tem uma função própria, mas não é a única.
Outra coisa a ter em conta é que, naturalmente, os exames têm impacto na carreira dos alunos – e, eventualmente, na própria avaliação das escolas. E a partir desse momento, podem gerar efeitos perversos, nomeadamente fazendo com que a aprendizagem na sala de aula passe a ser a preparação para o exame.
Ou seja, o excesso de exames ou a redução da avaliação aos exames não é, com certeza, uma boa via. Um equilíbrio entre os diferentes instrumentos de avaliação é o objetivo que tem de se conseguir.

Uma nota final não deveria resultar do somatório da nota do exame, propriamente dito, com uma avaliação contínua nas aulas, ou seja, não deveria refletir o percurso do aluno ao longo do ano?

No estudo sobre Portugal, uma das coisas em que reparámos é que se misturavam várias coisas na mesma nota, por exemplo, a avaliação de aprendizagens e a avaliação de comportamento. E se se mete tudo na mesma nota, então a nota não quer dizer nada.
É preciso definir bem o que a nota reflete verdadeiramente em termos da aprendizagem. Os exames podem captar um determinado número de competências que os alunos adquirem, mas não todas aquelas que fazem parte dos objetivos de aprendizagem. A avaliação também deve ter um uso formativo, isto é, tem de contribuir para o desenvolvimento da aprendizagem futura, adequando-a ao aluno. E o exame tem menos potencialidade para ajudar neste sentido, porque é mais sumativo. A componente formativa deve receber particular atenção no contexto de estratégias de avaliação de alunos desenvolvidas ao nível da escola, com processos de ensino individualizado para os alunos.
Ou seja, é preciso ter muito cuidado na interpretação do que se considera uma nota. As notas podem querer dizer muitas coisas, porque também dependem das referências e dos standards. Até porque outro desafio importante é a aplicação uniforme e sistemática da avaliação de alunos em relação a padrões de aprendizagem de um professor a outro e de uma escola a outra.

O que é que a OCDE entende por avaliação formativa?

A avaliação formativa é a que permite melhorar as estratégias de ensino, de maneira a melhorar o desempenho do aluno, e que é feita no momento. Isto é, são todas as estratégias que permitem ao professor dar feedback imediato individualizado ao aluno na sua aprendizagem.

O relatório diz que essa avaliação está pouco desenvolvida em Portugal. Não será uma generalização?

Há sempre um risco, neste tipo de relatório, de se fazerem considerações mais gerais.
Naturalmente, nós não dispomos de um estudo mais quantitativo e mais preciso sobre a aplicação das técnicas de avaliação formativa em Portugal, até porque a própria definição de avaliação formativa é difícil de fazer. Aquilo que constatámos foi dentro da descrição que nos foi feita, porque durante o estudo visitámos escolas e falámos com professores e alunos. Não estivemos nas salas de aula, mas fizemos muitas perguntas sobre as práticas. E, claro, no contexto de um projeto internacional, comparámos com o que se obtém nos outros países.
Aquilo que constatámos é que há uma ênfase particular no sumativo, isto é, um enfoque particular nas notas, na redução da aprendizagem a um número, a uma nota; não havia a preocupação de ver a avaliação como algo que permita um imediato ajuste das práticas pedagógicas para melhorar o ensino. Nas diferentes escolas que tivemos oportunidade de visitar, também vimos pouco desenvolvidas práticas do tipo de envolver os alunos na aprendizagem, de lhes perguntar o que querem aprender; que se autoavaliem, que avaliem os seus pares – tudo estratégias para utilizar a avaliação como motivação para o aluno e para o envolver na sua própria aprendizagem.

Não vimos um acento tão forte como noutros países.

Frequentemente, são dados exemplos de outros países onde existem sistemas de ajuda aos alunos com mais dificuldades de aprendizagem.

Também já começam a existir em Portugal.

É essa a questão. Há uma diferença assim tão grande? E por outro lado, é possível uniformizar os sistemas?

