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O valor do Ensino Superior

Existem muitas razões que validam o ingresso na universidade como forma de beneficiar os indivíduos e a comunidade, mas parece terem caído por terra. Os argumentos estritamente económicos apenas servem os interesses dos fazedores de lucro e dos decisores políticos que assumem o Ensino Superior como uma mercadoria.

No dia 4 de Maio, o canal de televisão norte-americano PBS emitiu, na rubrica semanal Frontline, um programa de jornalismo de investigação designado por “College Inc.” O programa analisou as pressões existentes no sentido de um mais amplo acesso dos estudantes ao Ensino Superior nos EUA como resultado de políticas que apelam para mais investimento como forma de desenvolvimento de uma economia competitiva e baseada no conhecimento. Contudo, o programa mostrou que o aspecto mais controverso dessa expansão foi o rápido crescimento das universidades com fins lucrativos, bem como os discutíveis motivos e estratégias de marketing utilizadas por essas instituições. Ainda de acordo com o Frontline, alguns estudantes lidam agora com o pior dos dois mundos: um diploma sem valor e uma dívida enorme.
Naturalmente que podemos questionar se este é um problema de regulação. As organizações com fins lucrativos têm de ser encaradas como qualquer rogue trader, ou seja, proibidas pelo governo de desenvolver a sua actividade até que lancem no mercado um produto com o valor ‘prometido’, a um preço justo e sem pressões das tácticas de venda. Problema resolvido!
Todavia, julgo que há mais qualquer coisa em jogo. Qualquer coisa como isto: os governos de todo o mundo, sob o olhar atento de organizações internacionais como a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico], o Banco Mundial e a Corporação Financeira Internacional, comprometeram-se a promover economias baseadas no conhecimento, sendo, para isso, necessário o aumento do número de graduados em universidades. Duas ideias-chave são usadas como justificação para esta posição política: a correlação entre investimento em capital humano e crescimento económico e a ligação entre investimento em educação e os ganhos privados resultantes desse investimento em nós mesmos.
Aquando do lançamento do Enquadramento para o Ensino Superior, no final de 2009, o ministro do Ensino Superior do Reino Unido frisou que o Ensino Superior continua a ser “um bilhete de entrada para um emprego mais bem pago e para uma melhor preparação para um mundo de trabalho globalizado”. Para provar isto mesmo, o Governo tem-se virado continuamente para o argumento do ‘premium para graduados’. Este remete para o que o estudante poderá vir a ganhar ao longo da vida se tiver um diploma, por oposição aos que entram no mercado de trabalho logo após o Ensino Secundário.
Neste ponto, o argumento do ‘premium’ varia entre um exagero muito grande e o simples exagero quanto ao que o graduado poderá ganhar. O Governo sugere a espantosa quantia de £400,000, enquanto que a empresa de contabilidade global PriceWaterCoopers contrapõe a esse montante o valor mais modesto de £160,000. Apesar desta diferença, parece que, a partir destes valores, investir no Ensino Superior faz sentido, economicamente falando.
Investir no Ensino Superior faz sentido em termos económicos por diversas razões. Os governos de países como a Austrália, o Reino Unido e a Holanda têm incentivado a expansão do acesso ao Ensino Superior, nomeadamente para estudantes internacionais, dado o lucrativo retorno para a instituição e para a economia. Assume-se, portanto, não só que uma educação adquirida num mercado globalizado se traduzirá num maior valor de retorno para o estudante do que se a graduação fosse obtida no seu país de origem, mas também que há mais vantagens económicas para as instituições e países que exportem e explorem as suas potencialidades competitivas.
Porém, investigações recentes indicam que nem todos os estudantes internacionais conseguem traduzir as qualificações adquiridas em contextos internacionais para os mercados de trabalho dos países de origem, e que quem se conhece é tão importante como aquilo que se sabe.
O argumento do ‘premium’ também é utilizado para justificar políticas governamentais mais controversas. Por exemplo, no Reino Unido, o comité encarregado de analisar se se deve aumentar o tecto imposto às universidades quanto ao montante de propinas a cobrar aos estudantes tem defendido que o ‘premium’ garante que os estudantes podem pagar mais pelos seus estudos, já que tirarão maiores benefícios desse investimento em termos de pacotes salariais no futuro.
Em termos estritamente económicos, nem o argumento do capital humano nem o do ‘premium’ são consistentes. No caso do primeiro, apesar dos investimentos significativos em educação nos últimos 50 anos, países como os EUA e o Reino Unido enfrentam um declínio nas suas posições económicas globais. No caso do segundo, há evidências recentes, facultadas pela OCDE (apesar de este organismo apoiar esta agenda), de que existe um declínio no ‘premium’. A razão é óbvia. O valor desse premiumsó é real enquanto o seu valor como ‘bem posicional’ for garantido. Quanto maior for o número de estudantes que entram nas universidades, mais esse valor é reduzido. Por outras palavras, se 50% de uma amostra têm um grau universitário, o valor desse grau é menor do que se apenas 8% dessa amostra o tivesse.
Uma resposta para isto é, naturalmente, a tentativa, por parte de alguns grupos sociais, de protegerem o valor do seu grau de Ensino Superior através de uma qualificação obtida em determinada universidade, ou uma qualificação específica como forma de distinção. Podemos observar, então, que o valor do ‘premium’ abarca, em média, grandes diferenças entre grupos ocupacionais e classes sociais. Um estudo de 2007, realizado pela PriceWaterCoopers, mostra que um valor de £160,000, em média, se traduz em diferenças importantes entre os estudantes, sendo que os licenciados em medicina ou medicina dentária auferiam um ‘premium’ de £340,000, os licenciados em humanidades recebiam um montante de £51,500 e os estudantes de arte apenas £35,000. De facto, este relatório revela ainda que os homens das classes trabalhadores (em oposição aos da classe média) com uma licenciatura em artes iriam ganhar menos do que se tivessem abandonado os estudos antes da universidade e entrado directamente no mercado de trabalho.
Existem muitas razões políticas, sociais e económicas válidas para escolher ir para a universidade como forma de beneficiar os indivíduos e a comunidade envolvente, mas esses argumentos parecem ter caído por terra. Assim, o que é que nos resta se se promover apenas o argumento ‘económico’?
Considero que os argumentos económicos servem os interesses dos fazedores de lucro e decisores políticos que assumem e agem como se o Ensino Superior fosse apenas uma mercadoria. Alguns desses argumentos elevam expectativas, oferecem falsas promessas, encorajam desperícios de dinheiro, geram dívidas. E ainda por cima recebem os louros de um Ensino Superior visto como um mercado sub-prime. Isto será acompanhado por um crescente cinismo quanto ao valor do Ensino Superior.
É, por isso, tempo para um debate adulto e sério sobre estas questões, pontuado por uma maior honestidade nas asserções sobre o valor do Ensino Superior e sobre os valores que devem ser promovidos.

Susan Robertson


  
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