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O PISA como instrumento de conformação dos sistemas de ensino numa perspectiva Neoliberal

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Tocaram as trombetas (ou seria uma espécie de novas vuvuzelas?), estralejaram no ar foguetes, houve retórica parlamentar abundante... Imaginem que, no meio deste “verdadeiro” e beethoveniano hino à alegria (sobre o “triunfo” das políticas educativas em Portugal) até houve, por parte da Ministra da Educação, elogios aos Professores e Educadores, para intervalar com a “castanhada” do costume em cima dos “agentes de ensino”… Mas, afinal, o que é que está por detrás (como se fosse invisível) de mais esta enorme cortina de fumo e deste dantesco e oco cenário de “paraíso” educacional?

 

O que é o PISA?

            Será melhor começar por esclarecer o que é o PISA (abreviatura de Programme for International Student Assessment), já que se trata de um programa internacional de avaliação comparada da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico), destinado a produzir indicadores sobre o desempenho dos alunos da faixa etária de 15 anos (idade em que se pressupõe que, na maioria dos países, se situa o termo da escolaridade básica obrigatória).

Esses indicadores, que pretendem tirar conclusões sobre a efectividade dos sistemas educacionais (e que o GAVE – Gabinete de Avaliação Educacional do ME – tecnocraticamente chama “monitorizar, de uma forma regular, os sistemas educativos em termos do desempenho dos alunos, no contexto de um enquadramento conceptual aceite internacionalmente”), são estabelecidos com base em provas e questionários, com a perspectiva da mensuração das competências dos alunos nas literacias de leitura, matemática e cientifica, além da resolução de problemas.

O termo “literacia” (em Português do Brasil, “letramento”) foi escolhido para reflectir a amplitude dos conhecimentos, habilidades e competências que estão a ser avaliados, procurando o PISA verificar a operacionalização de esquemas cognitivos em termos de:

  • Conteúdos ou estruturas do conhecimento que os alunos precisam adquirir em cada domínio;
  • Processos a serem executados;
  • Contextos em que esses conhecimentos e habilidades são aplicados.

Para cada domínio há uma escala contínua onde são representados os níveis desempenho individuais e as distribuições dos desempenhos das populações. O desempenho do aluno é definido através de níveis sucessivos de competência alcançados.

Na literacia de leitura os alunos devem realizar uma vasta gama de tarefas com diferentes tipos de textos, desde a recuperação de informações específicas até à demonstração de compreensão geral, interpretação do texto e reflexão sobre o seu conteúdo. As três dimensões em que é avaliada incluem:

(1)   a forma do material de leitura (textos em prosa, mas também listas, formulários, gráficos e diagramas);

(2)   o tipo de tarefa de leitura, a que corresponde as várias habilidades cognitivas próprias de um leitor efectivo (habilidade em identificar e recuperar informações, em desenvolver uma compreensão geral do texto, interpretando-o, reflectindo sobre o conteúdo e a forma do texto e construindo argumentações para defender uma opinião ou um ponto de vista);

(3)   o uso para o qual o texto foi construído (um romance, uma carta pessoal ou uma biografia são escritos para uso “pessoal”; documentos oficiais ou discursos políticos são para uso “público”; e um manual ou relatório são para uso “operacional”. Procura-se determinar o desempenho dos alunos numa destas situações de leitura, incluindo diversos tipos de leitura nos itens de avaliação, uma vez que a sua resposta tem sido variável em função de cada um deles.

A literacia matemática que pretende determinar o uso de competências matemáticas em vários níveis, abrangendo desde a realização de operações básicas, até ao raciocínio e às descobertas matemáticas, é avaliada, também, em três dimensões:

(1)   O conteúdo de Matemática, definido em primeiro lugar em termos de conceitos matemáticos mais amplos (tais como estimativa, mudança e crescimento, espaço e forma, raciocínio lógico, incerteza e dependências e relações) e, só depois, em relação a ramos do currículo (tais como relações numéricas, álgebra e geometria);

(2)   O processo da Matemática, definido pelas competências matemáticas gerais (o uso da linguagem matemática, escolha de modelos e procedimentos e capacidade de resolução de problemas);

(3)   As situações nas quais a Matemática é usada, variando desde os contextos particulares até aqueles que estão relacionados com questões científicas e públicas mais amplas.