Não. Quando se dão exemplos de outros países, não quer dizer que se faça exatamente como nesses países, porque a cultura e os contextos são muito importantes. São ideias para introduzir esses conceitos nos próprios ...
sistemas de ensino. No caso específico da avaliação formativa, as práticas naturalmente existem nas escolas portuguesas. Mas o importante é que todas essas práticas passem a fazer parte da rotina do professor na aula, isto é, que sejam um reflexo do próprio professor e não apenas sistemas de ajuda institucionalizados, complementares à sala de aula; é o professor ter capacidade para identificar rapidamente problemas de aprendizagem, para adaptar o seu próprio ensino e o diferenciar dentro da sala de aula, para se preocupar exatamente em ajudar o aluno e para elevar as expetativas sobre os diferentes alunos. E isso tem muito de cultural, tem a ver com a prática do dia a dia, de enraizar essa prática nas escolas portuguesas.
Um exemplo que damos no relatório tem a ver com a retenção dos alunos e com as altas taxas de retenção registadas em Portugal, o que até certo ponto reflete um aspeto muito enraizado – usar o “chumbo” como expressão de exigência, em vez de se considerar o apoio complementar como uma abordagem mais eficiente.

Consideram que há uma obsessiva utilização do “chumbo”? Mas se, realmente, o aluno não aprender?

Existe uma excessiva utilização do “chumbo” – Portugal está entre os três ou quatro países da Europa com maiores taxas de retenção.

Em primeiro lugar, o que quer dizer “não aprender”?

Uma coisa é colocar uma barreira igual para todos e, enfim, os alunos passam ou não passam, é responsabilidade deles. Outra coisa é ver o problema ao contrário, isto é, como adaptar o sistema de ensino de maneira a que todos aprendam. Porque as crianças chegam à escola de meios diferentes, de contextos diferentes e com capacidades diferentes, sobretudo nos primeiros anos.
Portanto, o que há a fazer é dar a todos o apoio necessário para a aprendizagem de todos.
Depois, se realmente estamos preocupados com a aprendizagem de todos, é necessário haver meios para diagnosticar quem é que começa a ficar atrasado na sua aprendizagem e quando é que se deve intervir. E há uma série de intervenções que podem resultar: dar aulas complementares aos alunos que estão a ficar para trás; durante uns tempos, disponibilizar-lhes a ajuda de outro professor dentro da sala de aula... Claro que o atraso pode acumular-se e a certa altura começar a ser significativo.
Por isso, é preciso que as intervenções ocorram bastante cedo e sejam diversificadas, para assegurar que os alunos vão aprendendo o que é necessário.
Finalmente, quando chega a altura de certificar aprendizagens, por volta do 9º ano, tendo em conta que as aprendizagens são diferentes e que as características dos alunos são diferentes, é preciso diversificar a oferta educativa, para que cada um tenha lugar dentro do sistema de ensino. Isso faz-se de dois modos: primeiro, ajudando o aluno, reforçando o apoio e assegurando que ele não fique atrasado na sua aprendizagem; depois, adaptando as ofertas educativas às diferentes aptidões e interesses dos alunos.

Isso pode ser fator de exclusão?

Sem dúvida. De acordo com os resultados da investigação existente, o fator mais importante para explicar os resultados dos alunos é o contexto socioeconómico em que vivem, mais do que as capacidades próprias e a ação da escola. Um aluno de um meio desfavorecido, que não tenha um quarto onde estudar, que não tenha pais que o empurrem para estudar, está à partida desfavorecido.
Quero dizer com isto que, em qualquer etapa do percurso escolar, os resultados refletem muito mais do que o esforço e a capacidade intelectual do aluno, refletem o contexto socioeconómico e a eventual desvantagem do aluno. Quer dizer que os alunos que repetem mais, que “chumbam” mais nos exames, são tendencialmente de meios socioeconómicos desfavorecidos. Isso acaba por penalizá-los, acentuando as desigualdades, e, portanto, são necessários meios compensatórios – porque, no fundo, esses alunos estudam em circunstâncias mais difíceis.
A avaliação centrada no aluno é uma das recomendações da OCDE. Como concretizá-la, tendo em conta que não se pode mudar o ensino de um momento para o outro?

É algo que leva tempo, porque é também uma questão das práticas nas escolas. O que queremos dizer com isso?

