Ser branco, preto, alto, baixo, gordo, magro; ser português ou árabe; gostar do azul, do cor-de-rosa ou do vermelho; ser “especial”, andar a pé ou usar uma cadeira de rodas; falar português, espanhol ou inglês; usar ou não roupas com brilhantes; gostar ou não de jogar à bola… São tantas e tantas as caraterísticas que nos distinguem uns dos outros. Afinal, o que é isso de ser diferente? É bom ou mau?
Este foi o tema que os alunos das escolas básicas do Bom Sucesso e Gomes Teixeira, no Porto, abordaram durante quatro meses, através do diálogo e de diferentes artes. O resultado desses trabalhos foi apresentado na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, numa conferência intitulada “Diferenças na escola: o ponto de vista da criança”.
Professora na EB1 do Bom Sucesso, Cristina Alves confrontou-se com um problema quando a turma de que é titular acolheu dois alunos oriundos de outros países e com diferente cor de pele. Para dar melhor resposta às queixas de discriminação que ia recebendo, sentiu a necessidade de abordar o tema da diferença com os seus alunos, mas logo percebeu que, sendo este um problema que engloba toda a escola, teria de estender as preocupações a outros professores, no sentido de concertarem estratégias de intervenção.
Para combater as desigualdades na escola era preciso promover o diálogo entre os alunos. Assim, desde fevereiro, as turmas participaram em diversas atividades, conjuntas e isoladas, explorando o tema também através das artes: música, dramatização, artes plásticas, literatura e poesia. “O problema não está solucionado, mas os alunos estão sensibilizados e dialogaram sobre o assunto. E, de facto, à medida que o tema ia sendo tratado, deixei de receber tantas queixas de atitudes discriminatórias, nomeadamente racial, que foi a que deu início ao problema. E em vez de ter alunos que se agrupariam aos elementos desafiadores comecei a ter grupos unidos a bem de um entendimento e da aceitação das diferenças. No fundo, eles veem a diferença não como algo que diminui a pessoa humana, mas como algo onde se podem encontrar muitas potencialidades, coisas boas”, referiu à PÁGINA a também coordenadora científica e organizadora da iniciativa.
Uma casa onde todos cabem. Na conferência, os alunos tiveram oportunidade de partilhar os seus trabalhos, de apresentar números musicais e momentos literários e de dar voz às suas opiniões, condensadas numa reportagem em vídeo. Era importante dar voz às crianças, saber o que pensam sobre este tema, fazer com que fossem ouvidas e “ouvirem-se a elas próprias”. E ainda dar uma visão global do que foi feito, no sentido de valorizar esta questão. “O importante disto tudo é a promoção do diálogo e a desmistificação da palavra ‘diferença’, esse monstro que é e que existe de facto.”
A inclusão e a escola inclusiva são temas que têm vindo a ganhar cada vez mais força no sistema educativo nacional. É preciso que os alunos também entendam estes assuntos, porque é o desconhecimento e a generalização que muitas vezes gera preconceitos. “É um assunto global, mas para nós compreendermos a globalidade das coisas, primeiro, temos de nos situar a nós próprios. Se as crianças não se situarem nem tiverem uma ideia do que se está a passar à sua volta, também não vão ter opinião, não vão tomar uma decisão sobre o que se passa”, considera a docente, acrescentando que a escola tem um “papel fundamental” neste caminho contra as diferenças, porque “não existe espaço nenhum do mundo com tanta diversidade cultural como a escola”.
A conferência foi mais direcionada para a questão étnica e racial, talvez porque as diferenças são mais óbvias, mas abriu um espaço de reflexão que pode ser alargado a outros temas. “A direção dos diálogos e da conversação foi, no caso, para diferenças mais concretas e visíveis. Mas daqui pode-se extrapolar para outros níveis, nomeadamente para a questão do bullying.”
Daí que a realização de uma segunda conferência seja uma possibilidade. É que no combate às diferenças – ou ao conceito negativo do que é ser diferente – nunca é demais mostrar que a escola é uma casa onde todos cabem.
Maria João Leite/A Página da Educação
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