Finalmente, a literacia científica, envolve o uso de conceitos científicos necessários para compreender e ajudar a tomar decisões sobre o mundo natural e a capacidade de reconhecer questões científicas, fazer uso de evidências, tirar conclusões em bases científicas e comunicar essas conclusões. Tal como os anteriores domínios, é avaliada em 3 dimensões, a saber:

(1)   Os conceitos científicos necessários para compreender certos fenómenos do mundo natural e as mudanças decorrentes de actividades humanas (mesmo que os conceitos utilizados sejam do campo da Física, Química, Biologia e Ciências da Terra e do Espaço, eles serão aplicados a problemas científicos presentes na vida real, incidindo a avaliação em três grandes áreas de aplicação: ciências da vida e da saúde, ciências da terra e do meio ambiente e ciências e tecnologias; 

(2)   Os processos científicos, centrados na capacidade de adquirir, interpretar e agir com base em evidências, em cinco domínios: reconhecimento de questões científicas, identificação de evidências, elaboração de conclusões, comunicação dessas conclusões, demonstração da compreensão de conceitos científicos;

(3)   As situações científicas, seleccionadas principalmente da vida quotidiana das pessoas em diferentes contextos, variando de situações pessoais ou particulares, até questões públicas mais amplas, incluindo, também, por vezes, questões globais. 

Além dos países que fazem parte da OCDE são ainda convidados outros a participar neste “campeonato”, que se iniciou no ano 2000 e que decorre de 3 em 3 anos. No primeiro ciclo do PISA participaram 265 mil alunos de 32 nações (28 da OCDE) e o enfoque da avaliação situou-se na literacia de leitura. Em Portugal participaram 149 escolas (11 privadas e a grande maioria das públicas), num total de 4 604 alunos, que iam do 5º ao 11º ano de escolaridade.

Em 2003, participaram 250 mil estudantes de 41 países (incluindo a totalidade  dos 30 da OCDE) e o enfoque maior foi colocado na avaliação da literacia   matemática. O nosso país participou com 153 escolas (12 privadas), abrangendo 4 608 alunos, desde o 7º ao 11 ano de escolaridade.

Em 2006, no denominado terceiro ciclo do PISA, o maior enfoque foi na literacia científica, participaram 60 países, com mais de 200 mil alunos pertencentes a 7 mil escolas, das quais 172 delas eram portuguesas (20 privadas), abarcando 5 109 alunos, desde o 7º ao 11º ano de escolaridade.

Também, no documento do GAVE, podemos saber como foram escolhidos os alunos para estes três primeiros ciclos do PISA: “A população alvo consistiu nos alunos que, na altura da sondagem, tinham idades compreendidas entre os 15 anos e três meses e os 16 anos e dois meses, desde que frequentassem a escola, independentemente do tipo de instituição onde o fizessem. A selecção foi feita segundo um processo de amostragem aleatória estratificada, a partir das escolas do país. Em Portugal, explicitamente, foram tidas em conta nesta selecção a representação das regiões (NUT II) – Alentejo, Algarve, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Norte, Região Autónoma dos Açores e Região Autónoma da Madeira – e a dimensão de cada escola. De uma forma implícita, foram considerados o carácter público público ou pribado da escola e o estatuto socioeconómico médio dos seus alunos.”

            Com a maior sinceridade e alguma candura, o documento que estamos a citar,  respondendo à questão “o que se espera alcançar com este estudo?” diz, textualmente, em tradução do documento original da OCDE: “os resultados deste estudo poderão ser utilizados pelos governos dos vários países envolvidos como instrumentos de trabalho na definição e/ou refinamento de políticas educativas (sublinhado meu) tendentes a melhorar a preparação dos jovens para a sua vida futura.”

Os resultados do PISA 2009

Em 2009, o maior enfoque foi, pela segunda vez, na literacia de leitura, participaram 65 países (dos quais 33 são membros da OCDE). O número de alunos portugueses testados foi de 6 298 (5 109, em 2006),  pertencentes a 212 escolas (172, em 2006), tendo sido seleccionados aleatoriamente 40 alunos em cada. Em termos organizacionais  o processo de constituição da amostra foi integralmente conduzido e controlado pela OCDE.