Que o processo de avaliação seja, primeiro, em benefício do aluno, isto é, que a parte formativa funcione e ajude a estabelecer estratégias para melhorar a aprendizagem de cada aluno, individualmente. Tem a ver, também, com as práticas pedagógicas dentro da sala de aula, com a motivação do aluno para a aprendizagem.
É não ter aquela situação “tradicional”, em que o professor vai ao quadro, transmite a todos e depois faz um exame – o que, naturalmente, também já está a mudar em Portugal; é envolver os alunos na sua própria aprendizagem, perguntar-lhes o que querem aprender, pedir a sua própria opinião sobre o professor no fim de cada trimestre, por exemplo. É assegurar que o ensino é diferenciado e adaptado às características dos alunos, e isso faz-se através das tais avaliações formativas, que podem ajudar a identificar melhores práticas para os diferentes alunos individualmente; é ter altas expetativas para os alunos, o que implica, por exemplo, não utilizar a repetência como recurso, que até certo ponto pode responsabilizar o aluno.
É não pôr a exigência toda no aluno – por exemplo, com esta tendência de introdução dos exames, há uma certa mensagem de exigência concentrada nos alunos; é transmitir essa mensagem também aos outros agentes dentro da própria escola. É haver avaliação de professores, de diretores de escola, dos decisores de política educativa; é envolver os pais, perguntar-lhes o que pensam da própria escola, como é que ela pode ser melhorada. Enfim, é responsabilizar todos um pouco.
É, no fundo, partilhar a experiência e a responsabilidade de ensinar. E tudo isso tem a ver com que o aluno seja uma parte ativa da sua própria aprendizagem.

 

QUALQUER POLÍTICA SÓ TEM IMPACTO SE MODIFICAR AS PRÁTICAS

 

Sobre a avaliação dos professores, o relatório refere que está mais focada na progressão na carreira do que propriamente no desenvolvimento profissional e na melhoria da prática docente.

A primeira coisa a dizer é que, na realidade, a avaliação de professores não está implementada em Portugal. Há uma lei, há um modelo que já foi modificado várias vezes, mas, na prática, ainda não foi implementada. A segunda coisa tem a ver com o modelo que existe, descrito na lei.
O que se passa é que nos modelos que foram sendo desenvolvidos houve uma concentração particular na função de prestação de contas da avaliação. Isto é, quando se faz uma avaliação, há três objetivos essenciais: a prestação de contas, a melhoria das práticas (a função formativa) e a função diagnóstica, que por vezes faz parte da formativa. Acontece que o modelo desenvolvido sempre se concentrou mais na prestação de contas, sobretudo na sua relação com a progressão na carreira, que é um conceito correto – nós concordamos que tem de haver uma ligação com a progressão, porque é importante prestar contas em termos de desempenho profissional, e é bom princípio que o desempenho condicione a progressão dos professores. Mas, paralelamente, não foi operacionalizada, ou bem desenvolvida, a componente formativa – quais são as implicações da avaliação no desenvolvimento profissional dos professores? – e o que acontece é que o desenvolvimento profissional, ou a formação contínua, é essencialmente ditada pelas preferências dos professores; que em parte deve ser, mas tem de ser determinada pelas insuficiências e carências em termos da própria prática do professor identificadas através da avaliação do professor.
Ou seja, a componente que permitiria aos professores refletirem sobre a sua prática e melhorá-la não está desenvolvida. Portanto, não entra na rotina do professor nem da escola. ...

O relatório fala de práticas tradicionais. Concretamente, a que se refere?

