Bastaram dez dias sobre a implantação da República para começarem a ser publicados os primeiros diplomas legais com a finalidade de colocar Portugal, no que à educação dizia respeito, ao nível dos países europeus mais evoluídos. Acabar com o analfabetismo – em 1907 atingia uma percentagem próxima dos 80%, numa população que não chegava a seis milhões –, criar escolas primárias em número suficiente para que a educação fosse um bem acessível a todos, melhorar a preparação pedagógica e científica dos professores, bem como as suas condições de vida, pondo fim à sua mísera situação económica, constituíram as primeiras medidas daqueles que, no dia 5 de Outubro de 1910, meteram ombros à tarefa de criar e consolidar “uma nova maneira de ser português, capaz de expurgar a Nação de quantos males a tinham mantido, e mantinham, arredada do progresso europeu, sem força, sem coragem, sem meios para sacudir de si a sonolência em que mergulhara” [Rómulo de Carvalho].
A instrução e a educação foram, todos o reconhecem, os principais meios utilizados pela República para reformar a mentalidade portuguesa. Daí a prioridade, diria mesmo urgência, que os republicanos de então puseram na necessidade de intervir nestes domínios. Intervenções muitas vezes mal compreendidas, mas com um alcance difícil de contestar. Quando falo na incompreensão pelas medidas da República, refiro-me, a título de exemplo, àquelas que, decorrentes da reforma de 29 de Março de 1911 – que tinha como um dos objectivos a “libertação do aluno como ser humano” –, implicavam, naturalmente, o combate ao jesuitismo e à submissão. Se esta laicização significava para alguns, tão-somente, a “instituição da neutralidade religiosa”, significava para outros um feroz ataque aos Jesuítas e à Igreja Católica. Uma coisa é certa, “os legisladores republicanos apontaram as suas armas certeiras para determinadas muralhas, altas e espessas, cuja implantação, no território das actividades pedagógicas, impossibilitava o avanço dos ideais revolucionários. Eram elas a presença das Ordens Religiosas no ensino, a doutrinação católica nas escolas do Estado e as praxes e privilégios da Universidade de Coimbra” [Rómulo de Carvalho].
Eram muitos os privilégios de que, até então, beneficiavam certas camadas da população. Privilégios sem qualquer sentido, como o que isentava os estudantes universitários da justiça ordinária, que, conjuntamente com certas práticas e costumes, foram abolidos por decreto logo no dia 23 de Outubro de 1910. Faz sentido lembrar que, até então, nos actos de posse, o reitor e os mestres universitários prestavam juramento sobre os evangelhos. Análogos juramentos, igualmente abolidos, eram prestados pelos estudantes no momento da sua primeira matrícula.
Durante a 1.ª República, embora nem sempre concretizadas, foram muitas e diversas as medidas propostas nos domínios da educação e do ensino. A intervenção prioritária nos ensinos Primário e Universitário veio responder, por um lado, à preocupação em não atrasar a criação do novo modelo de Homem português, cujas sementes deviam ser lançadas logo nos primeiros anos de escolaridade, e, por outro, à necessidade de decapitar, com a maior brevidade possível, a influência coimbrã, que – porque portadora de uma mentalidade conservadora – impedia a afirmação dos novos valores.
Embora o Ensino Secundário não tivesse sido esquecido pelos legisladores republicanos, não teve, no imediato, uma atenção idêntica à dispensada nos outros dois escalões de ensino, em parte pelas razões enumeradas. Para António Sérgio, tratou-se de “ir ajustando de contínuo o funcionamento dos estudos”, abandonando a “ideia das reformas instantâneas e definitivas, legisladas num momento”. Foram também muitas, e com sucesso, as iniciativas não oficiais, como a criação de escolas móveis para o combate ao analfabetismo. Foram tomadas outras iniciativas, algumas delas promovidas ainda durante a Monarquia pelos obreiros da República, que resistiram ao Estado Novo. Merece referência, pelo seu carácter simbólico, a Festa da Árvore, “uma festa escolar, claramente educadora e com a ideia da regeneração”, que tinha, entre outros, o objectivo de promover o valor da fraternidade – também eu plantei, quando aluno da Primária, a minha árvore.
Passaram 100 anos. Foram muitas as realizações da República e também os insucessos, que não podem e não devem ser avaliados fora do contexto e das condições da época. Um contexto marcado pela instabilidade – foram 51 os responsáveis pelo Ministério da Instrução Pública entre 7 de Julho de 1913, data da sua criação, e 1926 –, que não só não impediu, mas até estimulou os homens da República para o combate à corrupção e aos interesses dos grupos oligárquicos reinantes, de modo a fazer sair Portugal da crise económica, social e moral em que se encontrava.
Foi generosa e patriótica a acção da República. Uma acção que, balizada pelos princípios da fraternidade, da liberdade e da democracia, teve na educação e no ensino os meios privilegiados para a construção de um Homem Novo, que, se para alguns não passava de uma utopia, para outros consubstanciava uma das condições indispensáveis ao progresso.
Henrique Borges
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