Em silêncio, a atual equipa dirigente do MEC vem concretizando uma política que questiona pilares essenciais da escola pública.
Paulatinamente, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) está a pôr em prática uma política pensada e deliberada que põe em causa valores fundamentais da escola pública tais como a igualdade de oportunidades para aprender, a equidade e a solidariedade ativa para com os mais desprotegidos. Os responsáveis do MEC referem-se a uma “avaliação mais rigorosa”, a uma melhor “estruturação dos programas”, ao trabalho “organizado e bem planeado” dos professores e à seleção dos “mais bem preparados” através de “uma prova de avaliação para acesso a ser professor”. Mas não dão a conhecer o real conteúdo destas expressões, porque, dizem, “estamos a trabalhar sobre o assunto”. Em silêncio trabalha-se para acabar com a escola básica de nove anos para todos. A ação ilustra bem o que se pretende. A gestão é essencialmente incompetente. O desconhecimento do sistema educativo é evidente. A ideologia está clara e comanda a política em marcha. Em silêncio estão também outros protagonistas. É preocupante. Há muito para dizer e refletir sobre o que se está a passar. Mas tenho de me limitar a enunciar telegraficamente algumas das concretizações da atual política do MEC.
Gestão e desenvolvimento curricular. O MEC tem em curso uma “revisão curricular” em que começou por definir a carga horária das diferentes disciplinas, depois determinou as metas de aprendizagem e, finalmente, mandará elaborar os programas! As metas para o Ensino Básico, em discussão, serão obrigatórias em 2013/2014, mas parece nada terem a ver com o programa atualmente em vigor. De facto, ignoram a lógica de ciclo, desvalorizam a relevância da compreensão, utilizam uma linguagem inadequada, têm erros científicos e promovem o facilitismo. Tudo parece indicar que, na prática, estas metas alterarão drasticamente o programa em vigor, sem formalmente lhe “mexer”. Baseado em tudo menos no conhecimento existente e nas práticas correntes nos países desenvolvidos, o MEC determinou que as notas obtidas na disciplina de Educação Física deixam de ser consideradas para calcular a classificação final dos alunos do Ensino Secundário. Que conceção de currículo explica esta medida? Que sinal se está a dar aos jovens e à sociedade? Nas disciplinas de opção do 12o ano, as cargas horárias foram substancialmente reduzidas e os programas mantêm-se sem que haja quaisquer orientações para gerir o currículo nestas circunstâncias. Será que a visão existente no MEC considera que tanto faz?
Avaliação. A atual política educativa está orientada pela crença de que, através dos exames, alunos e professores vão aprender e ensinar melhor. A investigação mostra que a avaliação realizada nas salas de aula é a que melhor pode contribuir para que todos os alunos aprendam. Por natureza, os exames não o fazem, pois limitam-se a medir certas aprendizagens no final de um dado período de tempo, para selecionar, classificar ou certificar. Penso que os exames podem ter um importante papel na regulação e desenvolvimento dos sistemas educativos, mas têm de estar bem articulados com a avaliação interna. Por isso, o investimento primordial tem de ser na melhoria dos conhecimentos e das práticas dos professores nos domínios do ensino e da avaliação. Logo, é um absurdo acabar com programas de formação de professores de Matemática, de Ciências e de Língua Portuguesa com resultados positivos comprovados.
Gestão e planeamento do sistema. O MEC tomou um conjunto de medidas e parece não ter avaliado os seus reais efeitos na gestão do sistema. Refiro, a título de exemplo: o aumento do número de alunos por turma; a já referida redução substancial da carga letiva nas disciplinas de opção do 12º ano; o número de alterações curriculares que reduzem cargas letivas. Será que o MEC sabe o que vai acontecer em termos, por exemplo, das necessidades de professores? Os professores contratados têm servido o sistema, alguns há largos anos – podem ser descartáveis? As escolas estão com sérios problemas na organização do ano letivo porque as medidas chegam tarde e são, em geral, pouco claras. Em silêncio, a atual equipa dirigente do MEC vem concretizando uma política que questiona pilares essenciais da escola pública. Quanto mais silêncio?
Domingos Fernandes
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