Dizemos isso mais no contexto da avaliação dos alunos, e tem mais uma vez a ver com a cultura e a maneira como é vista e concebida a avaliação pelos próprios professores.
A ideia que passa para um observador é que o professor concebe a sua própria avaliação mais como prestação de contas, como meio de controlo, de verificação do cumprimento das regras, etc., e não tanto como oportunidade para melhorar as suas práticas e de crescer como professor. E o facto de o modelo se concentrar sobretudo na prestação de contas e na progressão na carreira reflete-se na maneira como o professor vê a sua profissão.
Outro aspeto importante no relatório, essencial em termos de avaliação de indivíduos, é o facto de se tentar alcançar a melhoria das práticas – função formativa – através de um modelo de prestação de contas. Ou seja, é um modelo único que tenta alcançar duas funções, o que levanta um problema: quando o professor sabe que a avaliação pode ter consequências na sua carreira, na autoavaliação não vai estar tão aberto às suas próprias fraquezas, e a avaliação acaba por ser menos autêntica do ponto de vista da melhoria das suas práticas; o que é perfeitamente natural, porque sabe que pode sofrer consequências em termos da progressão.
Por isso é que no relatório defendemos uma avaliação que tenha duas componentes: a primeira é essa, da prestação de contas, mais ou menos dentro da estrutura que já tem, com algumas modificações; a outra seria a introdução de uma nova componente, ao nível de escola e puramente formativa, isto é, uma avaliação feita por agentes da própria escola, com um modelo desenvolvido na escola e que tenha como única consequência o desenvolvimento de um plano de formação contínua para cada professor, sem repercussões na carreira. Aí, sim, consideramos que poderá haver melhoria autêntica das práticas; mas também dizemos que esse modelo tem de ser validado externamente (por exemplo, pela Inspeção Geral da Educação), para assegurar que cada escola o desenvolve realmente e que o diretor seja responsabilizado pela sua implementação.

O relatório também recomenda mais autonomia e responsabilidade para os diretores das escolas...

Pois... Esse é outro ponto essencial. A afirmação da liderança pedagógica das escolas é uma reforma com bastante impacto noutros países, mas que em Portugal, apesar do progresso que já se fez, ainda está pouco desenvolvida. O que constatámos é que há pouca autonomia e que as lideranças tendem a acentuar a componente administrativa. Defendemos que são necessários líderes pedagógicos e maior autonomia para essa liderança, porque nas escolas tem de haver capacidade para liderar um projeto pedagógico, para conduzir uma equipa, para oferecer feedback para a melhoria das práticas, etc.
Em 2010, apresentou um trabalho sobre a avaliação das escolas como “gerador de mudança”.

Qual a sua real importância?

O essencial é dizer que qualquer política, a qualquer nível, só tem impacto se modificar as práticas. E aqui, quem está em melhor posição para realmente efetuar mudanças e assegurar que as reformas tenham impacto dentro das salas de aula é a parte local, a própria escola.
No desenvolvimento de políticas a nível central, o importante é que existam mecanismos que assegurem a ligação com o nível local e que a mudança se realize efetivamente dentro da sala de aula. Nesta perspetiva, os agentes que estão nas escolas são quem está em melhor posição para efetuar as reformas e pô-las em prática. Daí a liderança e o funcionamento das escolas serem muito importantes.
Naturalmente, a partir do momento em que aumenta a autonomia, também é necessária uma avaliação externa mais complexa para ver como está a funcionar a escola autónoma e assegurar que as diferentes funções da Escola estão a ser cumpridas.
Como dizemos no relatório, uma das conquistas da avaliação em Portugal é a avaliação externa das escolas estar bem implementada e ter havido progressos. Portugal já entrou no segundo ciclo da avaliação externa das escolas e é uma área que tem recebido o apreço das próprias escolas. Uma das vantagens tem sido uma abordagem muito mais formativa do que punitiva ou de prestação de contas; houve o cuidado de desenvolver primeiro a componente formativa para, exatamente, enraizar a prática e a cultura da avaliação externa.
Curiosamente, a autoavaliação de escolas ainda é incipiente. Talvez por uma questão de cultura, a visão externa predomina sobre a iniciativa das próprias escolas para se avaliarem.

Acha que em Portugal há resistência à avaliação?

Pelo que percebi, não há resistência à avaliação; há resistência a alguns modelos. Penso que nos últimos anos tem havido muito progresso em termos de aceitação do conceito de avaliação e de que todos os agentes nos diferentes níveis do sistema de ensino têm de ser avaliados, embora haja divergências sobre como realizar essas avaliações e com que consequências – portanto, mais do ponto de vista técnico.

Defende a máxima “avaliar com consequências”?

“Consequências” pode querer dizer muita coisa. Avaliar não é um fim em si, é um meio para atingir um fim. O que defendo é que se utilizem sempre os resultados das avaliações, mas os resultados podem ser utilizados de maneiras diferentes, porque há várias funções para a avaliação.
Consequências têm de haver sempre, de alto impacto ou de baixo impacto para os indivíduos. As avaliações servem vários propósitos, dependendo de quem está a ser avaliado, mas normalmente têm as três funções que referi: prestação de contas, melhoria das práticas e diagnóstica.

