São muitos os exemplos de utilização da Escola com o intuito de fortalecer o sentido de pátria ou unidade de uma nação. Algumas disciplinas, nessas horas direcionadas para isso, ganham força, como a História, o ensino de uma língua e a Geografia. Há algum tempo tomei conhecimento disso em relação à unificação alemã, no século XIX. Se, nesse caso, houve mesmo um projeto tão intencional assim, a sua efetivação ou não, ou mesmo os seus desdobramentos, são questões que não despertaram tanto interesse em mim quanto a própria existência do projeto. A percepção de que os conhecimentos escolares (o que quer que sejam) ultrapassam as paredes das salas de aula, é algo que deveria estar na raiz de qualquer discussão sobre a Escola, em qualquer canto. Por exemplo, no Rio de Janeiro, a atual Secretaria de Educação constatou que os alunos não aprenderam alguns conteúdos julgados por ela importantes. Nesse caso, considera como ‘falha’, aquilo que não aconteceu, a falta. Porém, entendo que o mais grave, o que poderia ser discutido com mais profundidade é o que a Escola veio e vem ensinando. Mesmo porque a simples constatação do hiato nesse ou naquele conteúdo, pode levar a um tratamento, equivocado, do conhecimento como um objeto pronto e acabado. Se a Escola é uma construção social, mergulhar nessa questão significa questionar, também, o contexto e a construção dessa mesma sociedade e pensar o seu tempo e espaço. O que acontece hoje com o Haiti – e não no Haiti – é algo emblemático. Vejo campanhas de arrecadação de alimentos, leite, água, dinheiro, etc., para ajudar as vítimas do terremoto que derrubou sem piedade praticamente toda a capital do país. São ações muito bem realizadas, em gestos claros de solidariedade, numa demonstração de que o ser humano e as sociedades são capazes de se mobilizar e utilizar energia na construção de propostas comuns e que existem valores compartilhados para além das nacionalidades e diversidades culturais. As pessoas que aderem às campanhas fazem suas doações a partir das informações que recebem e daquilo que aprenderam que pode e deve ser feito. Aprenderam nas escolas dados estatísticos sobre o Haiti: um dos países mais pobres do mundo, com os piores indicadores da América Latina, sua história longa de intervenções e outros absurdos. No entanto, é a tragédia de um terremoto o que nos mobiliza. O conhecimento desses dados e da sua história, contada numa linearidade e nos fatos destacados, não é capaz de nos mobilizar para as questões do Haiti. Só o terremoto. Aprendemos que cada país cuida de si e alguns cuidam dos outros, pois aprendemos a objetificar as relações entre pessoas e entre povos, de maneira superficial e sem pertencer a elas. Tal compartimentação tem conseqüências que a questão do Haiti coloca na ordem do dia. O terremoto não é o problema daquelas pessoas, mas um dos problemas. Talvez se torne mais grave do que a destruição material porque fragilizou ainda mais o país e o abriu a mais intervenções. Mas, nessa mesma lógica que fraciona e segmenta o conhecimento, o mundo e as coisas, e que é ratificada na escola, sentimos que nossa tarefa não vai muito além da doação – material ou não, seja de forma individual ou em conjunto. Porém, se realmente aprendêssemos que o Haiti é produto e obra local de relações em escala ampliada, sucesso de um modelo, provavelmente as ações de apoio não seriam apenas as pontuais. É possível que cobrássemos dos governos a suspensão das dívidas e o ressarcimento do que lhes foi espoliado ao longo de décadas e décadas. Ou que não nos limitássemos a comprar alimentos para doação, mas obrigássemos as multinacionais do setor, que a tantos haitis devem seus fantásticos lucros, a enviar o que fosse necessário ao país. Talvez fizéssemos o mesmo com os bancos. Mas, isso seria romper com lógicas que nos aprisionam no individualismo e sustentam o cinismo. Por isso, entendo que outra forma de ajuda é pensar qual Haiti trazemos para a Escola: o que nos pertence ou a parte de uma ilha caribenha?
Roberto Marques
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