 

2006

2009

Variação

Leitura

472

489

+17

Matemática

466

487

+21

Ciências

474

493

+19

Fonte: ME

Na comparação entre 2006 e 2009, a variação foi positiva em todos os três domínios, atingindo 21 pontos em Matemática, 19 em Ciências e 17 em Leitura. Contudo, apesar de ser quantitativamente o índice mais baixo de variação, foi na literacia de leitura que, no conjunto dos 33 países da OCDE, Portugal foi o 4º país que mais progrediu e, na literacia científica alcançou ainda mais sucesso, tendo atingido o 2º lugar em termos de progressão, no conjunto dos 33.

Na soma do conjunto dos 3 domínios, considerando os quatro ciclos de avaliação, Portugal progrediu cerca de 20 pontos, tendo sido o país que mais progrediu no conjunto dos países da OCDE. Por domínios, em leitura Portugal obteve o 4º lugar na progressão, no período entre 2000 e 2009, tendo alcançado o mesmo lugar em matemática, no período entre 2003 e 2009, enquanto que nas ciências ficava em 2º lugar, no período entre 2006 e 2009.

Segundo a OCDE, a progressão registada deveu-se a dois factores:

(1)   A redução da % de alunos com desempenhos negativos (níveis 1 e abaixo de 1);

(2)   O aumento da % de alunos com desempenhos médios a excelentes (níveis 3, 4, 5 e 6).

Ainda segundo as mesmas conclusões, Portugal é o 6º país cujo sistema educativo melhor compensa as assimetrias socioeconómicas, sendo o nosso país um dos países com maior % de alunos de famílias economicamente desfavorecidas que atingem excelentes níveis de desempenho, em leitura. Neste domínio, Portugal obteve em literacia de leitura 489 pontos, em 2009 (contra os 470, em 2000), situando-se pela primeira vez, na média dos 33 da OCDE, e ocupando a posição 21 (em 2000, a posição portuguesa era a 25ª, em 27 países). Tal evolução deveu-se ao facto dos níveis negativos, neste domínio, terem diminuído 9 pontos, enquanto os níveis médios e excelentes aumentaram 7,5 pontos.

Em literacia matemática, Portugal obteve 487 pontos (contra 466, em 2003), melhorando 21 pontos, que se devem a um aumento de 9,5 pontos na % dos alunos com níveis médios a excelentes e a uma diminuição dos níveis negativos em 2,9.

            No domínio da literacia científica, Portugal obteve 493 pontos, tendo registado um aumento de 19 pontos entre 2003 e 2009, que é idêntico ao aumento da literacia de leitura, no período entre 2000 e 2009. Tal aumento foi sobretudo expressivo no período de 2006 a 2009, devido ao aumento de 7,9 pontos na % de alunos desde os níveis médios a excelentes e a uma diminuição de 2,8 pontos nos níveis negativos.

 

Alunas

Alunos

Leitura

508

470

Matemática

481

493

Ciências

495

491

            Fonte: ME

            Um resultado comparativo entre a performance das alunas e dos alunos portugueses não deixa de ter algum significado: em literacia de leitura, as alunas portuguesas obtêm uma pontuação superior à dos alunos em 38 pontos. Em literacia matemática verifica-se que os alunos obtêm melhores resultados. Em literacia científica, as alunas apresentam um resultado ligeiramente superior ao dos alunos.

 

O triunfalismo governamental no modo como foram recentemente  apresentados os resultados do PISA de 2009 em Portugal

            Sem dúvida que estamos perante os melhores resultados verificados no conjunto destes quatro ciclos avaliativos. No caso dos aumentos pontuais, há que considerar que no modo como foram conseguidos, ao nível da leitura isso verificou-se pelo aumento percentualmente mais significativo da diminuição dos níveis negativos, enquanto que, na matemática e nas ciências, o aumento percentual mais significativo foi o dos alunos que se situam agora entre os níveis médios e os excelentes.

 Mas é preciso ter em conta que os resultados alcançados se situam ao nível médio dos resultados entre os 33 países da OCDE. Por isso é que algumas reacções se colocam na postura de quem deveria aceitar estes resultados com moderada satisfação e não com a euforia de quem acabou de ganhar um “campeonato”.