O relatório apresentado em abril teve o impacto desejado?

Isso é muito difícil de dizer, porque o impacto pode ser a vários níveis. Há sempre o impacto legislativo ou de reforma, no sentido de o Governo em funções tomar algumas medidas com base no relatório – ainda é cedo para saber se será o caso, porque passou pouco tempo desde que o relatório foi divulgado. Depois há o impacto em termos de gerar discussões temáticas, e nesse aspeto acho que foi positivo, porque levantou algumas questões que precisam de ser debatidas no sistema de ensino português: sobre a avaliação dos alunos, sobre a repetência, etc.
Agora, em termos de desenvolvimento de políticas e de melhoria das práticas nas escolas, isso leva tempo. Mas penso que se a mensagem for repetida, irá passando pouco a pouco, até porque mensagens deste tipo já têm sido proferidas por várias organizações.
A nossa esperança é que estes relatórios não sejam só para os governos. Eles são para todos os interessados utilizarem nas suas discussões, para criar reflexão e ajudar a formar opiniões. Porque o objetivo é fazer com que as políticas educativas sejam baseadas em evidências e em boas práticas, e não, por exemplo, puramente ideológicas.

Como são realizados estes estudos?

Em termos de metodologia, é importante dizer que são feitos em vários países, no contexto de um projeto mais vasto. Neste caso, é um projeto sobre políticas de avaliação em sistemas de ensino, no qual participam 24 países. Tentamos resumir o melhor possível o que sabemos em termos de investigação no domínio da avaliação educativa e refletimos sobre as implicações desse conhecimento nas políticas educativas.
Todos os relatórios têm como base a informação recolhida nos nossos estudos. Além disso, há uma componente comparativa das práticas nos diferentes países.
Depois, formamos uma equipa que inclui membros do secretariado da OCDE, que estão a trabalhar neste mesmo projeto, e também convidamos peritos externos (à OCDE e ao país visitado), pessoas com muita experiência nesta área. No caso do estudo sobre Portugal, tivemos o senhor Graham Donaldson, que já foi o inspetor- chefe da Escócia – provavelmente a inspeção com mais prestígio na Europa – e a senhora Anne Looney, que lidera a Agência de Desenvolvimento de Currículo e Avaliação da Irlanda. Depois, fazemos um estudo prévio sobre a situação do país, pedimos às autoridades locais um relatório sobre as suas práticas, analisamos esse relatório em profundidade e desenvolvemos toda uma interação com os próprios ministérios no sentido de organizar uma visita.

 

NÃO HÁ UMA BOA ESCOLA, HÁ VÁRIAS BOAS ESCOLAS EM CONTEXTOS DIFERENTES

 

No caso de Portugal…

Organizámos uma visita de aproximadamente uma semana, em que falámos com todos os grupos que identificámos como relevantes: departamentos do Ministério da Educação, o próprio ministro, sindicatos, associações profissionais, de diretores de escola, de alunos…
Uma série muito abrangente, por exemplo, incluindo associações que defendem os interesses de alunos com necessidades especiais.
Visitámos seis escolas, onde falámos com os órgãos de gestão, com professores e com alunos, de maneira a recolhermos informação de todo o tipo, desde a que vem da investigação pura e dura até às opiniões e impressões dos diferentes atores no terreno, das pessoas que implementam as políticas no dia a dia.
Portanto, é uma variedade muito grande de informação, que mastigamos e digerimos. Depois, é a nossa própria opinião que sai, ou seja, uma perspetiva externa, de um grupo que mais facilmente é surpreendido, porque vem de fora e não conhece bem a realidade; e ao mesmo tempo, uma visão independente, porque nenhuma das pessoas que está no grupo tem qualquer interesse instalado – apenas dá uma visão idealizada; ideal do seu ponto de vista.
Claro que não temos a pretensão de dizer que estamos a oferecer a verdade e que só esta via é possível, mas são reflexões e contributos para alimentar o debate nacional e ajudar a que se desenvolvam novas políticas baseadas em evidências.

Percebe-se que não assistiram a nenhuma aula...

