Há mais de vinte anos que ouvira esta pergunta pela boca de colegas que descreviam o seu início de carreira, na altura ensinando com habilitação suficiente. A Rita, ela própria professora contratada com habilitação suficiente, no ano de 1985, terminou, entretanto, o curso ‘via ensino’, ficando, portanto, profissionalizada. Como ingressara no ensino privado quando ainda era estudante, aí ficou. Tanto mais que a casa dos pais era ali perto. Ascendeu quase ao topo da carreira do ensino privado, com vencimento calculado no âmbito do respectivo contrato colectivo de trabalho. Duas décadas volvidas, a vida tomou novos rumos e a Rita decidiu tentar a sorte no ensino público. Com 20 anos de serviço, admitiu que seria relativamente fácil alcançar colocação numa escola da região. Nada... Apesar de bem classificada, a verdade é que ficou no 2.º escalão do concurso para contratados, não tendo obtido colocação nesse ano. No ano lectivo seguinte, conseguiu ser colocada por dois anos na mesma escola, e percebeu que tinha de começar, de novo, toda a progressão na carreira, já que os anos de serviço que tinha do ensino privado, onde era profissionalizada e do quadro, apenas lhe contariam depois de ficar efectiva. O vencimento, esse, passou a ser bem mais baixo – o de início de carreira, para quem já tinha 20 anos de serviço. Novo concurso, nova oportunidade – agora muito bem classificada, pois estava no 1.º escalão de contratados e em 6.º lugar nacional. Concorreu a todo o país, na esperança de obter um lugar de efectiva e ver terminada a incomunicação entre estes dois sistemas do Ensino Básico e Secundário, com o seu tempo de serviço contabilizado para progressão. Nada. À sua frente estavam muitos colegas com muito menos tempo de serviço que, estando já em quadro de zona pedagógica, lhe passaram à frente. Mesmo assim, nem todos estes ficaram efectivos. O concurso foi feito por quatro anos e, dessa vez, a Rita ficou bem mais longe de casa. O cansaço e vários problemas com os ascendentes levaram-na a ficar doente. Teve de apresentar atestado. Foi ao médico da especialidade, que lhe disse que tinha de ficar em casa por uns tempos. Atestado médico passado e entregue na escola, passado um tempo, foi informada de que aquele atestado não servia – como era “contratada, e não professora”, as regras tinham-se alterado e, agora, deveria ir ao médico de família, para que lhe fosse passado um atestado da Segurança Social. Instituição que lhe pagaria 65% do vencimento, já por si bem aquém do que estava habituada a receber. Confusão para todos: para a docente e para a médica de família, que não estava habituada a passar estes atestados a professores e, por isso, lhe perguntou:
– Então a senhora não é professora?
– Sou! Mas sou professora contratada, e agora a ADSE, para a qual desconto há anos, não paga aos professores contratados quando estão de baixa. Efectivamente, até no colégio privado, onde leccionara por duas décadas, a Rita descontava para a ADSE. Confusão, também, para a própria funcionária da escola, que, ao telefonar à Rita, a informar que o atestado não era válido, explicou:
– É que nós aceitámos o atestado porque pensámos que era professora, mas afinal é contratada...
Afinal, se se é contratado, não se é professor? Se se é profissionalizado, com vinte e vários anos de ensino, não se é professor?
Então, mas agora os funcionários públicos não têm já quadro? Não pertencem a uma lista? E os contratados, não são funcionários públicos (professores), mesmo que por períodos de contrato anuais ou plurianuais? Valeria a pena pensar nisto. O dito do século passado, numa altura em que havia falta de professores e se recorria muito a contratados com habilitação suficiente, está de novo aí, mesmo para profissionalizados, que, quando não são efectivos, não são considerados professores. Mesmo que, além disso, sejam pós-graduados, mestres e quase doutores...
Ana Vieira
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