Logo na apresentação dos resultados, a 7 de Dezembro de 2010, a excitação da Ministra da Educação é visível: atribui a si própria o facto do aumento de 17 pontos em leitura se dever à sua preparação, há 4 anos, do Plano Nacional de Leitura. Ninguém a poderá acusar de não revelar imodéstia, mas falta-lhe uma base da literacia científica: o Q.E.D. (quod erat demonstradum)…

Claro que lhe fica bem, na sua postura governamental, contemplar os docentes com duas frases positivas: Atribuo os resultados tão positivos de Portugal no PISA 2009 aos professores e ao trabalho que realizam na sala de aula com os seus alunos. A qualidade e o empenho dos docentes é o factor mais determinante do sucesso dos alunos.” Para estas, é que não é necessário mesmo o Q.E.D., o mesmo se podendo dizer em relação às direcções das escolas e às famílias e associações de pais que acompanham a educação das crianças e jovens.

            Quanto à atribuição à política educativa do seu governo dos louros da “coisa”, com base num grande aumento nos últimos anos da generalização da educação pré-escolar (que vai mesmo a passo de caracol  últimamente) e ao investimento realizado em todos os níveis do “novo sistema de ensino”, é caso para perguntar: qual investimento, quando estamos em pleno desinvestimento no orçamento para a Educação? Que “novo” ensino é que terá descoberto a Ministra, que mais ninguém o enxerga?

            Já em velocidade uniformemente acelerada para a asneira, considerar a  avaliação de desempenho docente como um dos factores que também contribuíram para a “coisa”, quando só foi completado administrativamente um ciclo de avaliação, é mesmo e tão só cortina de fumo e propaganda. De todo.

            Já que falamos de propaganda, o Primeiro Ministro, três dias passados, propôs à Assembleia da República, nada mais nada menos do que um debate sobre educação. Não é preciso imaginar para quê: para poder construir um dique da mais demagógica espécie da nefasta retórica propagandística.

            Aqui, é que vemos que estamos mesmo em pleno “campeonato”: “Portugal, depois de décadas e décadas de atraso, apresenta-se hoje – tomando como referência as competências demonstradas pelos nossos alunos em literacia de leitura, matemática e ciência – na faixa média dos países da OCDE, à frente de países como a Espanha ou a Itália, e em situação próxima de outros, como o Reino Unido, a Dinamarca ou a Alemanha.”

            Aqui, é que nos apercebemos finalmente que a “coisa” tem contornos homéricos, pois consegue destruir três mitos: o mito do facilitismo, o do fatalismo e o da falsa escolha entre uma escola para todos e uma escola de qualidade…. Depois de arrasar os mitos, lá vem a velhinha promessa, que ainda gatinha nos seus primeiros passos: garantir o cumprimento da escolaridade obrigatória de 12 anos. É obra. Vamos ter na história da educação em Portugal, com toda a certeza, o período pré-socrático, o socrático e o pós-socrático, logo a seguir ao pós-moderno…

 

A contestação a este triunfalismo por parte dos Sindicatos de Professores e da Blogosfera nacional sobre temas educativos

            Logo no próprio dia da divulgação dos resultados, a FNE (Federação Nacional de Educação), pela voz de João Dias da Silva, afirmava: Os resultados demonstram uma melhoria no comportamento dos alunos, uma progressão no posicionamento de Portugal, em relação a outros países da OCDE, o que significa um esforço significativo feito pelos nossos professores, alunos e escolas, no sentido da melhoria dos conhecimentos e das competências". Mas afirma que o estudo tem “insuficiências” que todos “detectam”, nomeadamente: "Analisa os alunos num único momento, numa única etapa, não avalia a qualidade do percurso escolar do aluno, porque se limita a um teste realizado por uma única vez".

            A FENPROF tomou posição em 10 de Dezembro com um comunicado divulgado pelo seu Secretariado Nacional, com o título significativo de: “Melhoria dos resultados aferidos pelo PISA são fruto do trabalho de professores e alunos, apesar das políticas educativas”. O texto começa por fazer uma desmontagem do discurso na A.R., feito nesse mesmo dia pelo P.M., salientando que “segundo o Primeiro-Ministro, até a criação de 86 mega-agrupamentos em 1 de Agosto de 2010, teria sido reconhecida como muito importante para que os resultados dos alunos, aferidos pelo PISA, tivessem melhorado em 2009!” Depois de criticar o discurso da Ministra da Educação, o comunicado termina lembrando que os compromissos assumidos pelo governo português, a nível internacional, nomeadamente na Cimeira Iberoamericana de aumentar o investimento na Educação, acabarem por se traduzir, na prática, negativamente: “já em 2011, Portugal vai reduzir as verbas para a Educação em 11,2%!”

            A blogosfera assumiu uma estratégica variedade de posições, mas predominaram as tácticas de suspeição sobre as análises feitas aos números apresentados: o Ciberdúvidas diz que apesar de haver alguns progressos, por exemplo em relação a 2000, onde éramos o 3º a contar do fim, agora somos o 27º num total de 75 países e economias, ou seja, “no limite inferior da faixa da média dos países”.

José Manuel Fernandes, num texto intitulado “O Estudo da OCDE e o futuro das nossas melhores escolas” vai na mesma linha e escreve “um pouco mais de honestidade intelectual e um pouco menos de fanfarra propagandística permitiriam não só constatar que Portugal continua abaixo da média”; um pouco mais à frente, diz: “Mais: ao ler as conclusões da OCDE para os diferentes sistemas de ensino terá de se reconhecer que, nalguns domínios, Portugal segue na direcção errada. O estudo indica, por exemplo, que os ´sistemas que obtêm melhores resultados permitem às escolas escolherem os seus programas’, algo que em Portugal não é possível, a não ser de forma muito marginal, no sistema público.” E remata: “Mais: a OCDE indica que ´é a combinação de autonomia e de uma responsabilização efectiva que parece produzir os melhores resultados´, o que contraria a norma portuguesa, onde a centralização napoleónica é dominante.”

Em O Insurgente, João José Cardoso escreve: “Agora como não chumbam estão no 10º ano e fazem testes Pisa com muitos melhores resultados." Mais à frente, porém, lança a estratégia da suspeição: “Por coincidência a subida da média nacional nos testes Pisa resulta sobretudo da subida dos piores alunos, ou do truque de terem sido substituídos por outros, correspondendo aos que em 2006 estavam no 10º ano, bastando para isso que os alunos dos CEFs com 15 anos não tenham feito o teste.”

E acabo com Paulo Guinote que, no seu comentário sobre “Pisa 2009 – É Mais Fácil Progredir Quando Se Parte De Muito Baixo”, escreve: “São por certo boas notícias, mas as explicações que estão a ser dadas – na onda da propaganda mais básica – são enganadoras. Em especial as que remetem para medidas que não chegaram a ser verdadeiramente implementadas. Fica aqui a peça de apresentação da propaganda que, como todas as peças do género, sublinha os avanços, ignorando que o desempenho ainda é meramente sofrível.”

E termina com um agradecimento a quem lhe enviou uma curiosa tabela, que não me eximo a reproduzir: “Agradeço a quem me enviou este pormaior das amostras de alunos que fizeram os testes PISA 2006 e 2009 em Portugal. De um ano para o outro, aumentaram bastante (10%), os que já estão no 10º ano. Podem dizer que é sinal do maior sucesso. Mas também se pode dizer que a selecção da amostra foi mais … sei lá… atenta.”

A fundamentação teórica e a imposição das políticas neoliberais na área da   educação em Portugal

            Na sua notável conferência de 11 de Fevereiro, em Lisboa, Jurjo Torres Santomé desmontou a má fundamentação filosófica e pedagógica das teorias neoliberais sobre a educação e as suas respectivas políticas nesta área, bem como as imposições que estão a ser feitas por diversas instituições internacionais da área económica às políticas educativas dos diversos países.

            Do ponto de vista filosófico, os discursos ideológicos da direita assentam nas ideologias do individualismo, do psicologismo, do naturalismo e do inatismo, partindo do princípio de que já existe igualdade de oportunidades, pelo que as diferenças quanto ao sucesso e ao rendimento escolares devem tão só ser explicadas por diferenças de inteligência ou de esforço pessoal (ver J. Torres Santomé, 2001, cap. V, pp. 164 e ss.).

            Aquilo que Torres Santomé chama economização da política, está patente logo no primeiro capítulo primeiro da citada obra, intitulado “Um Mundo em Crises e Reestruturações”, de que cito um excerto: “Este tipo de organismos mundialistas (o FMI, a OCDE, a OMC), com o apoio das grandes empresas multinacionais, são o verdadeiro cérebro das políticas neoliberais, até ao ponto de chegarem a construir todo um grande emaranhado de redes de força para lograr o consentimento da população às suas propostas. É o controlo dos recursos financeiros que têm nas suas mãos aquilo que lhes permite dirigir as linhas de pensamento da imensa maioria dos meios de comunicação de massas, o controlo das publicações de numerosas editoriais, exercer autoridade nos partidos políticos que estão no governo sobre a base de créditos e “doações” para as suas campanhas, influir notoriamente no trabalho de instituições de formação e inclusivamente instituições educativas, em especial as universidades, através da concessão de subvenções económicas para a promoção de determinadas linhas de investigação, etc. Em resumo, são os organismos económicos de carácter mundialista os que também financiam a construção de discursos de acordo com os seus interesses de privatizações e da exploração que, além do mais, divulgam com insistência e impertinência.” (J. Torres Santomé, 2001, pág. 21).

            Por isso, não é para admirar que na sua mensagem enviada ao Embaixador de Portugal, a propósito dos resultados do PISA 2009, o Secretário-Geral da OCDE, Angel Gurria, tenha dado alguns “recados” aos nossos políticos, de que cito nomeadamente dois: “Os alunos recebem indicações claras sobre como devem trabalhar para alcançarem os seus objectivos pessoais. Quanto a este aspecto, as avaliações nacionais no quarto, no sexto e no nono anos, recentemente introduzidas, constituem marcos importantes para Portugal”. E, quase logo a seguir, “Portugal melhorou significativamente a formação de professores. E o novo sistema de avaliação de professores e de escolas foi um passo importante para melhorar o nível de responsabilidade dos actores.”

            Já estão a ver onde o nosso Primeiro Ministro foi buscar a inspiração para a tal estória da avaliação de professores com efeitos retroactivos nos resultados do PISA, e o que a OCDE quer: avaliação sumativa externa em força dos alunos, para fomentar a concorrência e a competição individualista do seu trabalho nas escolas, “boa” formação de professores (aligeirada das extensas cargas curriculares de índole científica de antanho, como quer e impõe o Banco Mundial desde os anos 70 do século passado) e, claro, uma avaliação centralizadora e burocrática dos docentes e das escolas. Também estão a ver onde as Ministras da Educação do XVII e XVIII governos constitucionais foram buscar a sua absorção ideológico-criativa…

            Recorrendo a Boaventura de Sousa Santos para a continuação desta ilustração de Torres Santomé, cito: “Em 1987, o relatório da OCDE sobre as universidades atribuía a estas dez funções principais: educação geral pós-secundária; investigação; fornecimento de mão-de-obra qualificada; educação e treinamento altamente especializados; fortalecimento da competitividade da economia; mecanismo de selecção para empregos de alto nível através da credencialização; mobilidade social para os filhos e filhas das famílias operárias; prestação de serviços à região e à comunidade local; paradigmas de aplicação de políticas nacionais /es: igualdade de oportunidades para mulheres e minorias raciais); preparação para os papéis de liderança social.” (remete esta citação para o próprio relatório de 1987 da OCDE, pp. 16 e ss.) E comentava Boaventura de Sousa Santos: “Uma tal multiplicidade de funções não pode deixar de levantar a questão da compatibilidade entre elas. Aliás, a um nível mais básico, a contradição será entre algumas destas funções (nomeadamente aquelas que têm merecido mais atenção nos últimos anos) e a ideia de universidade fundada na investigação livre e desinteressada e na unidade do saber. Pode, no entanto, argumentar-se que esta contradição, mesmo que hoje exacerbada, existiu sempre, dado o carácter utópico e ucrónico da ideia de universidade (…) Já o mesmo se não pode dizer das contradições entre as diferentes funções que a universidade tem vindo a acumular nas últimas três décadas. Pela sua novidade e importância e pelas estratégias de ocultação e de compatibilização que suscitam, estas contradições constituem hoje o tema central da sociologia das universidades.” (Boaventura Sousa Santos, 1994, pp. 164-165)

            Se as questões se colocam deste modo a nível do Ensino Superior (e aqui apenas veio à baila a questão das universidades), já nos Ensinos Básico e Secundário o problema é o do modo como se poderão compatibilizar as pressões que se fazem quanto ao aumento do sucesso escolar e à diminuição do abandono com a questão dos exames nacionais e da qualidade da via alternativa, que são os Cursos Profissionais e que sendo indispensáveis para manter uma quantidade apreciável de alunos no sistema até aos 9 e, agora, até aos 12 anos de escolaridade obrigatória, não deixam de ser uma segunda escolha, ou uma opção à força, que é questionada por muito boa gente quanto à sua efectiva qualidade e qualificação.

            E quanto, ainda sobre as questões práticas ou teórico-práticas dos Ensinos Básico e Secundário, em tempos de crise é que se vêem, por exemplo, como aparecem justificativos que nada justificam, de que poderíamos dar o exemplo para a excelente intenção de aligeirar a carga curricular dos alunos destes níveis de Ensino, as alterações curriculares da supressão da Área de Projecto (e do Estudo Acompanhado?), ou do par pedagógico em Educação Visual,  e que têm por detrás claras e muito fortes pressões economicistas de cortes orçamentais como pano de fundo…

            Continuando nas questões teóricas vejamos, agora, o contributo de Licínio Lima, na explicitação da mudança do enfoque das pedagogias a que temos assistido nas duas últimas décadas, por causa do papel de legitimação da economia, e não da pedagogia,  das decisões políticas relativas à área da Educação: “Assim se pode compreender a transição do lema pedagógico do ‘Aprender a Ser’ para o lema da ‘Aquisição de Competências para Competir’, bem como a mudança de modelos de políticas sociais e educativas e de concepções de Estado, a que farei seguidamente brevíssima referência.” (Licínio Lima, 2008, pág. 18).

            E continua: “Mais do que corresponderem a políticas de educação precisas, ou mesmo efectivamente actualizadas em conformidade com as respectivas concepções educacionais, trata-se sobretudo de dois tópicos que são aqui tomados como símbolos, e como possíveis indicadores, da transição de ideais e de políticas de inspiração social-democrata, típicos de políticas sociais baseadas no conceito de Estado-Providência, para concepções políticas de feição neoliberal e neoconservadora, baseadas na reforma do Estado e no protagonismo do mercado e da iniciativa privada na educação.” (Ibidem, pág. 19)

            Creio que agora já todos percebemos que o PISA está concebido segundo uma lógica de avaliação de inspiração neoliberal, avaliando competências para  a competição, impulsionada pelo mercado, apenas se preocupando com as cargas curriculares que dizem respeito à literacia da leitura, matemática e ciências da natureza, fugindo como o diabo da cruz das ciências sociais, por causa do seu potencial perigoso de activar o espírito crítico e a contestação dos alunos perante as desigualdades sociais. E que conceber em termos democráticos uma educação que defenda os valores democráticos da cidadania, da justiça e da igualdade, isto se possa considerar “subversivo” pelas ideologias neoliberais e neoconservadoras que vão sendo impostas pelos organismos mundiais de índole económica que, como um polvo, tudo parecem controlar. Mas, porém, todavia, contudo, as coisas não têm de continuar necessariamente assim...                    

 

Referências bibliográficas:

O que é o PISA? – foi elaborado com base no recurso aos sítios da OCDE, do Gabinete de Avaliação Educacional do Ministério da Educação de Portugal e do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira”) do Brasil.

Os resultados do PISA 2009 – foram divulgados pelo ME, em 7 de Dezembro de 2010, através de um resumo em Português (PISA 2009, apresentação) e do próprio relatório Pisa 2009 Results, 5 volumes, em Inglês.

A Fundamentação… - foi feita com base em três textos fundamentais: (1) Jurjo Torres Santomé, Educación en tiempos de neoliberalismo, Madrid, Morata, 2001); Boaventura de Sousa Santos, Pela Mão de Alice – O Social e o Político na Pós-Modernidade, Porto, Afrontamento, 1994; e Licínio Lima, “Políticas de Educação ao Longo da Vida: Sob o Signo da Modernização e da Competitividade”, em Norberto Ferreira da Cunha (coordenação), Pedagogia e Educação em Portugal (Séculos XX e XXI), Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal, 2008 (o texto de Licínio Lima reporta-se a obras suas publicadas em 2005).

 

ROLANDO F. SILVA

 

 


  
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