Não, até porque a informação que íamos recolher poderia ser limitada. Quando uma aula é visitada por um grupo com pré-aviso, não vamos ter propriamente o autêntico.
E para aquilo que analisamos é-nos suficiente a troca de impressões e o questionar sobre as práticas na sala de aula, mas sem observá-la, efetivamente.

Tendo em conta não só este relatório, mas também outros, que diagnóstico faz da Educação em Portugal?

Essa é uma pergunta muito vasta… É preciso ter consciência de que nos últimos 30 anos tem havido muito progresso em diferentes áreas do sistema de ensino: na cobertura, no facto de haver camadas da sociedade que hoje estão bem integradas no sistema, a própria diversificação da oferta… Mas, naturalmente, como em todos os sistemas educativos, ainda há uma série de lacunas, de práticas demasiado enraizadas nas escolas que é preciso modificar para assegurar uma melhor aprendizagem.
E várias dessas coisas são focadas no nosso relatório. Estamos a falar de conceber os resultados da aprendizagem como muito mais do que resultados e notas dos exames; de ter uma visão muito mais abrangente do que se aprende nas escolas; de acentuar muito mais as funções formativas de todo o tipo de avaliação; de assegurar a equidade no ensino, isto é, assegurar que a equidade é um aspeto que também se avalia dentro do sistema de ensino. Estamos a falar de desenvolver lideranças pedagógicas nas escolas; de desenvolver um conceito de avaliação que vá para além do controlo e da prestação de contas; de desenvolver o juízo profissional entre agentes escolares – um colega não emite um juízo sobre outro, o diretor tem medo de emitir um juízo… Outra coisa é não haver um ambiente de sala aberta, tanto para a avaliação dos professores como para a avaliação das escolas; ainda há muito a fazer em termos da partilha de práticas entre colegas, da colaboração…
Portanto, uma série de práticas que ainda não fazem parte da cultura das escolas e que seria importante ir introduzindo ou desenvolvendo, porque essas é que garantem um verdadeiro crescimento no desempenho dos alunos. O que se passa dentro da sala de aula, o pedagógico, é que assegura o crescimento sustentável da aprendizagem no ensino português.

Para terminar, como é uma boa escola?

Não há uma boa escola, há várias boas escolas em contextos diferentes. Tal como há várias maneiras de alcançar bons resultados de aprendizagem, há várias maneiras de fazer boas escolas. Se quiser uma definição um bocadinho geral, sem rigor analítico, é uma escola onde se cumprem os objetivos de aprendizagem, onde os alunos são motivados para aprender e estão felizes por aprender.

E há boas escolas em Portugal?

Com certeza. Há sempre bons exemplos em todo o lado. Da Eletrotecnia à Economia da Educação.
Inicialmente, quando era jovem, queria ter uma formação técnica, rigorosa. Na altura da entrada na universidade, a Engenharia Eletrotécnica era uma opção bastante atraente do ponto de vista técnico; mas desde cedo percebi que não ia exercer, porque me dei conta de que preferia uma profissão que tivesse mais a ver com resolver problemas de pessoas do que problemas de máquinas.
Depois, quando tive de decidir que área seguiria, e também por influência do meu irmão, pensei que a Economia poderia cobrir várias áreas sociais do meu interesse; fiz uma experiência no mestrado e gostei, avancei para o doutoramento e especializei-me em Economia da Educação. É uma área que me fascina e que me tem agradado imenso em termos do trabalho desenvolvido.

Viver em Paris e acompanhar o sistema educativo português.

É muito fácil. Trabalho numa organização que tem vasta informação sobre o desenvolvimento de reformas educativas de todos os seus países-membro. A OCDE tem das melhores estatísticas em termos educativos. E depois, tenho o privilégio de poder fazer estudos de fundo em diferentes países, o que me permite conhecer de maneira muito concreta e de muito perto vários sistemas de ensino. Uma das vantagens para poder perceber melhor o sistema de ensino português é, exatamente, poder compará-lo a outros e estar consciente de quais são as práticas noutros países. E, claro, os próprios estudos que fazemos sobre Portugal – eu já fiz dois. Aí tem de haver um estudo muito aprofundado, muito no detalhe.
E também temos por prática seguir os jornais, as notícias de Educação dos diferentes países.
Portanto, acaba por não ser muito difícil.

Maria João Leite


  
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