Página  >  Opinião  >  A metamorfose de um líder (I)

A metamorfose de um líder (I)

A liderança é uma arte e uma circunstância. “Um líder não nasce, faz-se”, é uma expressão glosada por muitos autores e quase um lugar-comum. Também não é líder quem quer, mas apenas quem é reconhecido como tal.

As características dos líderes estão descritas abundantemente na literatura da especialidade, mas os seus percursos de vida nem tanto. Perceber melhor como é que um cidadão anónimo se torna um líder foi um dos objectivos de uma investigação[1] realizada sobre directores de escolas. Os sumários de dois percursos de vida, traçados a partir do material recolhido, ilustram a metamorfose. Por razões editoriais, serão publicados separadamente.

Carlos, o acaso e a determinação

Quase tudo na vida de Carlos parece fruto do acaso, “Acho que as coisas foram acontecendo”. Nascido numa família humilde beneficia de ter uma “madrinha” de outra condição social onde encontra um apoio decisivo e uma porta para a descoberta de novos mundos, “Abriu-me perspectivas a uma vivência diferente”.
As suas origens sociais nunca lhe causaram qualquer desconforto e a revolução do 25 de Abril também não. Concluído o ciclo preparatório vai, surpreendentemente, para o Liceu.
Entre Letras e Ciências escolheu o mal menor, as segundas, e faz um percurso escolar limpo. “O medo obrigava-me a ter boas notas”. Ingressa no superior, “onde pude”, confessa. Engenharia Electrotécnica decepciona-o. Reorienta-se para Biologia, onde tinha excelentes notas e faz o curso “certinho”. O medo da tropa era um bom incentivo. Nunca lhe passou pela cabeça ser professor até ao momento em que olhou com pragmatismo para o seu futuro. É a primeira grande decisão da sua vida. Ser professor era ter emprego garantido e deixar de pesar no orçamento paterno. Optou pelo ramo educacional.
Para arredondar a mesada, vai fazer umas horas aos fins-de-semana numa discoteca famosa onde, para além da ganhar bom dinheiro, encontra uma magnífica escola de vida, pela descoberta de uma realidade que não conhecia, a vida nocturna, pelo que aprendeu em termos de relações humanas, pela notoriedade e ascendente que o trabalho na discoteca lhe propiciou.
Professor profissionalizado, ruma para uma escola onde sobravam problemas e faltavam quadros qualificados. O desapontamento é enorme, o que lhe desperta a vontade de intervir. Aceita integrar uma equipa directiva e o que lhe falta em conhecimento sobra-lhe em vontade de intervir “não era um sentimento de liderança (…) mas de contribuir para a melhoria”. A prática foi a sua grande escola.
Depois de várias experiências de gestão intercaladas com a docência, já com 13 anos de experiência como professor e 6 de conselhos directivos acha-se com a preparação e a confiança necessária para se envolver num projecto de direcção em que pudesse ter um papel mais activo. De novo a determinação se sobrepõe aos acasos em que é fértil a história de vida de Carlos.
Com mais dois colegas de confiança forma uma lista e fica assente que ele será o presidente. “Qualquer um podia ter sido (…) mas eles os dois disseram que era eu”. Confrontam-se com outra lista, mas ganham folgadamente e iniciam uma história de sucesso que já dura há mais de uma década.
Estes são os pontos cardeais de uma vida igual a muitas outras, de um menino que nasceu pobre e que subiu a vida a pulso, que teve uma “madrinha” cuja influência aparenta ser decisiva, de um estudante que foi cumprindo, de um jovem que descobre lições de vida numa discoteca, de um universitário que escolhe com pragmatismo o seu futuro, de um professor que sente o apelo da gestão, apesar de não possuir qualquer preparação específica para a função.
Quem identificaria neste percurso um líder? O acaso parece ser a matriz fundamental da vida de Carlos e todavia isso não o impediu de cumprir um itinerário que o transformou num líder escolar amplamente reconhecido, pelos pares, pelos alunos, pela comunidade, até pela administração. A metamorfose do líder é a resultante da condição pessoal e da sua circunstância.

José Manuel Silva

[1] Silva, J. (2009). Líderes e lideranças em escolas portuguesas. Trajectos individuais e impactos organizacionais. Tese de doutoramento apresentada à Universidade da Extremadura. Disponível em www.campolavrado.blogspot.com.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo