A gente que, ano após ano, cuidava do pinhal a perder de vista, já esquecera a conta às gerações que, ao longo dos séculos, haviam reclamado para si essa missão nobre. As raízes do arvoredo iam tão fundo no chão quanto o coração dos homens lhe pertencia, fazendo da protecção do monumento vivo a forma de homenagem ao seu rei fundador. Se um tronco tombava, de velho, no turbilhão dum temporal ou para renascer no casco duma nau, rompia logo um herdeiro a prometer que o tapete das copas não tinha nódoa. Joia sem preço nem dono, o pinhal do rei não tinha rival no coberto de todo o território. Não havia alma que ousasse cortar-lhe um ramo, um simples ramo, a seiva que lhe corria vivia no íntimo das aventuras humanas, a sombra em dias de estio era consolo para os corpos quebrados. Numa noite mais negra que o mais sinistro agouro oculto nos abismos das criaturas malévolas, acendeu-se o pavio pela mão dum fantasma, a chama cresceu, matreira, elevou-se em rodopio arrebanhando cada pedaço de vida do pinhal. Conforme despertara, assim a fera tombou e com ela a obra que os homens julgavam eterna. Ao raiar do dia, as lágrimas humanas caíram sobre as cinzas, despertou o silêncio e o luto pela joia perdida. Passaram-se meses sem que alguém se atrevesse no coração da mancha, das árvores que insistiam em apontar o céu, defuntos a murmurar tristeza conforme o vento passava por eles. Certa manhã, uma criança, alguém sem entendimento da razão das tragédias e das palavras que escutava sobre elas, decidiu-se a ir desvendar os segredos do pinhal abandonado. E foi. Eram estranhos, os cantos dum ou doutro passarinho vindos não via donde, os destroços rangiam-lhe sob os pés. Quando a surpresa lhe iluminou o olhar: no fundo do pinhal, lá onde não havia vivalmas que tivessem chegado, sobrara uma pequena clareira, no meio da clareira um jovem pinheiro, viçoso, intocado, à espera de ser visitado. O menino olhou em redor e certificou-se que estava só. Num dos bolsos, tinha uma prenda do último Natal que nunca abandonava: uma estrela pequenina de prata onde tinham gravado “Esperança”. Levou a sua estrela da sorte aos lábios e esgravatou na terra húmida junto à raiz do jovem pinheiro. Colocou-a no chão e cobriu-a. Enquanto se afastava, e fazia a promessa de nada dizer sobre o achado, acerca do milagre, uma ave levantou voo da pernada mais alta e foi. O dia do falatório publico, quando um grupo de lenhadores deu com a árvore sobreviva, chegou, não pouparam explicações para a descoberta. Com a estrela não deram, mas havia esperança naqueles que voltaram a plantar. E o Rei sorria lá onde via a sua gente entregue ao trabalho.
Luís Vendeirinho
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