É um instante, um assomo de urgente vontade, uma comoção doce fora de qualquer realidade, misteriosa, breve, num relance em que dissolve o espanto e a ansiedade derramada pela vida sempre que nos perguntamos a lógica de renunciar, quando se pressente ser possível essa inatingível felicidade, e no momento desiludido de um amor impossível, perdido na vertigem e na loucura de uma falsa liberdade, sentimos no peito, surpresos e sem jeito, que houve um tempo em que podendo-nos enamorar não houve senão um vento que em sonhos nos deu uma ilusão de amar. Em segredo, sempre em segredo, que à face deste mundo, e do desatino de um amargo destino, se escondem os beijos, as carícias, as confissões e as promessas, os delírios em que o prazer se agarra, como se o degredo da alegria e da mais verdadeira fantasia seja maior que o nosso próprio desejo, quando de súbito se incendeia, para morrer sem razão antes mesmo que possamos ateá-lo no olhar esquivo e suplicante de uma alma gémea. Haverá um outro dia, uma outra vida, livres desta sina em que sem a glória de um imenso e pedido abraço, o amor se adia, haverá toda a nossa memória a lembrar cada gesto de súplica banido desta vida, deste magoado dia, e o tempo desatará da mordaça o laço, para nos fazermos amar tendo como nosso leito todo o universo. Haverá, e até lá a sombra luminosa que o teu olhar encosta no meu sonho, noite fora, vai despertando em mim o fulgor incontrolado das paixões, e eu, perdido nesta fúria das perdidas multidões, demando esse morno abrigo, a ternura que perdure sobre o desencontro das nossas desilusões. Por cada beijo teu, por cada beijo meu, por cada olhar em que nada mais do que o olhar aconteceu, se agita o nosso mar de espuma a tocar o céu.
Luís Vendeirinho
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