A espetacularização da vida cotidiana tem nas escolas um de seus palcos. Especialmente nas escolas brasileiras, estudantes vestem-se para compor uma “persona”, uma imagem para apresentar ao mundo nas passarelas escolares.
A cena contemporânea tem produzido novos modos de viver, providenciado infindáveis fontes de inspiração para as identidades e outros jeitos de ser criança, jovem, adulto ou velho. Os pertencimentos estão hoje desencaixados das categorias usualmente consideradas matrizes identitárias; correspondem a outros desejos, têm outras fontes de inspiração e respondem a urgências impensadas. Roupas e seus complementos são artefatos que vem revolucionando os modos de vida, desarticulando códigos que por séculos definiram posições sociais, sejam estas relacionadas a gênero, geração, cultura, etnia, religião, profissão ou condições socioeconômicas. Há incontáveis indícios de que o nicho privado ocupa um espaço cada vez mais reduzido na vida das pessoas, em vista do fascínio exercido pela cena contemporânea espetacular e pública. Nesta tendência, os investimentos estão concentrados na imagem para ser exposta, mostrada, exibida, e os primeiros cuidados nesta direção dizem respeito às roupas. Vestir-se tem sido, através dos tempos, componente central da experiência humana, abrangendo tanto a dimensão material quanto a simbólica. Dentre muitas outras coisas que as histórias do vestuário e os museus de trajes relatam, vestir-se implica agasalhar-se, enfrentar adequadamente as condições climáticas e as exigências impostas pelo status social e pelas regras de decoro, assim como significa, também, compor uma “figura”, uma imagem para circular na intimidade ou adentrar os espaços públicos. Não apenas as mulheres, mas também homens e inclusive crianças, foram, ao longo dos tempos, objeto de inúmeras flexões e modelagens que incidiram sobre seus corpos mediante o uso de certos trajes do vestuário cotidiano, variando segundo os cânones de distintas épocas e culturas. Tais modelagens não formataram apenas as silhuetas; elas regularam as formas de mover-se, andar, cavalgar, sentar, desenharam os gestos, as falas, os olhares, e ajudaram também a compor a interioridade, os sentimentos. Os trajes são parte da composição de uma “persona”. É ao considerar o vestuário manifestação cultural que nos conta sobre os modos de ser e viver de cada tempo que me volto brevissimamente para as condutas de crianças e jovens contemporâneos em relação ao vestir-se. Ao circular por ruas e escolas de algumas cidades européias (Lisboa, Madri e Karlsruhe) e brasileiras (Canoas, Cachoeirinha e Porto Alegre), chamam minha atenção as indumentárias sempre coloridas e “bem transadas” usadas por crianças e jovens de hoje. Independentemente da condição socioeconômica, seu vestuário está marcado inequivocamente por tendências fashion em voga no momento: colantes sob bermudas ou shortinhos, camisas longas sobre t-shirts ou mini coletinhos rendados sobre blusinhas justas, pequenos e coloridos lenços triangulares sobre os cabelos e a testa amarrados na nuca. Tênis, sapatilhas e sandálias são surpreendentes em sua variedade e atualidade, assim como pulseirinhas, anéis, reloginhos, brincos e outros adereços. Camisetas, bolsas, mochilas e bonés onde despontam heróis de animes infantis das grandes corporações midiáticas – Barbie, Hello Kitty, Homem-Aranha, etc. – são uma constante entre as crianças escolares destas cidades. Sem esquecer, obviamente, dos aparatos tecnológicos, como fones de ouvido e celulares, que já se transformaram em uma espécie de acessório aderido à indumentária. Tais vestimentas, tendências e estilos são também visíveis no interior das escolas. Lenços em torno do pescoço fazem hoje parte do vestuário dos meninos mais velhos, e os cuidados com os cabelos – cujos cortes são predominantemente inspirados em jogadores de futebol e outras celebridades esportivas e midiáticas, como é o caso de ídolos da música pop do momento – surgem em todas as idades. Mas voltemos às roupas. Com exceção de Madri, onde observei que muitas escolas adotam uniformes, em Lisboa vê-se poucos, nas cidades brasileiras idem, e em Karlsruhe e seus arredores, estudantes não os usam. Contudo, vestir uniformes não significa submeter a imagem pessoal a uma padronização minimalista. A customização dos uniformes é uma constante e, como afirma Catherine Balet («Identity. Dress Codes in European Schools»), a maior parte dos estudantes cria maneiras de torná-lo singular. Incorporação de adereços, subversão das formas usuais de enlaçar uma gravata ou de portar um chapéu, chaveiros pendurados nas mochilas e pastas, anéis intrigantes e brincos usados em lugares incomuns, todos eles são pequenos, mas importantes detalhes que fazem diferença no que diz respeito a subversão das regras, desafio às normas e afirmação da identidade individual de crianças e jovens. Marcas das sociedades pós-modernas estão aí presentes. Uma certa padronização das tendências surge como um dos efeitos da era da globalização. Os logos das marcas mais conhecidas, os estilos dos ícones midiáticos e os objetos techno viajam pelo mundo sem fronteiras (de qualquer tipo!) e marcam presença nas composições indumentárias de crianças e jovens de distintos países do globo. O vestir-se para expor-se tem versões contemporâneas, e a espetacularização da vida cotidiana tem nas escolas um de seus palcos. Especialmente nas escolas brasileiras, estudantes vestem-se para compor uma “persona”, uma imagem para apresentar ao mundo nas passarelas escolares.
Marisa Vorraber Costa
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